Quantos amigos é que uma pessoa necessita? Uma pergunta que provavelmente não se colocava há alguns anos atrás. Mas que eventualmente o florescimento das redes sociais trouxe consigo. Quantos amigos é que tens no Facebook, Instagram, etc.? Enquanto uns ostentam centenas ou até mesmo milhares. Há quem responda sem alteração da expressão facial - Não vejo sentido algum em ter um perfil numa qualquer rede social. Virtual ou real as relações de amizade são uma questão com importância diferente para muitos de nós.
Há amigos que já não vejo há algum tempo mas sempre que vejo uma oportunidade não deixo de os contactar, presencialmente, via telefónica ou por mensagem. Sinto saudades deles e dos momentos que partilhamos juntos. Alguns tenho ou procuro ter um contacto mais frequente. A relação foi sendo construída de forma a possibilitar isso mesmo. Quando era criança lembro-me de prezar as amizades principalmente pela quantidade de brincadeiras que isso proporcionava. Muitos, se não mesmo todos eram amigos. Parecia não haver diferença. Isso começou a acontecer um pouco mais tarde com a entrada no 2º ciclo. Os grupinhos, fossem de rapazes, raparigas ou mistos. As conversas, os namoros ou o desejo de os ter. As desavenças e o fazer as pazes. Tudo passou a ficar mais complexo mas a certeza da importância da amizade também cresceu. E assim foi continuando até então. Passando por fases extremamente traumáticas como perder amizades por falecimento ou por uma zanga incapaz de ser sarada na relação. Mas ao longo destes anos também fui percebendo e sentindo que esta ideia não é igual para todos. E que há pessoas para quem as amizades parecem ser mais difíceis e por várias ordens de razão.
Por exemplo, se há algo comum entre os Autistas que acompanho é o número reduzido de amizades e contactos sociais. O que não significa necessariamente que não desejem ter amigos. Ao contrário do que muitos pensam e que procuram justificar de acordo com as características referidas nos manuais de diagnóstico. No entanto, é verdade que muitos deles apresentam marcadas dificuldades em fazer e ou manter relações de amizade. Ainda que alguns as desejem, enquanto outros estão a meio caminho entre o gostar de ter mas não de forma tão intensa quanto pensam que as pessoas desejam que seja. E claro, há alguns outros que referem não sentir qualquer necessidade em determinado momento em ter algum tipo de relação de amizade. Ainda são muitos os jovens autistas que dentro do período da adolescência que os seus contactos estão em muito restringidos ao contexto e actividades ocorridas a nível escolar. E ocorre algo semelhante naqueles adultos que estão a trabalhar. Muitos referem que não percebem porque têm de ter relação fora da escola ou do trabalho. Se já estão com aquelas pessoas durante aquelas horas e falam com elas sobre determinados assuntos. Mas sublinho que não é por isso que muitos deles não desejam fazer e ou manter relações de amizades. Ainda que as diferenças sociais de o fazerem possam ser diferentes.
Muitos descrevem os seus desejos de ter amigos, seus esforços para fazer amigos e os desafios e frustrações que eles encontram, no passado ou no presente. Nomeadamente, na ideia de terem de desenvolver competências sociais normativas para conseguirem navega no mundo social. Ainda que algumas vezes sintam que não fazem grande ou nenhum sentido. Mas como já testaram de forma diferente e sentiram insucesso aprenderam que teria de ser de uma outra maneira. No entanto, também sentem que foram algumas destas relações com pessoas neurotípicas que os ajudaram a ligar-se aos outros e, quando necessário, atenuaram reações negativas de outros. E sentiram que o facto de terem sido aceites pelo seu comportamento social mais atípico, os fez sentir aliviados da pressão de terem de estar sempre a aderir às normas sociais convencionais. Outros têm procurado organizar grupos sociais com outros autistas para terem um sentimento de pertença e identidade. Outros por sua vez sentem que lhes faz mais sentido fazer amigos em torno de interesses partilhados onde a sua condição e algumas das suas características deixam de ser uma preocupação e passam a ser uma mais valia.
A maioria dos autistas ou não, procura amigos que as aceitam e com quem partilhe interesses. Para jovens adultos no espectro, no entanto, esses relacionamentos podem ser mais difíceis de desenvolver porque suas diferenças sociais geralmente os diferenciam. Muitos descrevem não entender as regras sociais em vários contextos, como em conversas diárias, ou não querer aderir às normas sociais porque exigem muito esforço e os faz sentir desconfortável. Como resultado, eles acham difícil relacionar-se com outras pessoas, especialmente aquelas que não estão no espectro. Referem anos de esforços persistentes para fazer amigos, tendo uma abordagem de tentativa e erro de se envolver com os outros e desenvolvimento de conexões e contratempos, bem como sucessos.
Amigos que aceitaram seus comportamentos sociais atípicos também pareciam apreciar essas características. Interesses específicos compartilhados, como arte ou videojogos podem tornar-se num caminho para a amizade.
Um outro aspecto referido por autistas adultos e que já fizeram terapia tem a ver com as falhas que sentem em relação ao treino de competências sociais. Sentem que este em alguma medida parece ser insuficiente atendendo a que as ferramentas que lhes são solicitadas no quotidiano parecem não ser suficientemente desenvolvidas nestas intervenções. Para além de que muitas destas intervenções se centram em contexto de clínica e falham em termos de validade ecológica.
Diferença ao invés de deficit ou inabilidade social. A forma de se compreender faz diferença na maneira como estamos com as pessoas, nomeadamente os autistas. Se sentimos que todos os nossos amigos são únicos na sua própria forma de ser e que isso os torna únicos e especiais. Porque não pensar que isso é possível no autismo? E porque não pensar que é possível sentir isso por um Autista? Se há coisa que a amizade me tem ensinado é a ser mais tolerante e mais aceitante em relação ao que o outro me dá.
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