"Juran que esa paloma
No es otra cosa más que su alma
Que todavía la espera
A que regrese la desdichada..."
Caetano Veloso, in Cucurrucucú Paloma
De Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos! dizem. Mas o certo é que os filmes de Almodóvar nunca desiludem. E porque me haveria de lembrar dele para vir fazer um texto sobre o autismo? perguntam-se alguns. E porque haveria de Almodóvar procurar falar sobre a amizade, a solidão, a doença e a comunicação entre as pessoas colocando uma bailarina e uma toureira em coma no hospital, enquanto um enfermeiro e o namorado da toureira se vão conhecendo ao longo do filme? Talvez esteja na altura de rever Hable con ella. E se nunca o viu, não perca a oportunidade. Além disso, poder ver Pina Bausch e Caetano Veloso reunidos no mesmo filme é uma oportunidade épica.
Curiosamente também me lembrei do filme porque muito frequentemente se sai dos filmes do Almodóvar com a sensação de não se ter percebido bem a história. E quais os papéis que as mulheres nos seus filmes representam. Certamente, que será material suficiente para uma análise mais profunda, digna de Almodóvar. Mas eu fui pensar que essa mesma incompreensão me faz recordar daquilo que acontece com a qualidade de vida percebida nas mulheres autistas. Isso mesmo, não é engano nenhum na mesma frase estar qualidade de vida e mulheres autistas. Mas então e porquê falar de qualidade de vida percebida? Rapidamente, porque a percepção que as pessoas têm acerca da sua qualidade de vida parece condicionar todo um conjunto de respostas das mesmas face à sua saúde. Ou seja, as pessoas com pior percepção acerca da sua qualidade de vida parece apresentar maior número de problemas de saúde física e mental.
E posto isto, não parece ser muito difícil de pensar que se há grupo que tem uma maior probabilidade de percepcionar a sua qualidade de vida como negativa são as pessoas autistas. E porventura, seja possível de pensar que as mulheres possam ter uma percepção mais negativa, em parte pelo conjunto de expectativas que possam ter e em parte pelo facto de terem uma maior propensão para a interacção social.
No autismo, o fenótipo feminino é caracterizado por uma maior internalização e camuflagem de comportamentos sociais do que nos homens, que geralmente mostram menos consciência das suas próprias características. Isto muitas vezes leva a um atraso no diagnóstico de PEA para as mulheres e aumenta a vulnerabilidade das mulheres autistas a comorbilidades psicopatológicas ou problemas de saúde em simultâneo, tais como perturbações de humor, comportamentos de auto-lesão ou comportamento suicida, e problemas relacionados com auto-cuidado e alimentação. Além da internalização, o desejo de agradar, o desenvolvimento social de mecanismos de compensação através da cópia, imitação e auto-formação. Além do acesso tardio ou de falta de acesso a serviços de saúde mental têm um impacto directo na saúde mental e bem-estar das mulheres.
Além disso, será importante equacionar que as dificuldades que algumas pessoas autistas têm com o serem flexíveis pode ter a ver com o facto de os próprios não reajustarem a sua percepção ou comportamento da mesma forma ao ponto de manter uma percepção positiva do seu bem-estar.
Tal como Benigno, o enfermeiro no filme, que se mantem a falar com a bailarina Alicia, apesar desta estar em coma. Ao ponto do jornalista Marco chegar a pensar que este seria demente. Talvez possa ser importante continuar a Hablar con ella (Fala com ela), com a mulher autista e principalmente em relação à sua qualidade de vida percebida. Procurando com isso entender os esforços que esta vai ou fazendo para poder responder de uma forma afectiva e adequada aos desafios e solicitações na sua vida.
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