Apenas 2 em 10 pessoas autistas têm trabalho! A frase por si só deveria fazer soar os alarmes e pôr-nos a todos a participar para mudar esta realidade. Os alarmes têm tocado, mas nem todos tem estado suficientemente atento. Ou então têm confundido com outros alarmes. E porquê alarmar? perguntam-se. Porquê existem pelo menos cerca de 5 milhões de pessoas autistas na Europa. Porque existem pelo menos cerca de 78 milhões de pessoas autista em todo o mundo. E porque o autismo é uma condição ao longo da vida e as pessoas adultas têm o direito de trabalhar e de forma condigna e poderem assegurar a sua autonomia, independência e levar a cabo o seu projecto de vida. Chega-vos estas razões?
E como tal, é preciso um plano para poder responder a esta necessidade urgente na vida de milhares de pessoas autistas. As responsabilidades são e devem ser repartidas por todos nós, incluindo as pessoas autistas. Já chega de criar medidas para as pessoas autistas sem que estas estejam envolvidas desde o seu início e no processo de tomada de decisão. É preciso responsabilizar as entidades governamentais e os demais partidos políticos com assento e representação parlamentar. E que de uma vez por todas que se designem a ouvir as pessoas autistas. É preciso responsabilizar as Organizações, sejam públicas ou privadas, a terem uma visão capaz de integrar a neurodiversidade. E que não seja a neurodiversidade que apenas cabe dentro das pessoas com atestados multiusos com 60% ou mais de incapacidade. E que não seja uma integração enviesada e orientada para as vagas existentes. É fundamental que as pessoas autistas, como qualquer outra pessoa possa ter e escolher o seu projecto de vida profissional.
É mais fácil falar sobre diversidade do que alcançá-la. Durante um dia de trabalho normal, habitualmente atarefado, é difícil encontrar tempo e energia para investir na reconsideração das formas de trabalho. Muitas das nossas práticas de trabalho são movidos por hábitos. Quando as Organizações têm uma vaga para preencher, procuram o anúncio de emprego anterior e actualizamo-no. Contudo, cada pessoa é diferente e a forma como experimenta, processa e responde ao mundo, varia entre as pessoas, e dentro da mesma pessoa, dependendo do contexto. Por sua vez, estes conduzem à exclusão inevitável e a menos oportunidades de participar na força de trabalho.
Mas afinal quando é que é a altura certa para fazer a mudança? E será que eu sozinho consigo fazer acontecer essa mudança? Quando?! É agora. Agora é o momento de criar e implementar um quadro inclusivo de emprego neurodivergente que não apoia apenas os empregados autistas, mas permite que todas as pessoas prosperem. Um quadro de emprego inclusivo que abraça e fomenta a neurodiversidade pode apoiar as pessoas ao longo da sua vida profissional.
Contudo, as mudanças a operar necessitam de ser pensadas por todos. E precisam de ser realistas, práticas e "boas para o negócio". Como em qualquer situação que envolva o mercado de trabalho, é preciso trabalhar com os empregadores para ajudar a identificar os ajustamentos práticos que sejam eficazes e conduzam a uma sustentabilidade na mudança. Mas muito frequentemente sentimos que as Organizações e os empregadores especificamente estão igualmente distantes da neurodiversidade e do que ela representa. E mais especificamente do que é o autismo e de como ele se expressa de forma diversa ao longo do espectro. E se é fundamental pensar num enquadramento, nomeadamente legal, para os aspectos da empregabilidade inclusiva. É igualmente vital voltar a pensar que um tamanho não serve a todos. Por exemplo, a publicação da Lei 4/2019 para a criação de cotas de emprego para as pessoas com deficiência com 60% ou mais e incapacidade, deixa de fora muitas pessoas. E se pensarmos em neurodiversidade é preciso pensar em possibilidades de resposta diversa. Até porque todas as pessoas autistas são diferentes. E se alguns irão conseguir prosperar sem qualquer apoio na sua carreira. Muitos precisam de alguns ajustamentos simples ou de ter uma oportunidade no momento certo ou em contextos diferentes. Outros necessitarão de níveis elevados de apoio personalizado para encontrar e permanecer no trabalho. E necessitamos de sublinhar a neurodiversidade enquanto resposta chave para a mudança. Até porque é um modelo capaz de incorporar uma vasta gama de perfis e necessidades da comunidade.
Mas não se pense que o sublinhar da importância da neurodiversidade é apenas importante e diz respeito apenas às pessoas neurodiversas. A diversidade no processo da informação, assim como a diversidade cognitiva é um recurso vital e subutilizado nas Organizações. As pessoas autistas, por exemplo. introduzem diferentes formas de pensar e de trabalhar nas Organizações. E por exemplo, para a realização de tarefas complexas que envolvem a resolução de problemas ou pensamento criativo, como o desenvolvimento de novos produtos ou negócios estratégias, uma equipa neurologicamente diversificada é mais susceptível de gerar uma gama mais ampla de ideias a considerar e evitar preconceitos cognitivos.
Mas a mudança necessita de ser alargada a outros contextos. Como por exemplo às Universidades, e principalmente àquelas que têm uma maior responsabilidade em leccionar cursos de Gestão de Recursos Humanos e afins. Tal como nos cursos de Psicologia ou Medicina é fundamental poder melhorar a informação leccionada sobre o autismo, de como reconhecer e intervir. Também no âmbito do recrutamento e selecção, é fundamental estar capacitados para realizar este trabalho junto da comunidade neurodiversa. Esta mudança operada a este nível reproduz uma alteração na prática do recrutamento e selecção, mas também introduz uma mudança de paradigma no funcionamento das próprias Organizações que vão solicitando este mesmo recrutamento. Podermos observar nos próprios anúncios de emprego uma mudança substancial na forma de recrutar traduz-se numa transformação visível para todos, neurodivergentes e neurotipicos. Além do mais, esta mudança irá traduzir-se também num assegurar da confiança das pessoas neurodivergentes no processo de selecção, como por exemplo, nas idas às entrevistas. Situação que é causadora de alguma ansiedade na maior parte de nós e que se torna muito incapacitante nas pessoas neurodivergentes quando sentem que a preparação e sensibilização das pessoas que os vão receber é nula ou perto disso.
A aposta na neurodiversidade torna possível dar resposta a vários níveis na Sociedade. Seja no alocamento de recursos económicos para as pensões necessárias para as pessoas neurodivergentes e que não estando a trabalhar vão recorrer a si. Ou porque, dentro da comunidade neurodivergente existe todo uma amalgama de recursos humanos capaz e cada vez mais e mais bem formada e que está subaproveitada. Para além desta própria diversidade constituir-se uma riqueza e um catalisador para a mudança a operar e necessária para as Organizações. E se há necessidade de provas, as empresas que têm estado nos últimos 10 anos na neurodiversidade e no recrutamento inclusivo têm provas dadas em relação à mudança traduzida em melhorias e crescimento para a sua Organização, mas também para o bem-estar e qualidade de vida de todos os seus trabalhadores.
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