top of page
Foto do escritorpedrorodrigues

Guerra dos Mundos

"I don't drink coffee, I take tea, my dear

I like my toast done on one side

And you can hear it in my accent when I talk

I'm an Englishman in New York."


Sting, in I'm an Englishman in New York



Estamos a chegar ao final de um outro ano - 2022. E mais uma vez procuramos, individualmente ou em grupo, ter todo um conjunto de propostas de melhoria e de mudanças para o próximo ano. É um desejo sentido por todos nós, desejar melhorar a nossa qualidade de vida. Ainda que uns e outros tenham uma perspectiva algo diferente do que será a qualidade de vida e até mesmo a própria vida em si. E logo aqui parece que começamos a perceber que não vai haver grande consenso em relação ao assunto. Mas há algum problema se não houver? Provavelmente não! Mas precisamos de (continuar) a aprender, compreender e respeitar a visão da outra pessoa e sermos mais tolerantes e aceitantes da diferença.


Parece um desejo algo pueril. Mas é fundamental para que uns e outros possam continuar a viver de forma conjunta e a cooperar. No final deste ano de 2022 talvez seja este o meu desejo para 2023. Poder contribuir para a construção de uma Sociedade mais capaz de viver com a diferença. Assim como, colaborar para que as pessoas autistas sejam elas próprias autores do seu próprio projecto de vida. E sei que este meu desejo é o de muitas pessoas autistas. E que desde há muito que ele continua a ser formulado, independentemente da evolução que tem havido e vai continuar a haver nesta área.


Mas do que nos vale uma vida com melhores diagnósticos e cada vez mais precoces ou melhores e mais diversas terapias, se depois não vivemos uma vida com dignidade!, diz Raúl (nome fictício), pessoa autista com 45 anos.


Teremos de continuar a lutar pelos nossos direitos! Principalmente quando ainda temos de mascarar muitos dos nossos comportamentos para sermos aceites! diz Rute (nome fictício), pessoa autista com 38 anos.


É como se o Mundo fosse destes ou daqueles! afirma Carlos (nome fictício), pessoa autista com 27 anos. Como é que se pode ser autista num mundo não autista? pergunta Júlia (nome fictício), pessoa autista com 58 anos. Conseguem detectar alguma coisa de errado nesta frase? Aquilo que eu considero estar profundamente errado na frase não diz respeito apenas ao autismo. É frequente ao longo da história da própria humanidade ouvirmos perguntas semelhantes ainda que com grupos diferentes. Por exemplo, Como é que se pode ser mulher num mundo de homens? E normalmente nestes dois grupos percebemos existir um grupo maioritário e outro minoritário. E isso por si só parece ser razão suficiente para se construir esta noção de que o Mundo pertence ou deve ser governado pelo grupo maioritário! Ainda que com isso se crie uma Guerra dos Mundos como diz o titulo.


Os grupos são elementos essenciais da sociedade, e os seres humanos, por natureza, manifestam geralmente preconceitos intergrupais (i.e., comportam-se mais positivamente para com um membro de um grupo do que para com um membro de um grupo externo). Uma marca distintiva do comportamento humano é a tendência para criar grupos sociais. E como tal verificamos que comunicamos mais profundamente com pessoas que partilham interesses, identidades e crenças semelhantes. Esta tendência leva a criar o preconceito intergrupal, que pode facilitar ainda mais as pessoas a agirem mais positivamente em relação a um membro do grupo do que em relação a um membro de fora do grupo. Por exemplo, tendemos a cooperar mais com membros do nosso grupo e menos com membros de fora do grupo. Além disso, tendemos a punir mais fortemente os membros de fora do grupo quando cometem violações das normas do que os membros de dentro do grupo.


Certamente que o facto de haver durante todos estes anos a prevalência de um paradigma médico para o autismo. Não que o paradigma em si seja negativo. Mas o facto deste paradigma ter sido exclusivo durante estes anos causou um impacto marcante na forma de se olhar para o autismo e para as pessoas autistas. A dicotomia saudável - doente por exemplo, em que a pessoa com o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo recai dentro do grupo das pessoas doentes ou com uma doença reforça a ideia de ausência ou deficit de competências. E coloca estas pessoas num lugar à parte de todos os outros sem diagnóstico, saudáveis e competentes. Ou seja, este modelo pressupõem a existência de capacidades humanas strandard ou normais e define a deficiência ou pessoa com deficiência em termos de desvio da capacidade normal. Sendo as capacidades normativas consideradas ideais, enquanto as capacidades desviantes são vistas como inferiores.


Obviamente que não é apenas isso que o paradigma médico para o autismo possibilita. Há que perceber todas as mais valias que este modelo teve e tem para a compreensão do autismo na sua globalidade. Contudo, alguma da informação dentro deste paradigma e a forma como algumas pessoas a compreendem e usam, enviesa e potencia os aspectos negativos da mesma.


E no caso do autismo, e mais especificamente nas pessoas adultas, o conhecimento que se tem na Sociedade é bastante reduzido. E como tal, esta noção de grupo minoritário parece ser mais acentuado. Ou seja, é como se nem fizesse sentido considerar as pessoas autistas adultas. Até porque para uma parte significativa da Sociedade constituída por pessoas não autistas, essa condição nem parece existir.


O que é que podemos então fazer? Cada um de nós, pessoa autista e não autista necessita de reflectir e ser ajudado a pensar sobre este aspecto. Fala-se muito da pegada ecológica! Mas e qual é a nossa pegada social, ou o que quer que lhe queiram chamar! Será importante que as pessoas não autistas se possam informar mais e melhor do que é o autismo. Mas será igualmente fundamental que as pessoas autistas possam ser e estar capacitadas para que elas próprias possam determinar o que desejam e sentem necessidade para a sua própria vida.


21 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

It's a date

Comments


bottom of page