You are quite right to remember the storm that interrupted our conversation. In a
quite irrational way, we must be able to listen to the voice of nature, even if it means breaking the continuity of consciousness.
Jung, 1957: Letter 11, pp. 20–21
Era uma vez, (...). Quantas histórias não começam assim? Deixem-me partilhar uma história que ainda está a ser construída. Na verdade como todas as histórias. Ainda que muitas delas tenham principio e fim. Mas quantas delas não foram já contadas de forma diferente? Eu próprio já contribui para tal. Mas apesar desta história se estar a construir, isso não significa que não se vá contando um pouco. E como eu acredito que as histórias são melhor construídas por mais do que um, que melhor sitio e forma para poder ver quem de vós estaria disponível a participar. Curiosos? Ainda bem, porque a curiosidade é um ingrediente fundamental nas histórias. Assim como vontade de desafiar as ideias instituídas. É impossível as pessoas voarem! Perguntem aos que fizeram de Icaro no teatro se isso é verdade, e vejam o que eles vos respondem! É impossível as pessoas autistas gostarem de teatro e ainda menos serem actores e actrizes numa peça de teatro! Será? Têm a certeza? Começaram a duvidar? Alguns de vocês até são capazes de ter um filho ou uma filha autista que dizem ser prova viva de que a afirmação anterior é mentira, certo? Pois bem, eu também acho o mesmo. E sempre achei. E por isso é que pensei que seria interessante poder levar mais pessoas autistas a voar. Não, não vou abrir uma companhia aérea. E não vou abrir uma companhia de teatro. Ainda que esteja à procura de saber quem é que poderia ser uma pessoa com formação em teatro e que estivesse interessado num projecto destes? Qual projecto? Levar a cena uma peça de teatro feita por pessoas autistas!
Eu quero ser o dungeon master, disse Vitor (nome fictício) de forma assertiva, nunca ouvido em outras situações. Nem penses!, respondeu-lhe imediatamente Ivone (nome fictício). Desta vez serei eu!, continuou. Sendo que Ivone raramente chega-se à frente para se poder envolver em papéis de maior destaque. Deves estar a gozar, disse António (nome fictício). Uma rapariga ser dungeon master?, perguntou com um tom irónico e algo sarcástico, soltando uma gargalhada no final. Coisa que em mais nenhum contexto ocorre. Queres conversar sobre papéis de género?, perguntou-lhe Rute (nome fictício). Tu queres mesmo abordar esse tema no século XXI?, continuou a perguntar-lhe. Sendo que Rute sempre evitou situações mais tensas e possíveis conflitos. Vitor, Ivone, António e Rute partilham todos algumas coisas. Duas delas fazem parte integrante de si, da sua identidade. O facto de terem todos um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. E de terem um interesse especial e intenso no jogo Dungeons & Dragons. Uma outra coisa que também tem sido possível de verificar como semelhante entre todos eles, é de que este jogo os transforma em algumas das suas características. E algumas delas fazem parte daquilo que são os critérios de diagnóstico da sua condição. Ou seja, todos eles apresentam de alguma forma alguma dificuldade nas relações sociais. Mas também na forma como se expressam em relação a determinadas situações e principalmente sensações ou emoções. No entanto, o jogarem Dungeons & Dragons tem ajudado a transforma-los e de uma forma lúdica. Os próprios pais e os irmãos do António e da Rute têm notado mudanças visíveis neles. Sentem que estão mais participativos. E de uma forma mais alternada. Afinal o jogar tem esta capacidade de nos ensinar que temos de aguardar pela nossa vez de jogar. Além do facto de haver uma pessoa responsável por coordenador o jogo - o dungeon master. E os restante terem de ir estando atento às orientações deste. Isso também tem levado a que em casa estejam mais capazes de conseguirem ouvir os pais. E a própria escola também tem referido algumas mudanças. E uma outra questão magnífica neste jogo é o facto de cada jogador ter de criar a sua própria personagem. Todos eles, de uma forma ou outra, têm dificuldades no jogo simbólico e na sua capacidade criativa. No entanto, ali naquele espaço e tempo de jogo, acontece precisamente o contrário. Nunca nenhum deles se viu tão empenhado em pensar sobre as carcaterísticas de uma personagem. E curiosamente, todos eles já perceberam que há alguma coisa nas personagens que parece reflectir alguma coisa ou parte da própria pessoa. E até têm conseguido brincar com isso.
Comments