Muitos de nós já ouvimos frases como, Come legumes que faz bem aos olhos! Ou, Come fruta que tem muita vitamina C ! Estas e outras indicações ditas pelas nossas avós, repetidas pelos nossos pais e agora reproduzidas por nós vão estando presentes no quotidiano de todos. Não, não vos venho falar acerca de planos dietéticos para as pessoas autistas, ainda que seja um tema pertinente, principalmente quando envolve questões como a restrição alimentar e outras sensoriais.
Também é verdade que muitos já ouviram dizer, Faz este teste e ficas a saber que tens autismo! Ou, Ouvi dizer que há um novo procedimento para saber se as crianças são autistas e que tem grande eficácia! Por exemplo, ainda ontem lia que a Apple, essa mesmo dos Iphone, está a realizar um trabalho em colaboração com a Universidade de Duke, para que possam implementar nas câmaras dos seus smartphone a possibilidade de diagnosticar se a criança tem autismo. Isto dito desta forma leva muitos a questionar acerca da validade e veracidade da informação. E não é para mais. Até porque na comunidade autista o que tem havido é fake news e venda de falsas terapias e curas para o autismo, mas também de instrumentos de diagnóstico.
Mas talvez possa acrescentar aqui alguma validade e veracidade à possível proposta da Apple em conjunto com a Universidade de Duke. Nestes últimos anos têm sido cada vez mais os investigadores que têm procurado usar a metodologia de Eye-Tracking para rastrear o comportamento ocular das pessoas em diversas situações. Nomeadamente, no autismo tem havido um crescendo no número de trabalhos importantes e com resultados promissores. por exemplo, o investigador Ami Klin já há alguns anos que demonstrou que o comportamento de rastreamento ocular de crianças com idade muito precoce parece ser diferente consoante haja a suspeita de poderem apresentar um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo ou não. E que estes mesmos dados recolhidos se mostraram importantes para validar o diagnóstico que veio a ser atribuído mais tarde precisamente ao grupo de crianças que apresentava um conjunto de dados clínicos, além da história clinica da família, e do próprio padrão de rastreamento ocular observado nas tarefas que realizaram ao seis meses de idade. Ou seja, face à apresentação de determinado conjunto de estímulos, sociais versus não sociais, familiares versus não familiares, estáticos versus dinâmicos, etc. As pessoas autistas comparativamente às pessoas não autistas parecem apresentar um padrão de resposta em termos do comportamento ocular diferente. Seja na velocidade com que dirigem a sua atenção para uns estímulos comparativamente aos outros. Mas também o tempo que demoram a processar com o olhar determinada informação, leva a crer que isso aponta para um correspondente comportamental daquilo que é observado nos critérios de diagnóstico presente no Espectro do Autismo.
Será importante no entanto reforçar mais uma vez que o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo é um diagnóstico clinico e que é realizado em contexto de consulta mediante a recolha de informação clínica relevante e a observação comportamental da pessoa, seja ela criança, jovem ou adulta. Ainda que existam um conjunto de instrumentos de rastreio, tais como questionários de auto-preenchimento - Questionário do Quociente do Espectro Autista (QA), M-CHAT, etc. Mas também entrevistas clinicas realizadas com os pais, por exemplo, o ADI-R, ou de observação comportamental da própria pessoa através do ADOS-2. O uso do Eye-Tracking e do registo do comportamento de rastreio ocular em determinados contextos e com a utilização de um desenho de investigação experimental adequado, é possível perceber que pode haver indicação e necessidade de uma avaliação clínica mais aprofundada para corroborar o diagnóstico em questão. Ou seja, estas e outras propostas, por mais tecnológicas e inovadoras que o sejam, além de promissoras, são ferramentas que devem ser entendidas como um rastreio.
E não, não sou uma pessoa suspeita para falar disso. Além de ter IPhone, IPad, MacBook há bastantes anos. Tenho vindo a usar a metodologia de Eye-Tracking em contexto de investigação.
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