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Humildade terapêutica

E se ao leres para um elefante de repente ele se levantasse...o que fazias? perguntava-me. Talvez lhe perguntasse se ele queria continuar em outro dia! respondi-lhe.


Inventei este breve diálogo para me ajudar a pensar no papel da humildade no processo psicoterapêutico com pessoas autistas. Não é algo exclusivo à terapia com pessoas autistas, até porque o tenho sentido ao longo destes vinte e cinco anos de trabalho enquanto psicólogo clinico. Não assumir que tenho todas as respostas. Até porque nem tenho todas as perguntas! Além disso, sentir que se está sempre em crescimento e em aprendizagem, nomeadamente na relação terapêutica com a pessoa que acompanhamos. E desta forma conseguirmos criar um espaço seguro e de validação para a pessoa se sentir ouvida e ser. Além do mais esta humildade permite-me ir adaptando e acomodando o meu estar com a outra pessoa de uma forma que vá ao encontro dela e das suas necessidades. Mas também previne a tomada de uma posição de poder na relação terapêutica e em julgar que se é o conhecedor da pessoa, quando na verdade é o contrário. O próprio é o especialista da e na sua própria experiência. E assim, poder enquanto psicólogo colaborar com a pessoa na descoberta e compreensão do seu ser, das suas necessidades e dificuldades. Podendo ser igualmente empático e compassivo face ao Outro e não adoptar uma posição de julgamento e de posições acerca das experiências do Outro.


Este aspecto da humildade e da sua importância no processo terapêutico não é apenas apanágio de uma virtude humana, mas também é fundamental para o desenvolvimento e consolidação da relação terapêutica. Ao longo dos anos tem sido dada maior atenção à influência da relação/aliança terapêutica e das caraterísticas do terapeuta no processo e nos resultados da terapia. Sendo a aliança terapêutica definida como a qualidade da relação entre cliente e terapeuta e é um preditor consistente dos resultados da psicoterapia.


Estabelecer e manter uma aliança colaborativa na intervenção muitas vezes requer que o clínico negoceie reacções e preocupações pessoais que diferem das do cliente. Há também momentos em que os terapeutas devem regular suas reações emocionais e perspectivas egoístas para melhor servir os clientes e outras pessoas com quem trabalham, mantendo simultaneamente a confiança saudável que é necessária para uma prática clínica eficaz.


Esta vontade de reconhecer os limites da sua competência e de a encaminhar quando necessário, para adaptar as intervenções às necessidades do cliente, para questionar criticamente a sua abordagem clínica, de se envolver com competência em dinâmicas culturais e outras dinâmicas de diversidade, de colaborar com outros profissionais de várias disciplinas e de procurar. A formação contínua pode ser entendida como uma expressão de humildade do clínico.


Voltando às pessoas autistas na terapia, elas podem-nos trazer vários desafios, seja a nós enquanto clinicos, mas também e por conseguinte ao processo e relação terapêutica. Sejam algumas das suas características comportamentais nucleares, tais como as da interacção e comunicação social. Se as pessoas autistas podem ter e sentir vários desafios nas suas relações sociais quotidianas, principalmente com pessoas não autistas. O mesmo se pode verificar na relação com o psicólogo na terapia. Seja no processo de interacção e comunicação social, mas também naquilo que será esperado da sua parte naquele contexto clinico e terapêutico. E se por um lado o psicólogo pode entender que a pessoa autista não está a ser ou a demonstrar empatia, a verdade é que a pessoa autista a sente e demonstra ainda que de uma forma diferente. Até porque algumas vezes ou não a consegue conceptualizar, e muito menos à luz daquilo que são as lentes neurotipicas de olhar os construtos com a empatia. Ou então pensa e sente-a de uma forma diferente e adaptada àquilo que é e tem sido a sua experiência de vida. E se por um lado podemos pensar que ter o cliente na terapia em silêncio é ou pode ser sentido como um desafio por muitos psicólogos. Também parece verdade que esse mesmo desafio seja sentido quando o psicólogo sente que o seu cliente com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo não está a ligar-se do ponto de vista relacional e empático na relação terapeutica consigo enquanto seu psicólogo. E o que dizer quando a pessoa autista se mantém em silêncio ou usa expressões verbais mais circunscritas para falar acerca da sua experiência de vida e adicionalmente demonstra essa aparente dificuldade em se ligar no processo e relação terapêutica.


Certamente podemos estar a falar da necessidade de adaptações e acomodações diversas no processo e no setting terapêutico. Sejam as adaprações e acomodações que têm por base as características sensoriais da pessoa autista. Mas também alguns aspectos do processo terapêutico, que quando assente na implementação de uma intervenção manualizada, seja ela CBT, DBT ou outra. Em que o número de sessões podem necessitar de ser aumentados, ou as sessões diminuídas no tempo da sua duração, ou algumas das técnicas e métodos poderem ser alterados e substituídos por outros que possam ir ao encontro do perfil de funcionamento e do processamento de informação da pessoa autista na terapia.


Mas principalmente estou a pensar na relação terapêutica que estabelecemos com os clientes e neste caso com as pessoas autistas na terapia, partindo do principio em que o terapeuta não é autista. Até porque uma coisa é poder ser compreensivo e compassivo com a pessoa autista, para além de poder ser conhecer daquilo que é o autismo. Outra coisa é não sendo autista e poder desenvolver uma relação terapêutica e autêntica e genuina com a pessoa autista. Certamente que não temos de ser psicólogos ou terapeutas autistas para somente assim poder trabalhar com clientes autistas (afirmo isto, até porque já o ouvi algumas vezes). Mas garantidamente necessitamos de olhar para dentro de nós enquanto psicólogos e sentirmos essa humildade para estarmos em conjunto na caminhada terapêutica com a pessoa autista. Até porque várias vezes se ouve falar sobre a necessidade de compreensão para estabelecer ou se envolver na relação. E se há coisa que acontece na terapia com pessoas autistas são desafios que nos são trazidos a nós psicólogos que estamos habituados a usar umas lentes não autistas de olhar para os acontecimentos, sentimentos e pensamentos. Não temos necessariamente de compreender, ainda que o seja importante. Precisamos de escutar a forma como o outro fala sobre o seu sentir, pensar e agir. Como o descreve e impacta, como o representa e lhe dá significado. Ainda que esta descrição, representação e significação seja adaptada à sua forma de ser uma pessoa autista.


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