Liberdade percebida
- pedrorodrigues
- há 17 minutos
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Amanhã é 25 de abril. Lá vão as pessoas dizer que vão celebrar a liberdade! Mais uma vez continuo sem saber o que é isso. Essa tal coisa que chamam de liberdade. Nunca percebi, mas também nunca me explicaram muito bem. Dizem-me a maior parte das vezes que a liberdade é ser livre. Já deixei de perguntar para me explicarem de forma diferente. Agora dizem-me que com esta idade eu já devia saber o que é a liberdade. Mas o certo é que não o sei, mas também já o deixei de perguntar. Ainda que continue a procurar saber o que é. E por isso fiz este desenho. Pensei que a liberdade teria a ver com o estar aprisionado. E disso eu sei bastante. E ainda que nunca tenha cumprido uma pena efectiva de prisão, sinto que não vivi outra coisa senão preso. Em determinada altura ainda pensei que a liberdade seria o contrário de estar preso. Mas depois pensei que não fazia sentido. Tal como não faz sentido dizer que saúde é o contrário de não estar doente. Então desenhei este desenho com os meus pés presos. Fiquei mais do que duas horas e treze minutos a olhar para a folha em branco sem saber o que desenhar. Aquilo que haveria de aparecer seria a liberdade, ou pelo menos uma metáfora disso. Curioso saber o que quer dizer metáfora e não saber o que quer dizer liberdade. Mas penso que a liberdade não é somente algo que se saiba, mas antes uma coisa que se viva, sinta e sonha.
Fernando (nome fictício), pessoa autista de 42 anos.
A liberdade percebida refere-se à experiência ou sensação subjectiva de ter a capacidade de fazer escolhas e controlar as próprias ações, independentemente de essas escolhas serem objectivamente limitadas ou não. É a percepção do indivíduo de ter liberdade, que pode ser influenciada por factores como o locus de controlo e a disponibilidade de opções.
As pessoas autistas adultas frequentemente expressam um forte desejo e percepção de liberdade, particularmente em tomar decisões e exercer autonomia nas suas vidas. Isso inclui liberdade de controlo desnecessário, a capacidade de se revelar e ser autêntico, e a liberdade de desenvolver o seu próprio sentido de identidade. Eles também podem procurar a liberdade em experiências sensoriais, como a liberdade de comer sozinhos ou em espaços que atendam às suas necessidades sensoriais.
Eu gostava de ser livre de poder comer sozinho sem que ninguém dissesse ou pensasse que eu estava a ser mal educado, ingrato ou rude! Carlos (nome fictício), pessoa autistas de 23 anos.
Eu sei que posso votar e que isso é uma forma de exercer a minha liberdade. Mas verdadeiramente gostava de poder ser considerado uma pessoa a eleger, das minhas ideias e propostas serem votadas democraticamente! Júlio (nome fictício), pessoa autista de 34 anos.
Eu queria que deixassem de dizer para eu ser ou fazer isto e aquilo. E sentir que é possível ser eu mesma! Catarina (nome fictício), pessoa autista de 27 anos.
Gostava de poder ser autista e não ter de me mascarar frequentemente! Anabela (nome fictício), pessoa autista de 45 anos.
Ser livre seria não ter de estar sistematicamente a justificar que sou uma pessoa autista e que faço o que faço porque faz parte de quem sou. Ou não ter de andar uma vida inteira a entregar relatórios da minha vida aos outros, para que ainda por cima várias vezes digam que eu não pareço autista ou que sou uma autista leve! Joana (nome fictício), pessoa autista de 24 anos.
Eu gostava de gostar de ser eu! Cristina (nome fictício), pessoa autista de 48 anos.
Eu gostava de saber o que é a liberdade! Fernando (nome fictício), pessoa autista de 42 anos.
Celebramos amanhã 51 anos de liberdade. Mas a liberdade é sempre muito mais do que este viver aprisionado por um regime ditatorial tal como foi o nosso em Portugal e em outros países. A liberdade vai além das mulheres passarem a poder votar e terem o direito a escolher viver a sua vida por vontade própria. Temos inúmeras leis e declarações que obrigam e propõem a necessidade das pessoas terem um conjunto de deveres e direitos que contribuam para a possibilidade de uma vida autónoma e independente e por conseguinte livre. Mas depois verificamos ao fim de 51 anos que ainda são a maioria aquelas pessoas autistas que não vivem debaixo destes mesmos princípios. Basta ler o relatório Pessoas com Deficiência em Portugal - Indicadores de Direitos Humanos 2024 para percebermos o real desinvestimento nas pessoas com deficiência. Seja ao nível do desinvestimento na protecção social, mas também no criar condições para que as pessoas com deficiência ao longo da vida possam ser elas próprias agentes de decisão e construção do seu próprio projecto de vida.
As pessoas autistas querem ser elas próprias a construir a sua liberdade. E a saber o que elas entendem para si mesmas enquanto liberdade. E não ser uma liberdade, tal como uma qualidade de vida, ou qualquer outro construto que seja definido por pessoas não autistas para pessoas não autistas e que se dá a ideia de que terá de ser igual para as pessoas autistas.
Que liberdade é esta em que dizemos ao outro o significado de liberdade? Esta deverá ser construída por si própria ao longo da vida, mas também em conjunto e colaboração com os outros.

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