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Entre linhas

Eutanásia!? Como assim, nem pensar!, ouvimos. Porque não!? É a vida da pessoa, e como tal é um direito seu decidir! escutamos. Mas se as pessoas estão a sofrer podem pedir ajuda! ouvimos! Mas há situações de vida com um sofrimento incalculável e que as pessoas decidem não querer continuar a ter! escutamos.


A morte, tal qual a vida, é um tema que nos suscita muitas reflexões, e na maior parte das vezes profundas e inflamadas. É impossível estarmos a falar sobre a morte e não nos envolvermos num debate interminável e na totalidade das vezes com uma carga emocional imensa. E quando a palavra eutanásia aparece, a celeuma e a falta de consenso é ainda maior.


Mas apesar de muitos pensarem que a eutanásia é algo deste século, quando revisitamos a História da humanidade percebemos que isso não é verdade. Vários povos, tais como os Celtas, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Ou então na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com barro. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem. E até na própria Bíblia existe uma situação que evoca a eutanásia, no segundo livro de Samuel. E Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Mas pelo contrário, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, condenavam o suicídio. E no juramento de Hipócrates consta: “eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo”. E como podemos verificar, os médicos, profissionais de saúde envolvidos neste processo de eutanásia ou suicídio assistido, encontram-se entre aquilo que é o seu juramento e uma decisão aprovada em Assembleia da Republica.


E muitos saberão que recentemente a eutanásia passou a ser legal em Portugal. A proposta determina que a morte através de eutanásia só pode ser realizada e maiores de 18 anos e se o suicídio assistido for impossível por incapacidade física do doente.


Contudo, num outro pais europeu, a lei dos Países Baixos de 2002 legislou sobre a interrupção da vida a pedido e o suicídio assistido tornou legalmente possível a prática da eutanásia. Neste acto, um médico administra uma dose fatal de um medicamento ao doente a seu pedido expresso. Ou então o suicídio é assistido por um médico, em que este fornece o medicamento, mas é o doente que o administra, desde que sejam cumpridos seis critérios de "cuidados adequados".


Os médicos que praticam a eutanásia e o suicídio assistido por um médico devem notificar cada caso. Estes relatórios são avaliados por uma comissão de revisão da eutanásia, encarregado de decidir se os requisitos de cuidados devidos foram observados e cumpridos. Um dos critérios de cuidados devidos, e o foco deste documento, é que "o sofrimento do paciente é insuportável, sem perspetiva de melhoria". No seu relatório, os médicos devem explicar em que consistia o sofrimento, por que razão estavam convencidos de que era insuportável e como chegaram à conclusão de que não havia perspectivas de melhoria.


Em 2021, nos Países Baixos, a eutanásia e o suicídio assistido por um médico foi responsável por cerca de 8000 mortes. A grande maioria destes pedidos concedidos pelos médicos destinava-se a doentes cujo "sofrimento insuportável" era causado por cancro. No entanto, a existência de uma doença que limite a vida não é um pré-requisito para a concessão de um pedido deste tipo. A lei em questão exige que o "sofrimento insuportável" tenha uma base médica, mas esta pode ser somática ou psiquiátrica. Permitindo que este sofrimento insuportável possa ser causado por doenças psiquiátricas, demência, vários síndromes geriátricos, síndromes de dor crónica ou doenças genéticas. Embora a percentagem destes pedidos possa ser baixa, o número de mortes através de eutanásia e suicido assistido por razões que não sejam doenças terminais está a aumentar e não é insignificante.


E foi precisamente no conjunto de relatórios feitos pelos médicos nos Países Baixos desde que a lei foi aprovada, que foi sendo verificado que consta cerca de 40 pessoas autistas que solicitaram a eutanásia e o suicídio assistido. Entre estas, 15 pessoas tinham Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental, 20 tinham Perturbação do Espectro do Autismo e 4 tinham ambas as condições.


Independentemente daquilo que cada um de nós possa pensar sobre o assunto, é preciso saber que as pessoas com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental e Perturbação do Espectro do Autismo não estão excluídas da possibilidade de apresentar e receber um pedido de eutanásia ou suicídio assistido por médico. O seu direito de o fazer está em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.


Ao ter tomado conhecimento desta informação não deixei de pensar no sofrimento incalculável que muitas pessoas autistas passam ao longo da vida. Seja porque apresentam um conjunto de outros diagnósticos neuropsiquiátricos em conjunto com a Perturbação do Espectro do Autismo. Porque acumulam todo um conjunto de condições de saúde física e que torna a sua condição de vida mais debilitante. Mas também porque podem não sentir uma resposta adequada às suas necessidades de vida a nível global.


A morte e a vida andam desta forma de mãos dadas. Fazem parte integrante da nossa existência e não podemos deixar de as pensar de uma forma responsável. Há muito que se sabe que é vital pensar as condições de vida das pessoas com deficiência, nomeadamente as pessoas autistas e em conjunto com estes, criar condições de vida que estão contempladas nos Direitos Humanos e nos Direitos das Pessoas com Deficiência. E não podemos desviar a nossa atenção daquilo que são os números preocupantes de taxas de suicídio dentro da população autista, como expressão máxima do sofrimento humano.


Não podemos deixar de nos envolver nestas e noutras situações que dizem respeito a todos nós. E independentemente da razão legislativa e da posição que uns e outros assumem perante o tema deixar de participar na construção de uma vida melhor e mais digna para todos.


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