Justice for all, para além de ser uma grande música dos Metallica, irá servir para falar de um tema que apesar de verdadeiro e negativamente impactante na vida das pessoas autistas é muito pouco tido em conta.
A justiça é cega, dizem. E parece ser. Não naquilo que costuma ser referido, de que a lei é igual para todos. Mas cega na medida em que os agentes envolvidos no Sistema Judicial e Criminal estão ainda e muito afastados daquilo que é a realidade do autismo e das pessoas autistas. E como tal, mesmo que procurem por em prática a justiça igual para todos, ficam áquem do desejado e de direito das pessoas autistas, tendo em conta que não estão a entender e interpretar de uma forma correcta e adequada a sua realidade.
Apesar de sabermos que as pessoas autistas não estão mais do que qualquer outra pessoa no Sistema Judicial e Criminal. Ou seja, as pessoas autistas não são mais propensas a cometer crimes do que qualquer outra pessoa. Ainda assim, as pessoas autistas estão a ser mais fortemente penalizadas no Sistema Judicial e Criminal do que as outras pessoas em situações semelhantes.
E porquê? Não apenas, mas porque as pessoas autistas acabam por ter enquanto característica sua uma maior dificuldade na leitura das pistas sociais e na descodificação destas em diversos contextos. Facto que as leva a fazer uma compreensão ainda mais enviesada dos comportamentos dos outros, nomeadamente nos contextos Judicial e Criminal. Mas também porque podem fazer confissões inadvertidas em contexto de tribunal, assim como o fazem em outros contextos atendendo à sua maior ausência de filtro social. Ou então poderem manifestar maiors dificuldades ao nível da recuperação de acontecimentos (memória episódica), poderem ser pessoas menos envolvidas no processo, demonstrarem atitudes de falta de arrependimento, seja em contexto Judicial, mas também criminal, etc.
Os arguidos com diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo podem apresentar, nomeadamente em contexto de julgamento em tribunal, comportamentos invulgares ou desadaptativos durante a infração ou processos judiciais, que podem ser mal interpretados, conduzindo a impressões potencialmente prejudiciais. Por exemplo, a forma como certas caraterísticas autistas podem contribuir para, ou ter impacto, no comportamento do arguido na sala de audiências. É fundamental informar o júri sobre o diagnóstico de PEA do arguido, uma vez que isso pode ajudar o júri a compreender a sua apresentação durante o processo judicial. O testemunho de um perito ao júri sobre o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo do arguido e sobre a forma como se apresenta nesse arguido em particular é vital para atenuar qualquer perceção negativa que o júri tenha do comportamento aparentemente negativo e da falta de remorsos demonstrados pelo arguido. Se isso não for feito, pode ter consequências prejudiciais e negativas óbvias para o arguido, tais como penas mais longas, etc.
Como tal, para que a justiça seja cega, não basta apenas dizer que esta é igual para todos. Principalmente quando alguns nem são verdadeiramente conhecidos na sua forma de ser. Justiça também é poder ajudar os agentes judiciais envolvidos a terem um maior e melhor conhecimento sobre esta e outras condições. E sempre que necessário poder solicitar a intervenção de um especialista na área do autismo para assessorar o/a Juiz no processo de compreensão da pessoa autista no processo.
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