Hello Africa! Tell me how you're doin'!?. Alguns de nós talvez ainda se lembre de dançar em 1990 ao som desta música do Dr. Alban. Da mesma forma que muitos outros se devem lembrar do concerto Live Aid, organizado para ajudar a diminuir os efeitos da fome na Etiopia. E de trautear "We are the world, We are the children...". Africa foi sendo este continente onde os flagelos disputam lugar com a beleza e riquezas únicas desta terra. E onde a dimensão dos fenómenos atinge proporções nunca imaginadas por muitos de nós e impensável der ser possivel viver naquelas determinadas condições. Sejam as guerras ou a fome, ou as duas combinadas. Mas também a iliteracia, e os valores de justiça sistematicamente ameaçados. Ou as doenças, algumas deles, decorrentes das condições de vida das pessoas. No caso do autismo, sabemos que apesar desta condição afectar as pessoas em todo o mundo, não duvidamos de que é um problema ainda maior nos países em desenvolvimento.
Em vários países em Africa, a mortalidade infantil diminuiu significativamente como resultado dos enormes esforços de saúde pública nas últimas três décadas. No entanto, à medida que as taxas de sobrevivência aumentaram, também aumentaram as taxas de perturbação do desenvolvimento. A África Subsaariana, em particular, teve um aumento de mais de 70% no número de crianças com perturbações do desenvolvimento, incluindo autismo, de 1990 a 2016.
Três em cada cinco crianças na África Subsaariana correm o risco de perturbações do desenvolvimento devido, ou pelo menos em parte, à pobreza, desnutrição e privação social. No entanto, os serviços são extremamente limitados. Os sectores que prestam cuidados não são integrados e as políticas de apoio às crianças afectadas são escassas.
Muitas crianças com autismo em toda a África ficam fora de vista por vários motivos. Seja pelo próprio desconhecimento que muitos pais têm desta condição e de poderem fazer uma leitura da condição ancorado em crenças com uma base cultural. Por exemplo dizerem que o autismo é uma condição derivada dos espíritos. Na verdade, isso não parece ser muito diferente daquilo que muitas pessoas do Ocidente dizem em relação à causa do autismo serem as vacinas. Mas também existem outras razões com que estes países se debatem, nomeadamente, poucos médicos têm as habilidades ou experiência para identificar a condição. Em toda a Etiópia, com os seus cerca de 100 milhões de habitantes, existem cerca de 60 psiquiatras, e apenas um é especializado em psiquiatria infantil. Apenas duas clínicas públicas oferecem serviços de saúde mental infantil e ambas estão localizadas em Adis Abeba, onde vive uma pequena fração da população (apenas 15% dos etíopes vivem em cidades). Em 2015, havia cerca de 50 pedopsiquiatras para os cerca de 1 bilião de habitantes da África Subsaariana.
Os poucos centros para o neurodesenvolvimento que vão existindo trabalham com aquilo que muitos pais, principalmente de pais com crianças, adolescentes e adultos com autismo, foram sendo capazes de desenvolver ao longo destes últimos 20 anos. E ainda que muito do trabalho e das metodologias implementadas não sejam cientificamente validadas. No momento não há espaço para se esperar por esse trabalho de validação. Até porque o desenvolvimento destas crianças, e posteriormente jovens e adultos, não é complacente com este compasso de espera. Muitas, se não todas as intervenções que são validadas para intervir no autismo, os seus estudos científicos foram realizados em países desenvolvidos e com uma população que apresenta um conjunto de características bastantes diferentes daquela encontrada em muitos países em África. Como tal, pensar que poderíamos aplicar cegamente estas metodologias validadas em autistas em África pensando que não haveria qualquer problema, estamos enganados. E não é por acaso que a própria comunidade cientifica se vai começando a movimentar para incluir nos seus estudos participantes de minorias étnicas, precisamente para que os resultados possam reflectir essas mesmas realidades. E ainda assim, estes resultados estão longe daquilo que se observa na realidade de África.
Será importante que mais de nós, profissionais de saúde na Europa e em outros continentes possamos estabelecer pontes de ligação com as Associações de pais e profissionais de saúde em Africa que trabalham com o autismo [Ekanda Autista em Angola, Associação Angolana de Apoio às Pessoas Autistas e Deficientes Intelectuais, Associação Angolana de Apoio a Pessoas Autistas e Portadoras de Transtorno Global do Desenvolvimento (APEGADA), Associação Moçambicana do Autismo, Autism South Africa, Association for Autism, ThePan-African Congress on Autism]. E em conjunto possamos estruturar uma resposta concertada para a sensibilização da comunidade, mas também na formação dos profissionais na identificação, avaliação e intervenção.
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