Antes de começarmos preciso de saber se a terapia vai ser ABA? pergunta Rogério (nome fictício). Respondo-lhe que não, ficando com a impressão que a questão trazia outras dúvidas. E posso perguntar-lhe qual é a terapia que faz? pergunta-me com algum receio. Sorrio. Claro que sim! digo-lhe. Quer começar a falar já por esta questão? pergunto-lhe. Não se importa? continua com algum receio.
Rogério estava visivelmente transtornado e com receio de que aquela sua abordagem pudesse não correr bem. Fiquei a perceber que já não era a primeira terapia que fazia. Ou a primeira vez que tinha ficado frustrado com o processo terapêutico em questão.
A determinada altura chegaram a tirar-me da terapia, diz Sónia (nome fictício). Quando chegava a casa os meus pais perguntavam-me o que é que tinha feito na consulta. E eu dizia-lhes que nada. Outras vezes dizia-lhe que apenas tinha estado calada, refere. Eles sabem que eu nunca minto, conclui.
Fui a vários terapeutas, diz Rui (nome fictício). Quando era mais novo era os meus pais que me levavam. Depois passei a ser eu próprio, acrescenta. Foram várias as vezes que disseram que não iriam poder acompanhar-me por causa do meu diagnóstico, refere. A sensação que eu tive durante a maior parte das vezes é de estar a ser abandonado. Para além de pensar que não havia nada a fazer em relação à minha pessoa, conclui.
A primeira coisa que fazia quando chegava a uma primeira consulta era questionar durante algum tempo o terapeuta sobre as suas competências, refere Júlia (nome fictício). Reparei que alguns deles não lidavam muito bem com isso. Não me pergunte como é que eu sabia. Eu parecia simplesmente saber e nunca mais lá ia, diz. Alguns deles era os meus pais que me diziam que era melhor não ir lá mais. Chegou mesmo a haver uma altura em que eu tive uma melhor amiga e que pedia para ela entrar também, e quando os terapeutas diziam que apenas eu é que podia entrar, ia embora e nem sequer entrava, conclui.
Aprendi que tirar apontamentos era algo que funcionava muito bem comigo, diz Carlos (nome fictício). Alguns terapeutas não aceitavam a possibilidade de eu o fazer. Ou de pedir que eles repetissem para que eu pudesse apontar como deve ser, continua. Chegaram a dizer-me que aquilo não era nenhuma aula e que eu não estava na escola, acrescenta. Eu sei que não estava na escola. Não percebia porque é que me diziam algo assim. E quando eu lhes dizia que tirava apontamentos para depois poder falar com os meus pais, parecia que ainda ficavam pior. E se eu na consulta seguinte trouxesse recados escritos no caderno feitos pelos meus pais, parecia ser um desastre, conclui.
Li no seu site que a sua formação é Comportamental e Cognitiva, diz Alexandra (nome fictício). Sim, é verdade, refiro. Eu já fiz terapia CBT, mas eu agora não estou interessada em mudar comportamentos, acrescenta. Venho à procura de me compreender, conclui.
A aliança terapêutica entre o cliente e o terapeuta, foi identificada como preditiva de melhores resultados na intervenção com jovens e adultos não autistas numa variedade de de modelos terapêuticos. A aliança terapêutica é composta por três elementos: tarefa (i.e., a vontade do cliente de falar com o terapeuta e participar em actividades de terapia), vínculo (i.e., a relação afectiva entre o cliente e terapeuta), e objetivo (i.e., o acordo nos objectivos da intervenção). A aliança terapêutica é parte integrante da psicoterapia. Sendo que esta última é vista como composta por aspectos específicos, tais como intervenções associadas com modelos terapêuticos particulares, e não específicos, tais como factores comuns que existem em todos esses modelos.
A investigação em psicoterapia tem mostrado a importância de uma relação terapêutica forte. Assim como da sua importância para os ganhos terapêuticos. Contudo, no contexto de trabalho com adultos autistas, a relação parece ser algo menos enfatizada. E principalmente uma relação que vá ao encontro da real essência da pessoa. E apesar de serem realizadas alterações nas abordagens dos diferentes modelos terapêuticos. Também é verdade que existem poucos detalhes e investigação cientifica relativamente aos mesmos.
