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Foto do escritorpedrorodrigues

Mas nenhum de vocês é um good doctor

Peço desculpa perguntar-lhe isto, mas o doutor é autista?, disse Joana (nome fictício) no gabinete do médico que a observava. Fez-se um silêncio durante breves segundos. A colega do médico que estava no gabinete olhava para este com uma expressão que parecia dizer algo. A mãe da Joana puxou-lhe o braço e abanou a cabeça como que a dizer-lhe que aquilo não se perguntava. Joana, pareces ser uma pessoa muito observadora. E sim, sou autista, disse o médico.


Esta poderia ser uma qualquer cena da série The Good Doctor. Mas não é. Até porque a Joana confessou ao médico em questão que seguia a série televisiva em questão e que ele não se parecia nada com a personagem da série. E não, a Joana não se estava a referir às características fisionómicas.


Tal como muitos daqueles nascidos na década de 70 viram o filme Rain Man e ficaram com uma determinada representação do que poderia ser o autismo. Também mais recentemente, quando começaram a surgir um conjunto variado de séries relacionadas com o tema do autismo, foram várias as questões que surgiram. Nomeadamente, quando aparece a série The Good Doctor, houve quem se questionasse se seria possível uma pessoa autista ser médico. E outros diziam que caso fosse possível haveria de ser um caso num milhão. Até porque nunca conheceram nenhum médico que fosse autista. Ainda que também nunca tenham conhecido nenhuma pessoa adulta autista, e não quer dizer que elas não existam.


Esta questão é interessante, e penso que não se esgota apenas em relação ao papel de médico. No autismo, penso que há todo um conjunto de áreas profissionais e diferentes papéis que muitas pessoas pensam que as pessoas autistas não serão capazes. Para além de médicos, penso que enfermeiros, professores universitários, políticos, atletas, pais, etc., são outros exemplos que muitas pessoas pensarão que não existem pessoas autistas. Ou de que estes não terão interesse.


Já muitos sabem que 1% da população mundial apresenta um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Ou seja, 1 em cada 100 pessoas é autista. E agora quantas destas pessoas é que além de serem autistas também serão médicos? Talvez muitos de vocês pensem na probabilidade de 1 num milhão, certo? Mais uma vez em Portugal não se sabe. No entanto, no Reino Unido, foi perguntado aos Médicos de Clinica Geral e Familiar e as suas respostas demonstraram que 1% deles são igualmente autistas. Mas não são os únicos, os psiquiatras são outra das especializadas mais representadas.


Isso mesmo, quer dizer que a probabilidade de se encontrar um médico que seja igualmente autista é muito maior do que aquela que se podia pensar.


Contudo, quando procuramos abordar esta questão da existência de médicos autistas, verificamos existirem duas reacções imediatas e contrastantes, e principalmente entre colegas. Uma primeira é de descrença, e a segunda é que é uma realidade, contudo, não é algo de que se fale abertamente.


E tal como na população em geral, também se verifica na classe médica, de que há um número significativo de profissionais que não estão a sentir haver espaço para poderem reconhecer as suas características.


Aqueles que foram diagnosticado ou se auto-diagnosticaram como autistas, têm um conjunto grande de desafios em redor da divulgação do seu diagnóstico. Seja a discriminação, que os leva em muito a terem comportamentos de camuflagem social e a sofrer escondidos, procurando permanecer disfarçados. Ainda que comece a haver também na comunidade médica a nível internacional um movimento de self-advocacy e de auto-ajuda para procurar ajudar orientar estes médicos autistas. Mas os desafios não se ficam apenas por aqui. Os cuidados ao paciente, principalmente quando há necessidade de um maior diálogo entre ambos, torna a situação mais desafiante. Contudo, atendendo a que a mesma é geralmente focada em tarefas ou estruturada em torno de um papel bem definido, leva a que esta situação possa ser atenuada. Mas tal como em qualquer pessoa autista, o surgimento de situações inesperadas leva a que muitos médicos sintam uma maior desorganização no seu quotidiano, principalmente aqueles que trabalham em contexto hospital.


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