Pai, posso olhar para o sol?, pergunta o Rui (nome fictício). Como assim filho?, o pai devolve-lhe a questão. Olhar para o sol para ver o eclipse!, refere. Como? Olhar directamente para o sol?, pergunta-lhe o pai. Sim, claro! De que outra forma poderia ver o eclipse?, retorquiu. Não podes olhar directamente para o Sol. Corres o risco de magoar a tua vista, diz-lhe. Mas como é que eu posso ver o eclipse se não olhar para o sol?, questiona-o. Se não o fizer corro o risco de magoar a minha imaginação!, diz-lhe sabiamente Rui.
Este breve diálogo entre pai e filho procura ilustrar aquilo que acontece em vários momentos da vida de ambos em relação à perspectiva que desenvolvem em relação à vida e de como a querem pôr em prática.
Poderíamos estar a ler um diálogo entre um jovem que quase a terminar o Ensino Secundário procura dizer aos pais que está interessado em fazer um ano sabático para poder ter a oportunidade de experimentar coisas diferentes antes de procurar entrar no mercado de trabalho. Não é nada que já não tenha acontecido em muitos lares. E nem sempre o diálogo está alinhado com os mesmos objectivos. E porventura não precisa de estar. Até porque cada um deles tem um papel diferente e uma experiência de vida própria. Os pais estão a desempenhar o seu papel de pais e os filhos igualmente. Mas será sem dúvida necessário que este mesmo processo possa ser realizado de uma forma cuidada. Até para não correr o risco de nenhuma das parte se magoar. Tal como o Rui de à pouco que corria o risco de se magoar nos olhos se fosse olhar para o Sol directamente. Não será uma tarefa fácil, esta de encontrar um equilíbrio saudável no abordar destes objectivos e procura de realização de sonhos dos filhos.
Há pais que por variadíssimas razões, sejam pessoais e do seu próprio percurso de vida. Mas também sociais ou então outras que tenham a ver com algumas das características dos filhos, que vão certamente ter um impacto na forma deste encontro ou desencontro entre a visão de ambos relativamente ao futuro dos filhos.
Por exemplo, como é que estão alinhadas a visão do futuro dos filhos e pais quando os filhos têm um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo? Sim, porque as pessoas autistas têm uma visão para o futuro e mais especificamente para o seu futuro! E certamente que os pais com filhos autistas também terão eles próprios expectativas para os seus filhos. E esta visão e expectativas irá mudando ao longo do tempo para qualquer um deles e também na forma como as vão partilhando.
O certo é que as expectativas que as pessoas têm sobre o futuro podem influenciar as decisões que tomam para atingir os seus objetivos. Por exemplo, os pais de adolescentes autistas têm expectativas sobre o futuro dos seus filhos e que parece estar intimamente relacionado com os resultados obtidos no final do Ensino Secundário ou após este período. Ou seja, parece que quando os resultados obtidos são mais baixos, os pais vão deixar cair algumas das suas expectativas em relação ao futuro mais risonho dos seus filhos. Sendo que nesta altura passa a haver necessidade de gerir todo um conjunto de angústias e do próprio luto em relação a essas mesmas expectativas. Mas aqui estamos a falar dos pais. No entanto, parece que continuamos a saber pouco acerca de como os próprios jovens autistas formam expectativas em relação ao seu futuro e de como as mesmas estão ou não alinhadas com as dos seus pais e também de que forma é que são partilhadas.
Por exemplo, quando um jovem autista diz que não pretende seguir para a Universidade após terminar o Ensino Secundário. Ou quando refere que determinada área profissional, empresa ou trabalho não é do seu interesse. Mas também de que gostaria de poder vir a viver sozinho num futuro mais ou menos próxima. Por norma, estas costumam ser as três grandes questões que ocupam muitas das vezes os pensamentos dos jovens mas também dos pais durante este processo de transição. E são questões que causam alguma angústia e receios próprios em ambas as partes. E que ainda torna porventura mais difícil e importante o cuidado na partilha destas expectativas.
Pode não parecer, mas esta questão prende-se em tudo com a Auto-determinação, e com a capacidade do próprio construir as suas próprias ideias e tomadas de decisão relativamente ao seu projecto de vida. Sendo que esta auto-determinação vai sendo construída ao longo da vida logo desde a infância. A forma como o próprio se percebe, aos outros, ao Mundo e às suas próprias experiências integradas neste todo, é fundamental para criar alicerces para esta expectativa acerca do futuro. Mas nesta última frase podemos perceber que as pessoas autistas, seja por algumas das suas características, mas também pela forma como muitos de nós não autistas, e não apenas os pais, vamos interagindo consigo e pensando acerca da sua própria pessoa e competências. Vai em muito determinar todo um conjunto de dificuldades neste mesmo processo.
Ninguém, e muito menos eu, quero com isto significar que os pais com filhos autistas querem escolher de uma forma intransigente aquilo que será o futuro dos seus filhos. Ou que outros sem ser os pais o queiram fazer de uma forma deliberada. Nem que as pessoas autistas não têm uma visão de futuro em relação à sua vida, do Mundo e da sua participação nele. Todos pretendem ter uma continuidade na sua experiência de vida e ao longo desta marcada por sonhos, expectativas e alcançar de objectivos. Ainda que todos nós nos mais variados momentos vamos tendo transformações nestas mesmas questões. E o tempo em que as desejamos ou procuramos realizar possam ser diferentes. Mas isso faz parte precisamente do projecto de vida que procuramos desenhar para nós próprios, ainda que com a participação de pessoas significativas na nossa vida.
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