Como é que serei quando estivermos em 2000? Ou em 2020? Perguntava eu, sendo que estávamos em 1980. Em criança dava comigo a pensar como seria a minha vida quando tivesse dezoito anos. E na pré adolescência imaginava como seria a minha vida em adulto.
É uma curiosidade muito frequente em todos nós esta de como iremos ser no futuro. E normalmente esta curiosidade é acompanhada de alguma preocupação e angustia. Mas não somos os únicos a pensar nisso. Os pais também pensam em como virá a ser a vida dos seus filhos.
E se isso é verdade para qualquer um de nós. Ainda mais parece ser verdade quando as pessoas têm um determinada condição de saúde. E de forma mais marcada quando esta é crónica e irá acompanhar a pessoa ao longo da vida. E isso é verdade para a diabetes, mas também para a Perturbação do Espectro do Autismo.
Seja porque as pessoas têm um conjunto de características que lhe trazem determinadas dificuldades e têm um impacto significativo na sua vida e bem estar físico e psicológico. Porque necessitam de se conhecer e compreender na sua essência e saber como proceder no quotidiano, contornar determinados obstáculos, enfrentar determinados desafios, etc. Mas também porque a própria Sociedade continua a não estar sensibilizada para a (neuro)diversidade e isso também acarreta um maior peso ao nível do estigma e das barreiras criadas ao longo da vida. Além de que algumas das características nestas condições levam à existência de uma maior probabilidade de outras questões de saúde física e principalmente psicológica se virem a desenvolver. Isto mesmo quando as pessoas são acompanhadas para as suas condições.
Ou seja, se na diabetes não controlada há um maior risco de doença cardiovascular entre outras. Quando esta é controlada, ainda assim há uma maior propensão para a pessoa perder peso, mesmo que não esteja a tentar, entre outras. E no caso da Perturbação do Espectro do Autismo, quando a pessoa não tem um diagnóstico e não faz um acompanhamento especializado adequado, há um maior risco para o risco de suicídio, entre outros. Mas, mesmo quando diagnosticada e acompanhada do ponto de vista médico e psicológico, ainda assim verifica-se que em alguns períodos podem surgir um aumento dos sintomas de ansiedade ou depressão, entre outras.
E no caso da Perturbação do Espectro do Autismo é conhecido a propensão para o desenvolvimento de outras condições neuropsiquiátricas em simultâneo, as designadas comorbilidades. As pessoas adultas autistas, em comparação com os adultos não autistas, apresentam taxas mais elevadas de quase todas as condições médicas e psiquiátricas. Muitas destas condições começam na infância, embora tenham sido efectuados poucos estudos longitudinais para examinar as taxas de prevalência destas condições desde a adolescência até ao início da idade adulta.
Ou seja, verificamos que nas crianças e adolescentes autistas se observa uma maior prevalência de ansiedade, outras perturbações do neurodesenvolvimento tal como a Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, obesidade e sono. E que na passagem da adolescência para o inicio da vida adulta a diferença destas condições quando comparamos grupos de pessoas autistas e não autistas é ainda maior. Sendo que os jovens adultos autistas apresentam um agravamento destas mesmas questões. E que no caso das raparigas autistas há um agravamento das questões psiquiátricas comparativamente ao rapazes com esta mesma condições.
Sendo que a entrada no período do jovem adulto é caracterizado por tarefas específicas de desenvolvimento, incluindo a separação das famílias de origem e o desenvolvimento de um sentido de autonomia, a definição da própria identidade, a construção de relações sociais duradouras e o estabelecimento de uma carreira profissional.
Como tal, se nas pessoas autistas vamos assistindo a um surgimento de várias condições físicas e psicológicas ao longo do desenvolvimento e ainda mais nestes períodos de transição, podemos antever um aumento das dificuldades sentidas face a todos os desafios encontrados.
Este aspecto relança a importância de melhor se conhecer o desenvolvimento destes grupos específicos e de como eles evoluem ao longo do tempo. O que também inclui um melhor conhecimento e mais aprofundado das próprias comorbilidades existentes e de como estas evoluem e interagem com as demais variáveis ao longo do desenvolvimento. E talvez ainda mais importante é perceber a situação de vida do jovem autista neste processo de transição para a vida adulta e de como o seu quadro clínico, seja respeitante ao espectro do autismo, mas também em relação a todas as outras condições se apresenta. Até porque continuamos a verificar que nestes e em outros grupos com condições neuropsiquiátricas se perde o acompanhamento que vinha a ser realizada durante o desenvolvimento até então. E que quando se entra na vida adulta, seja porque as respostas dos próprias serviços de saúde especializada não estão devidamente coordenados. Mas também pela forma como as próprias pessoas e a sua família pensam em relação à sua condição e ao que é possível ou não de fazer. O certo é que é um período critico e que como qualquer outro necessita de ser olhado com maior cuidado, até para antever e melhor preparar aquilo que será a maior etapa da vida da pessoa e que ainda não se realizou, ou seja a vida adulta.
A existência de um maior número de outras condições psiquiátricas irá certamente debilitar o funcionamento global da pessoa. Provocando uma maior dificuldade na realização e alcance de determinados objectivos académicos, profissionais, mas também sociais. Este agravamento leva a um maior compromisso do ponto de vista da autonomia e independência. E que por conseguinte irá agravar o próprio isolamento social da pessoa autista, entre outros aspectos. A resposta à pessoa autista, mas também à sua família, necessita de ser multidisciplinar e ao longo do desenvolvimento. Até porque se há condições que vão evoluindo negativamente ao longo do tempo quando não trabalhadas, como é o caso do sono. Também há questões que vão surgindo em determinadas etapas, nomeadamente de transição, como é o caso da ansiedade.
Ou seja, não podemos continuar a esperar que os jovens adultos autistas consigam ultrapassar todo um conjunto de desafios, sem que as condições adequadas para o efeito sejam conseguidas. E não, isto não quer significar que as pessoas autistas não sejam capazes de alcançar os seus objectivos. Mas sim, que algumas das suas características quando não devidamente acompanhadas, para além de todo o trabalho de sensibilização que há a fazer na Sociedade para se produzirem as mudanças necessárias. Enquanto estas não estiverem acauteladas, podemos esperar um pior desenvolvimento e surgimento de maiores dificuldades.
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