A designação "jobs for the boys" normalmente é usada para nos referirmos à utilização de cunhas para indevidamente colocar alguém num posto de trabalho. Noutros contextos e com determinados grupos há aquilo que se chama de discriminação positiva no recrutamento. Ou seja, estamos a falar da adopção de medidas de discriminação positiva em favor do sexo sub-representado no recrutamento e seleção ou então da criação de cotas para pessoas com deficiência nas Organizações. Além destas medidas todas que promovem um recrutamento inclusivo e a implementação de medidas de protecção do posto de trabalho e de emprego protegido. Pensamos ser fundamental garantir dotar as pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) com competências para que elas próprias, ainda que possam beneficiar de determinadas medidas se assim o desejarem, possam estar capacitados para dar uma resposta às necessidades que o mercado de trabalho tem para oferecer.
Para todos aqueles com uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) fazer a transição do fim da adolescência para a entrada na vida adulta é um desafio acrescido comparativamente aos seus pares neurotipicos. Os números não deixam margem para dúvidas de que as pessoas com PEA têm um conjunto substancialmente maior de integrar o mercado de trabalho em condições iguais aos seus pares neurotipicos. Assim como se tornarem adultos autónomos e independentes a partir do seu próprio contributo advindo da sua força de trabalho. Apesar de hoje em dia assistirmos a um grupo cada vez maior de jovens a entrar no Ensino Superior e como tal estarem a progredir na sua especialização. Continua a verificar-se que um número superior a 60% dos adultos com PEA não estão empregados. E ma outra percentagem não está a trabalhar a tempo inteiro ou a receber um vencimento adequado às suas funções.
Ainda que as medidas de emprego protegido previstas na Lei, da criação de cotas para pessoas com deficiência entre outras medidas de apoio à neurodiversidade no mercado de trabalho. Continuamos a não verificar a dotação das pessoas com PEA de competências para eles próprios se tornarem auto-suficientes para ingressar no mercado de trabalho da forma como eles próprios desejarem. Ainda que se possa pensar que há uma percentagem importante de todas as pessoas com PEA que apresentem maiores dificuldades. Isto porque apresentam uma PEA associado a um deficit cognitivo. Ainda assim, é fundamental que as pessoas, independentemente da sua condição possam ser capacitadas com as ferramentas necessárias para o mercado de trabalho.
E dentro do grupo heterogéneo que é a PEA há uma parte igualmente significativa de pessoas que apresentam um maior nível de competências e funcionalidade para quem as medidas de emprego protegido e cotas para pessoas com deficiência não abrange. Mas elas não deixam de apresentar determinadas características que os coloca em risco para a integração no mercado de trabalho.
E se por norma já é difícil que uma pessoa com PEA entre no mercado de trabalho. No preciso momento pelo qual todos passamos ainda mais difícil se torna. Há um conjunto de postos de trabalho que se encontram a ser extintos, para além de haver um número aumentado de colaboradores que se encontram em lay off ou entraram no desemprego. Sabemos que em situações difíceis como esta pela qual passamos as pessoas com deficiência acabam por ser ainda mais prejudicadas. E por tudo isso é fundamental repetir e sublinhar a importância de capacitar as pessoas com PEA no acesso ao mercado de trabalho com todo um conjunto de ferramentas fundamentais para qualquer colaborador.
É que nos últimos anos verificamos um aumento do número de diagnósticos de pessoas adultos com PEA e só nos EUA sabemos que todos os anos há 50.000 pessoas com PEA que passam a barreira dos 18 anos para a maioridade. O emprego é um componente importante da vida adulta. O emprego bem sucedido aumenta o status social de um indivíduo, assim como a independência financeira, e tem um impacto positivo na saúde psicológica e melhora a qualidade geral da vida. Basta verificar o que acontece às pessoas que são desempregados de longa duração em relação a estes mesmos indicadores. Ou as queixas que as pessoas que são despedidas apresentam e até mesmo as preocupações de que isso possa vir a acontecer no futuro. Isto é assim para todos e para as pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo também.
