Aquelas famílias que têm gémeos já se vão habituando às perguntas, "Este é o Francisco ou o António?". E muito frequentemente os pais respondem rapidamente quem é quem e dizem que é fácil de os reconhecer. Apontando de seguida algumas das características que na perspectiva dos pais os diferencia. Mas o certo é que nos caso dos gémeos monozigóticos (idênticos) as pessoas continuam e durante algum tempo mais a ter dificuldade em os diferenciar. E depois deixam de perguntar aos pais e passam a perguntar aos próprios, "És o Francisco ou o António?". Situação que acaba por deixar algumas vezes as pessoas frustradas. Até porque dizem que para si a tarefa de distinção é fácil. É um pouco aquilo que nos acontece na clinica com a Perturbação de Personalidade Borderline (PPB) e a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA).
Uma das principais dificuldades verificadas nas pessoas com uma Perturbação da Personalidade Borderline (PPB) e das pessoas com uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), é de que ambas sentem as interacções afectivas e relacionais como desafiantes.
A PPB, também é conhecida como perturbação da personalidade emocionalmente instável, é amplamente definida como uma perturbação com um padrão de instabilidade no relacionamento interpessoal, autoimagem e emoções, assim como, de uma impulsividade marcada que começa no inicio da idade adulta e presente numa variedade de contextos (APA, 2013). É caracterizado por dificuldades no funcionamento interpessoal, para exemplo, baixa empatia ou problemas de confiança e intimidade, bem como traços de personalidade, tais como desinibição e antagonismo, e impulsividade. A prevalência ao longo da vida de PPB é de cerca de 6%, e a condição é igualmente prevalecente entre homens e mulheres. Não obstante a experiência clinica nos mostrar que parece haver uma predominância nas mulheres.
A PEA é caracterizada pela presença de dificuldades na comunicação e interacção social, assim como, interesses excepcionalmente intensos e um padrão repetitivo de comportamentos (APA, 2013). Os traços autistas podem incluir um processo de uso de sistemas e regras para prever o comportamento em vez de empatia, normalmante designado de sistematização, e déficits de mentalização, a capacidade de compreender o estado mental de si mesmo e do Outro. A PEA é mais frequentemente diagnosticado em homens do que em mulheres, e a prevalência é estimada em 1% da população.
A etiologia para PPB e da PEA não é totalmente compreendida, mas acredita-se que seja
uma combinação de factores de ordem genética e ambienta. Existe um entendimento consensual de que a PEA é uma perturbação neurológica do desenvolvimento, enquanto PPB está mais associado a factores ambientais adversos, tal como privação emocional, abuso e trauma na infância. No entanto, é possível que algumas pessoas possam apresentar ambas as condições.
É essencial realizar um diagnóstico preciso de PPB e/ou de PEA para que os profissionais de saúde possam desenhar intervenções ideais para cada um deles. O diagnóstico pode ser complexo porque existem várias semelhanças na apresentação através dos critérios de diagnóstico, co-morbidade e diagnósticos diferenciais. Para exemplo, uma das principais semelhanças entre PPB e PEA é que em ambas as condições as pessoas podem enfrentar desafios significativos em compreender e responder às emoções em si e em relação aos outros.
É importante avaliar as diferenças entre a PPB e a PEA porque o tratamento e as abordagens para cada condição são diferentes. Por exemplo, nas pessoas com PEA, a automutilação está fortemente associada à sobrecarga sensorial, enquanto em pessoas com PPB tende a ocorrer no contexto de conflitos no relacionamento interpessoal e desregulação emocional. Portanto, na PEA, pode ser adequado reduzir as actividades que causem sobrecargas sensoriais para mínimizar a probabilidade de ocorrerem automutilações. Enquanto que na PPB há evidências que as intervenções psicológicas que reduzem a desregulação emocional e a impulsividade são eficaz. É importante identificar pessoas com comorbilidade entre PPB e PEA, uma vez que a coocorrência dessas condições pode significar uma maior complexidade para identificar a intervenção.
A prática clinica e a literatura sugere que as pessoas com PEA geralmente tendem a ser mais introvertidas e socialmente inibidas, mais compulsivo e menos abertas a novas experiências do que pessoas com PPB. As pessoas com PEA também tendem a suprimir a expressão emocional no circunstâncias sociais com mais frequência. No entanto, parece que as pessoas com PPB parecem compartilhar alguns traços autistas, como a sistematização e mentalização, embora se sugira cautela ao se fazer generalizações. Por exemplo, uma pessoa com PEA pode ter dificuldade em interpretar pistas sociais e, portanto, ficar isolado, o que difere de uma pessoa que é naturalmente introvertida e não tem dificuldade em interpretar pistas sociais, mas escolhe não estar socialmente envolvido. Este exemplo enfatiza a necessidade de uma abordagem individualizada no diagnóstico e gestão dos casos de PPB e PEA, particularmente onde as condições podem ser comórbidas.
Guião para apoio no diagnóstico diferencial entre PPB e PEA [nota: este guião não pretende servir como ferramenta de diagnóstico, mas sim como uma orientação na leitura compreensiva dos casos]
Capacidade de melhoria a nível psicológico. PPB: Pode-se esperar que a maioria possam ter melhorias psicológicas significativas ou recuperar com o tempo; PEA: Há menos expectativa de alteração dos déficit na capacidade reflexiva, não obstante as mudanças comportamentais que venham a ser alcançadas;
Existem sinais de que a pessoa pode fazer alterações na sua compreensão e capacidade reflexiva? O tratamento precisa de ser amplamente focado em objetivos comportamentais orientados para as estratégias?
