Para a semana vou fazer quarenta e sete anos. Esta semana dei comigo a sentar-me para apertar os atacadores dos ténis. Esta situação por si só não quer dizer nada. Mas o certo é que estou a envelhecer. E ainda bem. Fico muito feliz por isso. Mas não deixo de estar de envelhecer ainda assim. E a necessitar de um conjunto de coisas que antes nem sequer equacionava. Recordo-me quando tinha oito anos, estávamos em 1983, e de pensar que quando tivesse quarenta anos já estaria a viver em 2015. A data parecia ser impensável de imaginar para quem estava nos anos 80 do século XX. E claro que os meus pensamentos me levaram a pensar em carros a voar e todo um vasto conjunto de outras modernices. Os carros não estão a voar. Mas o certo é que eu estou mais velho. Mas não sou o único.
Parece que descobriram evidência de um novo dinossauro, o Grandpasaurus. Também conhecido como o avô dos dinossauros. Brincadeira à parte, ainda que seja preciso alguma dose de humor para lidar com certos assuntos. Aquilo que vos quero falar é das pessoas autistas idosas. E por isso me lembrei desta analogia ao Grandpasaurus. É porque parece que só agora é que descobriram que pode haver pessoas autistas idosas. Sendo que o autismo é conhecido e diagnosticado há cerca de noventa anos.
Apenas a titulo de exemplo, no Reino Unido em 2019, cerca de 38% da população tinha mais de 50 anos. E se atendermos a que os estudos de epidemiologia do autismo apontam para cerca de 1% da população tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Isso significa que teremos uns quantos milhares de cidadãos autistas com mais de 50 anos de idade. Sendo que uma percentagem considerável destes não terá sequer o diagnóstico e como tal pertence à designação lost generation.
Mas afinal de contas o que é que pensavam que acontecia às crianças autistas? Desapareciam? Curavam-se? Eram comidas pelos Comunistas? Permitam-me o verrinar, mas parece-me completamente absurdo pensar-se que uma perturbação do neurodesenvolvimento e que há muito se sabe ser crónica, não se perceber a importância do desenvolvimento clínico das pessoas autistas ao longo do ciclo de vida. E mais ainda em idades acima dos 50 anos de idade. Até porque, seja para as pessoas autistas ou não autistas, o certo é que a partir de uma determinada idade se começa a verificar um declínio cognitivo ligeiro. Além de todo um conjunto de outras questões de saúde e que levam a um agravamento da saúde e da qualidade de vida da pessoa. Agora pensem que estamos a falar de uma pessoa autista, e que acaba por norma por ter um conjunto de outras perturbações psiquiátricas associadas. Além de ter uma percentagem importante ter necessidade de um maior nível de apoio. Para além da probabilidade maior de ocorrência de todo um conjunto de situações de saúde.
Este facto por si só devia desencadear todo um conjunto de respostas sociais e de saúde para que as pessoas autistas sénior pudessem ter um acompanhamento diferenciado. Mas não é apenas estes que necessitam de repensar nesta questão. A comunidade cientifica e por conseguinte a comunidade médica e psicológica precisa de se questionar para onde vão as crianças e adolescentes autistas que participam nos estudos científicos ou que são acompanhados nas consultas médicas e de psicologia.
E se formos a verificar, uma análise da produção cientifica em que o autismo tenha sido estudado na população sénior é medíocre. E apesar de verificarmos um aumento da mesma desde 2010, esta ainda é bastante escassa. Ou seja, a informação que os inúmeros estudos científicos produzidos com crianças e jovens autistas nos vão orientando em termos do conhecimento da própria condição, sua respectiva evolução, quais as intervenções que melhor resultado produz, etc. Com esta população autista sénior não existe. Sendo que os estudos que de forma escassa vão sendo realizados debruçam-se sobre os aspectos da saúde em geral e das questões cognitivas. Não que não sejam aspectos importantes, porque o são. No entanto, demonstram o interesse que a comunidade cientifica vai tendo em relação a este grupo populacional. Em relação aos aspectos cognitivos é sabido do perfil cogntinivo heterogeneo que se observa na população autista, nomeadamente dos estudos realizados em crianças e jovens, mas também em jovens adultos. Como tal, é expectável que possa ser observado um declínio cognitivo ao longo da vida adulta e na entrada na idade sénior, tal como observado na população não autista. Além do mais, podemos pressupor que o facto de haver um quadro clínico com diferentes perturbações psiquiátricas associadas ao espectro do autismo, é de pressupor um agravamento mais acelerado deste mesmo perfil. Claro que importa saber como é que ele se processa. Mas como é que isso se vai traduzir numa mudança efectiva na vida das pessoas e de preferência no imediato, ou nos tempos mais próximos.
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