“How easy, it would be to show me how you feel
More than words is all you have to do to make it real
Then you wouldn't have to say that you love me
'Cause I'd already know”..."
Extreme (1990) More than words
Talvez você não seja desta altura e não se recorde desta música, mas eu ainda a trauteei umas quantas vezes. E se havia coisa que em 1990, no alto dos meus 15 anos existia era emoções. E muitas delas sem palavras.
Lembrei-me desta música por causa de uma outra questão que tenho trauteado mais frequentemente - a Alexitimia. Curiosamente, podia perfeitamente ser o nome de uma banda rock dos anos 90, mas não é.
Que não se pense que a Alexitimia é uma coisa de agora, destas modas de dar nomes a tudo. A Alexitimia já vem do século passado, dos anos 70. Mais precisamente, Sifneos deu o nome à Alexitimia em 1972. E na altura o termo era usado em referência às pessoas com questões psicossomáticas. Estas pessoas mostraram uma dificuldade marcada em identificar os seus sentimentos, em encontrar palavras adequadas para os descrever, e em distinguir os sentimentos das sensações corporais de activação (i.e., arousal). Além disso, as pessoas aparentavam ter poucas capacidades imaginativas, reflectidas numa escassez de fantasias, e um estilo de pensamento centrado em eventos externos, juntamente com uma notável evitação de um foco em experiências internas.
Como muito da saúde vem dos gregos, esta também não escapa. A raiz da palavra Alexitimia vem do grego “sem palavras para a emoção”. O que rapidamente nos poderia reenviar para a ideia de que isso explicaria alguma ou muitas das dificuldades sentidas no espectro do autismo. E que poderia ser essa Alexitimia a justificar a aparente ausência da capacidade das pessoas autistas para expressar as suas emoções ou compreender a dos outros. Mas isso seria partir do principio que as palavras são as únicas formas de expressar a emoção, certo?
Além disso, já se tem pensado que essa designação de não ter palavras para a emoção pode não fazer sentido. Isto porque, algumas pessoas com Alexitimia pareçam contradizer esta definição, uma vez que podem ser cronicamente disfóricos ou exibir explosões repentinas de choro ou raiva. Mas ainda assim, elas parecem saber muito pouco sobre os seus próprios sentimentos e, na maioria dos casos, parecem ser incapazes de os ligar a memórias, fantasias, ou situações específicas. No extremo, as pessoas alexítmicas parecem funcionar num mundo unidimensional a bidimensional, um mundo que é privado da plenitude dos sentimentos.
E se a psicanálise olhou quase sempre a causa da Alexitimia como uma resposta a uma situação traumática vivenciada na infância, favorecendo a ideia de uma causa meramente psicológica para a Alexitimia. O certo é que tem sido demonstrado a existência de um polimorfismo genético no transportador 5-HT. E que tem favorecido a Alexitimia como algo de origem desenvolvimental e que vai sendo construída ao longo da infância e ao longo do ciclo de vida como um traço de personalidade.
Voltando à música dos Extreme e de outros grupos de música, quantas vezes não teremos sentido emoções e que não tínhamos palavras para as expressar?
Uma coisa nos vai parecendo certo, a Alexitimia não parece ser apenas uma única coisa. Uma ausência de expressar e compreender as emoções. Contudo, esta definição da Alexitimia enquanto algo multifacetado, apesar de intuitivo, parece ainda não reunir o consenso necessário. E quando se pensa na maior probabilidade de encontrarmos pessoas alexitimicas no espectro do autismo, este facto parece encerrar a ideia de procurar outra explicação. E como tal, assume-se que as pessoas autistas têm uma maior dificuldade ou até mesmo ausência de expressão e compreensão das emoções devido a este traço. Seja dentro ou fora do autismo, a Alexitimia, ainda é um constructo que necessita de um conhecimento mais aprofundado. E para que não ganhe o use que a depressão ganhou ao longo dos anos, e passar-se a dizer que a pessoa é alexitimica quando pode não estar a conseguir expressar a sua emoção, é preciso colocar algum travão no processo. O domínio da emoção e dos afectos não é algo linear. Os próprios trabalhos e reflexões de pessoas como o António Damásio e outros têm demonstrado a sua grande complexidade. Ainda que culturalmente vá havendo uma apropriação por cada um de nós do que é o sentir e o expressar emoções.
Tal como na música e nas artes de uma maneira geral, há muitos gostos e formas diferentes de expressão. E que devem ser contemplados mas também respeitados. A emoção, a sua expressão ou compreensão, não é algo meramente de natureza verbal, explicita. O sentir tem uma expressão também ela (neuro)fisiológica e que necessita de ser tida em conta. Dizer que a pessoa não sente, compreende ou expressa uma emoção é rudimentar. E ainda mais o é quando referido por um profissional de saúde.
Mas mais do que haver ou não a necessária evidência cientifica, parece-nos fundamental que a expressão das emoções possa assumir diferentes configurações. E se houver algumas mais extremas em que possa ser possível considerar uma maior dificuldade na sua expressão. Ainda assim, parece fundamental entender que deverá haver uma ressonância desse mesmo sentir, e que poderá ser importante ajudar a pessoa a construi-lo, ao mesmo tempo que ajudamos a pessoa a ganhar consciência dessa palete. Ainda que seja a pessoa que vá escolher quais as cores que deseja para pintar o seu quadro.
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