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Foto do escritorpedrorodrigues

Fotos com voz

Quantas vezes não tiveram a impressão de olhar para uma foto e sentirem que ela está a falar-vos? Por exemplos, aquelas fotos de criança que vamos encontrar ao fim de tantos anos quando estamos a mudar de casa mais uma vez. E temos a ideia de ouvir as gargalhadas dos nossos amigos da antiga rua onde todos brincávamos. Não será por acaso que muitos repetem a frase - Uma imagem vale mais do que mil palavras!


Nos dias actuais, as tecnologias de produção de imagem digital são parte integrante da vida quotidiana de muitas pessoas. A criação e partilha de imagens fotográficas é uma rotina e actividade diária em que mais pessoas estão mais envolvidas do que nunca. Os próprios smartphones e camaras digitais, estão digitalmente conectadas com as plataformas de redes sociais e que as difundem a nível global.


E quantos de nós não ficaram a olhar para determinada fotografia de alguém no seu feed de uma qualquer rede social e a pensar no que é que aquela imagem poderá quer significar? Até porque a proposta nas redes sociais é a de uma partilha cada vez menor de texto e mais de imagem. E como tal, muitas destas imagens aparecem sem legendas. No entanto, se conhecermos a pessoa que partilhou a tal fotografia sentimos que conseguimos ter um determinado alcance na compreensão da mesma. Seja porque a imagem se enquadra num determinado gosto especifico daquela pessoa, ou vai ao encontro das características pessoas da pessoa que a partilhou.


E se pensarmos, muitos de nós terá um ou mais álbuns de fotografias lá por casa ou em casa dos pais. Daqueles que os pais gostam de percorrer com a família depois do almoço de domingo. E hoje, apesar de cada vez mais estes álbuns serem digitais, o hábito da partilha destas fotografias e da forma como elas contam a história ou parte da história daquela pessoa e daquela família ainda se mantem.


E não deixa de ser curioso que outros recursos que recorrem à imagem têm sido e continuam a ser usados para ajudar as pessoas a contar a sua história. Por exemplo, quando iniciei a minha prática profissional na Pedopsiquiatria, o desenho era uma ferramenta sobejamente usada para auxiliar as crianças a simbolizarem o seu mundo interno e a contarem a sua história. À falta de um processo maturativo da linguagem e da cognição ainda em desenvolvimento, as crianças sentiam necessidade de poder expor para fora de si aquilo que estavam a sentir e por aquilo que passavam.


No caso das fotografias podemos pensar que se passa algo semelhante. Seja num fotografo profissional ou um simples curioso como eu. Se alguém perguntar para contar a história daquela fotografia haverá certamente algo a dizer.


E se pensarmos, não são apenas as crianças, que pelas razões anteriormente mencionadas, necessitam do desenho ou das imagens para falar sobre si, os Outros e o Mundo. Pensem nos adolescentes e nas próprias dificuldades derivadas das grandes ambivalências, dúvidas e angustias sentidas naquele período de vida. E também nos adultos que em determinado momento usam certos mecanismos de defesa e evitam abordar determinados assuntos.


E nas pessoas autistas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, também se sente que há todo um conjunto de características, sejam aquelas próprias do seu diagnóstico clínico, mas também outras que se prendem com a sua própria pessoa. Mas que trazem maiores dificuldades no processo de simbolização do que estão a sentir. Ou então, não são as suas dificuldades, mas sim as dificuldades dos outros não autistas que não conseguem perceber aquele significado. E como tal, a utilização das fotografias pode ser uma forma de poder chegar a esse mesmo significado.


Por exemplo, o Miguel (nome fictício) mostrou uma fotografia que ela estava a pensar em algo importante. Eu tirei aquela foto na momento para os meus amigos e outros poderem ver o que significa para mim o bem estar, diz.


Eu quero mostrar às pessoas como sou criativa, diz Rute (nome fictício). Eu sou melhor a escrever coisas no papel do que a falar para eles. E neste momento estou a escrever um poema para colocar como legenda para dizer o que eu acho que está representado nesta foto, diz Adelaide (nome fictício).


O conceito de Photovoice foi desenvolvido por Caroline Wang e Mary Ann Burris em 1997. Trata-se de uma técnica fotográfica específica em que os participantes capturam as suas realidades quotidianas sob a forma de fotografias. O termo Photovoice encerra em si mesmo a ideia central deste método – dar voz à experiência individual ou colectiva através das fotos. É um método que utiliza um meio excecionalmente poderoso de comunicação – a imagem visual. Na investigação qualitativa é uma ferramenta que capacita e empodera os seus utilizadores/participantes, na medida em que são eles que escolhem o que fotografar e quando. Aos investigadores permite aceder à perspectiva dos participantes sobre o fenómeno em estudo, mesmo à de grupos mais vulneráveis da população, por ser acessível a todos aqueles que sejam capazes de tirar uma fotografia independentemente de saberem ler ou escrever.


É algo que eu adoro. E fazem aquele som que que gosto tanto de ouvir, diz Carlos (nome fictício). Se eu quiser pensar naquilo que me faz sentir bem são as ferrovias. E por isso é que esta colecção de fotos fala sobre isso, acrescenta. A minha vida melhoraria muito se eu viajasse pelo país de comboio, conclui.


A natação relaxa e refresca-me, diz Clara (nome fictício). O meu espirito e a minha mente ficam diferentes dentro de água. Mesmo quando salto para dentro da água e ela gela o meu corpo. A seguir o meu corpo adapta-se à temperatura. Percebes porque é que eu trouxe estas fotos?, pergunta-me.


No caso das pessoas autistas, sabemos que podemos encontrar alguns desafios no processo de comunicação. Sejam aquelas que apresentam uma Perturbação do Espectro do Autismo nível 3 ou 2. E associado a esta condição apresentam um Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental e algumas delas são por exemplo não verbais. Mas também aquelas com uma Perturbação do Espectro do Autismo nível 1, poderão também sentir alguma dificuldade na forma de expressarem aquilo que estão a pensar e a sentir. Seja em que situações for, a utilização do Photovoice permite que qualquer uma destas pessoas possa transmitir aquilo que é a sua visão de si, do Outro e do Mundo.


Olhando agora para mim e para aquilo que eu já fui percebo o quanto eu mudei. E não fui só eu que mudei, o meu autismo também mudou, diz Carla (nome fictício). E estas fotos contam isso, acrescenta. As fotografias constroem a repetição das coisas da vida...marcam o ritmo de uma batida que constitui a vida, a mantém e garante a sua reprodução. Não sei se percebeste?, pergunta-me. Mas podes sempre olhar para as fotos, que elas contam-te a minha história, conclui.


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