No espectro do autismo, um argumento frequentemente abordado na terapia passa pelo desajuste entre o modo de ser da pessoa e as formas em que o mundo social é construído. E isto refere-se ao mundo em que a pessoa autista vive e não exclui o espaço psicoterapêutico e a relação terapêutica com o psicólogo. Os terapeutas, o espaço e a relação terapêutica existem num contexto histórico, psicológico e social. Mas apesar destes desajustes a psicoterapia e o aconselhamento pode ser uma ferramenta eficaz para ajudar um cliente a compreender e resistir aos efeitos de práticas incapacitantes.
As pessoas autistas podem achar problemático entenderem-se, assim como entender alguns aspectos das pessoas não autistas. Podem experimentar dificuldades na compreensão e uso das regras sociais esperadas; prever ou monitorizar a forma como os outros podem reagir às trocas sociais; e identificar, e adaptar-se com, tendências sociais e culturais que diferem da sua própria. Outras características comuns incluídas no perfil de funcionamento da pessoa autistas, são os seus interesses intensos e as experiências sensoriais que podem fazer ambientes altamente desafiantes e stressantes.
No entanto, as pessoas são, naturalmente, pessoas com o seu próprio perfil distinto de interesses, competências e desafios. Além disso, a maioria das construções de experiência impõem certos formas de estar nas pessoas, além de muitas vezes as pessoas poderem não compreender ou aceitar que as diferenças não são patológicas. Portanto, o entendimento de pessoas autistas por pessoas não autistas pode ser profundamente problemático também.
Um outro aspecto a ser tido em conta é de que as pessoas autistas podem chegar à terapia por causa de anos a serem intimidados e ostracizado por ser visto como diferente; por causa de tentar gerir ambientes que são esmagadoramente stressante; e/ou porque os parceiros estão a procurar ajuda com dificuldades de relacionamento decorrentes de diferentes prioridades e perspectivas.
Ou então, uma outra questão igualmente frequente, parece ser o facto de terem aprendido a temer como a associação com este seu diagnóstico pode ter impacto na forma como os outros percebem e respondem a si. E como tal, estes clientes são suscetíveis de ter estabelecido diferentes posições em relação a este, a partir de tentar passar como sendo não autista.
Muitas pessoas autistas olham para a psicoterapia como dispensável. E no próprio processo parecem ter dificuldade em visualizar uma causalidade psicológica de que as suas dificuldades ao longo do desenvolvimento se prendem com a compreensão social e envolvimento. Muitos têm experiências terapêuticas em que que sentem que as suas necessidades não foram atendidas e tornaram-se céticos sobre os terapeutas e terapia.
No entanto, a psicoterapia pode ter algo para oferecer às pessoas autistas, se usar os seus pontos fortes para identificar e entender como certos ambientes e relações com os outros pode tê-los desactivado e incapacitado. E como tal, a psicoterapia, baseia-se numa aceitação da natureza do desenvolvimento da pessoa autista, tornando-se no potencial para ajudar as pessoas autistas a viver vidas mais satisfatórias.
Para clientes autistas, a psicoterapia bem sucedida é suscetível de envolver validação da
experiência do cliente e colaboração no que o cliente pode desejar trabalhar. Isto também pode exigir um foco na mudança de ambientes incapacitantes. Os psicoterapeutas podem precisar de apoio para este processo daqueles que conhecem bem o cliente. Ou seja, pode ser importante poder incorporar no processo de intervenção uma terceira pessoa significativa para este e para os ganhos terapêuticos.
Os psicoterapeutas podem precisar de adaptar o seu estilo de comunicação e envolver-se com uma gama mais alargada de abordagens do que estão habituados. Muitos desses desenvolvimentos na sua prática podem muito bem beneficiar todos os clientes, e não apenas aqueles do espectro do autismo. E principalmente ao fazerem isso estarão a reforçar dois aspectos fundamentais na consolidação da relação terapêutica: confiança no terapeuta e na intervenção.
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