Capacidade de mentalização. PPB: Esta função reflexiva pode flutuar dramaticamente de acordo com o nível de sofrimento emocional, mas quando mais organizados pode ser esperado uma capacidade de mentalização adequada; PEA: A desregulação emocional pode causar algumas flutuações, mas o déficit de mentalização permanecerá relativamente constante;
A capacidade da pessoa de refletir sobre o seu próprio estado mental e o dos outros flutua acentuadamente em resposta ao sofrimento emocional? Quando o estado emocional da pessoa está regulado, ela é relativamente capaz de reflectir sobre os seus próprios estados internos e os dos outros?
Partilha emocional. PPB: Há uma tendência para um envolvimento emocional intenso que pode incluir uma revelação excessiva de sentimentos e história pessoal; PEA: Há uma partilha reduzida de emoções;
Se a pessoa se sente segura o suficiente com outra pessoa, é provável que queira partilhar detalhes sobre a sua vida emocional intensamente?
Empatia. PPB: A empatia costuma ser elevada, embora enviesado negativamente. Por exemplo, a pessoa pode estar sintonizada com a rejeição com base no seu medo de abandono; PEA: A pessoa tem a empatia mais reduzida;
A pessoa reconhece os sentimentos dos outros com rapidez e facilidade, mas tende a ter um viés negativo sobre a forma como os interpreta? A pessoa pode dar conselhos emocionais eficazes aos outros quando estão eles próprios angustiados?
Pistas visuais. PPB: Tendem a perceber sinais subtis de emoção; PEA: Provavelmente precisam de um pista visual mais forte do estado emocional na outra pessoa para reconhecer e identificar a emoção;
A pessoa reconhece sinais subtis de emoção? A pessoa precisa que as emoções sejam fortemente perceptíveis para reconhecê-las?
Comportamentos repetitivos. PPB: Comportamentos repetitivos, como a automutilação ritualizada podem ser encontrados. Esses comportamentos são susceptíveis de servir para regular a emoção e de se sentir ausente em momentos de estabilidade emocional; PEA: Os comportamentos repetitivos são uma das características de diagnóstico, e não tem de haver necessariamente um componente emocional;
Os rituais ou comportamentos repetitivos da pessoa servem a função de regulação da emoção? Os rituais da pessoa estão ausentes quando as suas emoções estão bem reguladas?
Traumas na infância e negligência: PPB: Estes são muitas vezes, embora nem sempre,
relevantes. Podem afectar o reconhecimento emocional, assim como o seu processamento (alexitimia); PEA: Pessoas com PEA podem ter vivenciado estas situações traumáticas e/ou de negligência, mas isso não é considerado um factor significativo em termos da sua causalidade;
As dificuldades de personalidade da pessoa advêm da situações de abuso ou negligência ocorridas na infância? As dificuldades da pessoa eram evidentes antes ou na ausência do trauma? A dinâmica familiar da pessoa era inóspita o suficiente para comprometer o desenvolvimento e reconhecimento emocional?
Invalidação em relação à etiologia. PPB: A invalidação é um factor importante na
etiologia das suas dificuldades. A invalidação quando ocorre na família é mais provável e mais prejudicial em pessoas emocionalmente vulneráveis, como aquelas com PPB; PEA: Pessoas com PEA podem ter vivenciado estas situações, mas não é considerado um factor significativo na causalidade;
A invalidação repetida pelos cuidadores aparece no relato da pessoa sobre a sua história de desenvolvimento? A pessoa demonstra profunda sensibilidade aos sinais de invalidação por outros?
Validação emocional. PPB: A validação emocional apropriada reduz marcadamente a hiperactivação emocional. A validação emocional é uma forma primária de desenvolver um relacionamento; PEA: A validação emocional tem menos efeitos significativo do que em pessoas com PPB, e pode nem ser relevante;
A validação emocional reduz significativamente a activação emocional da pessoa?
Proximidade física. PPB: Isso pode constituir um problema por vezes e ter uma baseexplciativa psicológica; PEA: Isso pode ser um problema às vezes, e pode ser pragmático, por exemplo, se as outras pessoas estão no seu caminho;
A pessoa apresenta sintomas pós-traumáticos de proximidade física? A pessoa tem uma ansiedade intensa sobre os julgamentos e críticas de outros, o que pode causar hiperactivação e distanciamento dos outros?
Compromisso social. PPB: Déficits no compromisso social pode ser um apresentação transitória relacionada à dissociação; PEA: Déficits no compromisso social normal são um
característica difusa;
A experiência da pessoa muda para estados dissociativos quando está angustiada? As competências sociais da pessoa variam consideravelmente, dependendo do sua nível de ansiedade?
Dano auto-infligido. PPB: Isso tende a ocorrer no contexto de desregulação emocional, muitas vezes ligada a conflito interpessoal; PEA: Isso está associado à sobrecarga sensorial e pode ser uma tentativa sua de comunicar sobre um problema. Não é exclusivamente para fins emocionais ou razões interpessoais;
O tratamento da pessoa precisa de ter como objetivo reduzir actividades que causam sobrecarga sensorial (adaptação ao ambiente) ou na redução da sobrecarga emocional e aumento da capacidade reflexiva? Quais são as funções que a automutilação tem para a pessoa?
Vinculação e rejeição. PPB: Verifica-se um padrão de apego e rejeição nos relacionamentos; PEA: Tendem a ter um comportamento mais constante ao nível do envolvimento do que aqueles com PPB. Eles podem envolver-se activamente com outros, e depois retirar-se deles, mas por razões práticas ao invés de razões emocionais;
A pessoa tem períodos intensos de envolvimento emocional com outros seguidos por períodos de rejeição ou de fuga, em oposição a um nível relativamente constante de compromisso? É o padrão da pessoa nos relacionamentos em grande parte por causa do motivos emocionais ou por motivos funcionais e pragmáticos?
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