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Foto do escritorpedrorodrigues

Encontra a tua tribo

Em criança ouvia-se algumas vezes - "Estes miúdos são uns índios!". Ou quando chegávamos a casa depois de uma tarde inteira a brincar na rua - "Pareces um índio, onde é que tu andaste?". Estas e outras frases ditas pelos nossos pais na verdade significavam que tínhamos estado com a nossa tribo, com os nossos amigos, e mais aqueles que por ali andavam também e que aceitavam juntar-se ao resto da tribo. Nem todos alinhavam. Alguns raramente apareciam. Ou quando o faziam pareciam optar por não participar. Havia quem percebia e outros que ficavam sem saber o porquê daquela aparente recusa. Da mesma maneira que uns gostavam de jogar, brincar ou fazer umas coisas ao invés de outras. E outros pareciam gostar de fazer quase sempre o mesmo. Na verdade penso que não deixávamos de ser todos índios. Excepto daquelas vezes em que uns teriam de decidir se queriam ficar nos cowboys ou nos índios. Como escreveu Silberman em Neurotribes, "nem todos os recursos atípicos do sistema operativo humano são erros.".

Amanhã dia 2 de abril celebra-se o Dia Mundial para a Conscientização do Autismo. E que melhor do que celebrar esse dia com amigos. Isso mesmo, com amigos. Mesmo que em situação de quarentena e de distanciamento fisico (social). Tal como nas brincadeiras de crianças, há aqueles que gostam sempre de ser dos cowboys e outros dos índios. Mas também aqueles que gostam de poder variar entre uns e outros. No entanto, também é importante pensar que há aqueles que podem não gostar de jogar aquela brincadeira, ou simplesmente não estejam dispostos a tal naquele dia. Mas que ainda assim não deixam de poder ser amigos. E os amigos celebram entre si as coisas que lhe são comuns, nomeadamente a amizade.


E amanhã haverá pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo que irão querer celebrar o dia conjuntamente com os seus amigos, sejam eles do espectro do autismo ou não. Leu bem - pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo que irão querer celebrar o dia conjuntamente com os seus amigos, sejam eles do espectro do autismo ou não. Sim, não me enganei a escrever nada. Amanhã, como em outros dias as pessoas do espectro do autismo, gostam de poder estar com os seus amigos, isto para além de os terem. A ideia de que as pessoas com esta condição não têm amigos já data de algum tempo. Tempo suficiente e com evidência suficiente para estar fora de prazo, e não fazer sentido algum continuar a repeti-la. Ainda que as pessoas do espectro do autismo possam ter um forma especifica de poder expressar a sua amizade para com os outros. Isso não quer dizer mais nada senão isso - têm uma forma específica de poder expressar a sua amizade para com os outras. Da mesma forma que eu ou você leitor o terá certamente. E isso não será mais do que isso - uma forma diferente de o fazermos, pensarmos e sermos.


Recordo que da minha tribo, desde aquele que acompanho desde tenra idade até aos dias de hoje todos temos a nossa forma singular de ser e de nos expressar. Parece absurdo ter de estar ao fim destes anos todos a afirmar estar frase como se fosse uma conclusão de uma qualquer tese de doutoramento inédita e candidata a um prémio qualquer. Mas penso que é importante poder repetir essa ideia para que muitos, sejam índios ou cowboys, possam perceber que a sua tribo não é a única e que isso não tem nada de mal. Muito pelo contrário, apenas acrescenta mais diversão na brincadeira. E no espectro do autismo é igual. As pessoas nesta condição desejam ter amizades e tem-nas e lidam com as suas situações do quotidiano, nomeadamente as situações de conflitualidade. Não há nada de impossível nas relações de amizade no espectro do autismo. Apenas parece que tomam um percurso algo diferente.


No entanto não deixo de pensar por vezes naqueles que na infância ficavam mais vezes sem brincar ou sem aparecer junto da tribo. E se alguns deles ainda hoje acompanho o seu percurso houve outros dos quais perdi o rasto. Mas não deixo de pensar e no impacto que isso pode ter tido na sua pessoa. Não é um pensamento de todo descabido atendendo à própria linha de investigação que se debruça sobre a conexão social enquanto preditor da saúde física e mental a longo prazo. Ter amizades significativas - ou na falta delas - tem um impacto nos nossos sistemas cardiovascular e imunológico, respostas ao stress, sono e saúde cognitiva. Pessoas com fortes conexões sociais sobrevivem mais, em média, do que aquelas com más conexões, segundo uma metaanálise realizada com mais de 300.000 pessoas. A solidão, definida como uma incompatibilidade entre os níveis desejados e reais de conexão social, é um fator de risco para a mortalidade tão grande quanto o tabagismo, sugere a análise. Mas isso poderá querer significar que as pessoas do Espectro do Autismo terão uma menor esperança média de vida? Ou quer dizer que as pessoas do Espectro do Autismo têm maiores problemas de saúde física e psicológica? E se sim, isso será devido ao facto de serem mais solitários? As pessoas do espectro do autismo podem não parecer solitárias, porque geralmente separam-se dos outros - mas podem se sentir solitárias, ainda assim.


De facto, crianças do espectro do autismo tendem a ser mais solitárias que seus pares neurotípicos, de acordo com alguns estudos. E essa solidão pode contribuir significativamente para a alta incidência de depressão e ansiedade entre adultos do espectro do autismo. Ter mais e melhores amizades pode aliviar a solidão, mas há uma ressalva: as amizades podem ser distintas daquelas entre pessoas neurotípicas. Os benefícios provavelmente vêm das pessoas do espectro do autismo que encontram e são apoiadas para encontrar os relacionamentos que funcionam para elas. Penso que será importante não colocar um padrão neurotípico de amizade como o padrão que as pessoas do espectro do autismo. Até porque esse facto parece não causar nada de positivo e muito provavelmente algo negativo.


Uma barreira significativa para essas amizades é a convicção dos neurotípicos de que as pessoas do espectro do autismo não estão interessadas em se conectar com elas. Aparecer desinteressado, no entanto, nem sempre é o mesmo que estar desinteressado. Uma pessoa no espectro do autismo que parece desinteressada nas actividades que estão a acontecer no contexto pode de facto ficar impressionada com o barulho e o caos. E um adulto autista que evita o contato visual pode simplesmente estar a tentar evitar a superestimulação ou se concentrar mais intensamente na conversa.


Ainda que as pessoas no espectro do autismo se possam relacionar e ter um maior número de amizades dentro de uma tribo igualmente diagnostica com Perturbação do Espectro do Autismo. Isso não devia ser visto como algo negativo. Pensar-se que isso acontece porque as pessoas do espectro do autismo são posta de lado pelos pares neutoripicos e como tal ficam-se por ter como amizades as pessoas com o seu diagnóstico é não acreditar na capacidade de de uma pessoa no espectro do autismo para decidir com quem gostaria de ser amigo. As pessoas no espectro do autismo tendencialmente têm na sua tribo pessoas com uma condição igual pela razão de que partilham um conjunto de gostos e interesses semelhantes. À semelhança do que acontece nas tribos de outras pessoas neurotipicas. As pessoas aproximam-se pelas suas semelhanças. É muito comum ouvirmos as pessoas dizerem - "Na minha tribo eu não tenho de explicar tudo para que me percebam!".

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