Uma das questões que são frequentemente referidas como causadoras de maiores dificuldades na integração das pessoas com Perturbação do Espero do Autismo no mercado de trabalho são as suas características ao nível da interacção e comunicação social. Nos locais de trabalho é algo que se faz em devida frequência - interagir e comunicar. Sejam com os colegas devido a questões de trabalho ou socialmente, mas também com as chefias. E o mesmo com a comunicação, seja dos processos de trabalho, pedidos de esclarecimento/orientação, passagem de trabalho, mas também de conversa circunstancial. Outras situações referidas como sendo obstáculos são alguns comportamentos mais idiossincráticos ou socialmente inapropriados, deficit nos hábitos de higiene, questões relacionadas com a teoria da mente, interacções consideradas inapropriadas com pessoas do sexo oposto, etc. E isto já no local de trabalho. Porque se pensarmos no processo de recrutamento e selecção a lista de dificuldades apontadas é igualmente extensa. Desde a habitual dificuldade no estabelecimento do contacto ocular para regular a interacção social, até à interpretação literal das questões colocadas, etc. Após ler este parágrafo ficamos com a ideia de que as pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo parecem incapazes para entrar no mercado de trabalho, porque tudo aquilo que têm não parece ter validade ou mérito. E isso não é de todo verdade. Mas é preciso capacita-los para que tenham um Curriculum adequado para dar uma resposta às necessidades existentes no emprego.
Temos vindo a trabalhar com as empresas de recrutamento e selecção precisamente para os sensibilizar para a necessidade de adaptarem as suas ferramentas às pessoas com PEA. E isso parece estar a produzir um resultado positivo na possibilidade das pessoas com PEA passarem o obstáculo da entrevista e poderem demonstrar as suas competências no contexto real de trabalho. Mas ainda assim não é suficiente. Também temos procurado sensibilizar as Organizações para a importância da neurodiversidade no local de trabalho. Seja para a melhoria da qualidade de vida dos colaboradores com PEA mas também dos seus colegas neurotipicos, e ainda da melhoria da saúde financeira da Organização e da própria imagem que a mesma transparece para o exterior, nomeadamente enquanto exemplo de boa prática. Mas também não é suficiente. Repito, é fundamental poder capacitar a pessoa com PEA de todo um conjunto de competências para serem eles próprias a fornecer a resposta.
É neste sentido que alguns programas de capacitação de adultos com PEA tem procurado olhar para todos estes resultados ao longo dos anos e tem procurado associar os programas de treino de competências sociais a estes programas para a empregabilidade. Como tal estes programas de capacitação para as pessoas adultas com PEA integrarem o mercado de trabalho com mais possibilidades passa por desenvolver ferramentas ao nível da interacção social e comunicação adaptadas às situações reais de emprego. Nomeadamente, a prática e uma escuta activa e da comunicação verbal e não verbal. Mas também de como criar uma boa impressão, seja a primeira mas também as subsequentes. Seja ao nível da linguagem mas também da imagem. A gestão das emoções, das suas e dos colegas com quem trabalham em conjunto é fundamental. Hoje em dia há cada vez mais um maior número de processos que são desenvolvidos em equipa. Não só, mas também os aspectos relativamente às funções executivas e de resolução de problemas. E associado a tudo isto a gestão do stress. As competências de comunicação verbal, nomeadamente a conversação circunstancial, entre outros aspectos é vital.
Ainda que a ideia que possa transparecer daqui seja que as pessoas adultas com PEA têm que se tornar pessoas que verdadeiramente não o são e não desejam - serem iguais aos seus pares neurotipicos. Penso que é crucial poder juntos dos mesmos poder trabalhar estas competências fornecendo a ideia de que eles e elas não se têm de transformar em pessoas que não são ou não desejam ser. A ideia é poder adoptar nestas ideias o conceito de "camuflagem social", ou seja, de poderem desenvolver determinadas ferramentas psicossociais que possam ajudar neste processo. Ainda que a camuflagem social esteja associada a resultados negativos ao nível da saúde mental. Ou seja, as pessoas que mais frequentemente usam a camuflagem social são aqueles que maiores níveis de ansiedade e depressão apresentam. É fundamental que as pessoas adultas com PEA possam continuar com o seu processo de acompanhamento psicoterapêutico ao longo da vida. E não esquecer que há todo um trabalho que também continua a ser feito para a sensibilização das empresas de recrutamento e selecção e das Organizações em termos da sua cultura organizacional.
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