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Experiências heroicas

Fazer terapia não é para qualquer um, pensarão alguns! Por exemplo, aqueles que já tiveram a experiência pessoal de fazer psicoterapia têm a noção real do quanto envolvimento pessoal e emocional é preciso ao longo do processo. E há quem diga mesma que em determinados momentos da psicoterapia abordar determinadas questões é "doloroso". Não que sejam administrados choques no decorrer do processo. No entanto, abordar determinados temas quando a própria pessoa apresenta ela mesmo uma maior vulnerabilidade, a experiência emocional é mais intensa.


Mas como é que é a experiência vivida do processo psicoterapêutico pela pessoa autista adulta?


Os artigos científicos que vão sendo publicados sobre os aspectos psicológicos a serem tido em conta no processo de intervenção psicológica com pessoas autistas adultas ainda se parecem centrar em muito nos aspectos metodológicos e das técnicas a serem tidas em conta. E convenhamos que é um tema muito importante e necessário, e que ainda nos encontramos muito longo de uma resposta adequada. Até porque em muitos casos continuamos a usar modelos e protocolos de intervenção que estão validados e adaptados para outros diagnósticos mas não para o autismo.


Ao longo destes últimos dez anos temos assistido a um número crescente de diagnósticos de autismo realizados em pessoas adultas. E não, já foi esclarecido que não estamos a falar de nenhuma epidemia de autismo nas pessoas adultas. Estamos sim cada vez mais capazes e também sensibilizados para detectar, diagnosticar e também intervir em pessoas autistas adultas. Mas também aqui ainda estamos muito longe de ter uma resposta adequada. E como é que nós podemos saber isso? Basta perguntarmos às próprias pessoas autistas adultas!


Neste momento temos cerca de 78 milhões de pessoas a nível mundial que são autistas. E cerca de 1 em cada 100 pessoas adultas tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. E se pensam que as coisas vão estagnar, pensem que todos os anos cerca de 50000 adolescentes autistas atingem a sua maioridade.


E precisamos de pensar que o próprio pensar sobre o autismo e mais especificamente o autismo nas pessoas adultas tem sofrido bastantes alterações ao longo destes últimos anos. Seja nas questões relacionadas com os aspectos dos critérios de diagnóstico, mas também em relação ao como os profissionais de saúde e os próprios autistas adultos pensam sobre a sua condição.


As pessoas autistas adultas sentem menos disponibilidade para que o processo psicoterapêutico se centre única e exclusivamente na capacitação das competências sociais. Não que estas não possam ser importantes, porque o são. Mas até mesmo em relação a estas, as próprias pessoas autistas adultas sentem que o trabalhar destas competências necessitam de reflectir mais e melhor aquilo que é a realidade tal qual vivida pelas pessoas autistas, neste caso adultas. Além do mais, as pessoas autistas adultas sentem que não têm a mesma disponibilidade para serem vistos como aqueles que necessitam de mudar o seu comportamento. No sentido de serem aqueles que têm algo de errado e disfuncional em si e que como tal precisam de mudar a pedido de outros, sejam os pais ou outros terceiros.


Por exemplo, algumas pessoas autistas adultas, e que foram diagnosticadas na infância, podem sentir que ao chegar à vida adulta podem ter ainda todo um conjunto de dificuldades sentidas na integração em vários domínios da sua vida. E quer isso dizer que o trabalho terapêutico realizado anteriormente não foi importante e bem realizado? Nada disso! A intervenção efectuada terá sido certamente bem conduzida. Contudo, pode ter havido um negligenciar de várias partes em relação a aspectos importantes para a vida da pessoa autista e que a partir de determinado momento se encontra na vida adulta.


A investigação e a prática clínica, neste caso especifico, no autismo e de forma ainda mais precisa, na pessoa adulta, precisa de ter um novo equilíbrio. Ou seja, se é importante pensarmos em como as comorbildades psiquiátricas impacto no curso de um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Também é verdade que precisamos e pensar nos aspectos da Qualidade de Vida da pessoa autista adulta. Já para não falar de como a própria pessoa autista adulta pensa que a sua vida deve ser vivida de uma forma autónoma e independente. Claro que precisamos de continuar a pensar em como os próprios instrumentos de avaliação para o diagnóstico devem reflectir aquilo que são as realidades diferentes observadas na mulher versus o homem no espectro do autismo. Mas o próprio processo psicoterapêutico e a forma como este pode e deve ser adaptado à realidade vivida da pessoa autista adulta. Assim como quais os aspectos da relação terapêutica que é estabelecida ao longo deste processo decorre. São todo um conjunto de aspectos que são fundamentais, mas que estão em muito relegados para um segundo plano no que diz respeito à pessoa autista adulta.


Os processos de intervenção psicoterapêutica são complexos e compreendem todo um conjunto de aspectos específicos e inespecíficos, implícitos e explícitos, mas que em determinadas situações necessitam de ser descodificados e de forma adaptada para a pessoa autista adulta. Não que a pessoa não tenha capacidade de perceber, porque o têm. Mas a forma diferente como a própria pessoa autista pensa leva necessariamente a pensar também de uma forma diferente. E aqui é da responsabilidade do psicoterapeuta poder fazer esse mesmo caminho de reflexão.


Desde os aspectos mais pragmáticos da intervenção, por exemplo, o tempo de duração de uma sessão, ou o facto da mesma poder ser repartida no decorrer do seu tempo de sessão. Mas também outros aspectos que dizem mais respeito à relação terapêutica, variável considerada fundamental no processo psicoterapêutico, e vista como responsável em parte significativa do resultado positivo do próprio processo. São muitas os aspectos que alguns profissionais de saúde na área da saúde mental sentem que não estão suficientemente capacitados para ter de lidar. Nomeadamente, no que diz respeito ao estabelecer uma relação terapêutica com uma pessoa autista adulta. Penso inclusive que parte desta dificuldade possa advir do próprio facto do terapeuta pensar que a pessoa autista se necessita de adaptar ao processo. Ou seja, que a própria pessoa autista necessita de adquirir outras competências de empatia para que possa estar mais disponível para o processo psicoterapêutico. Quando na verdade deve ser precisamente o próprio processo que se deve adaptar à pessoa. E isso implica que o próprio terapeuta também faça esse trabalho.


Contudo, quando procuramos por informação relativamente ao processo psicoterapêutico para a pessoa autista adulta, verificamos que a escassez de artigos reflecte aquilo que referi nos parágrafos anteriores. Mas também os poucos artigos que existem neste campo continuam a centrar-se em muito em usar protocolos de intervenção standardizados para a Ansiedade, Depressão e outros diagnósticos, sem que os mesmo tenham sido pensados e adaptados para as pessoas autistas adultas.


Sinto que nada disto é por acaso ou falta de tempo. Penso que em boa parte diz respeito ao facto de durante muitos e bons anos não se ter pensado no autismo na pessoa adulta. E ainda hoje se pensar no autismo na pessoa adulta como um prolongamento daquilo que se pensa na criança e adolescente. E claramente as pessoas adultas, nomeadamente as pessoas autistas, sentem necessidades especificas desta altura da sua vida e que em alguns casos não sentem uma ressonância no processo psicoterapêutico.


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