Dá cá um bacalhau é uma expressão conhecida de muitos e que significa dar um aperto de mão. Neste momento será um comportamento algo esquecido tendo em conta o momento actual vivido. E falando em bacalhau, é costume dizer-se que há mil e uma maneiras de o cozinhar. Assim como os apertos de mão. E tal como o próprio processo de diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Foi um grande salto, não foi? Eu explico tudo.
Alguns de vocês conhecerão a capacidade única do meu chefe Dr. Nuno Lobo Antunes em conseguir fazer um diagnóstico de autismo apenas com um simples aperto de mão, certo? Se não conhecem, pelo menos já devem ter ouvido falar de tal. Posso-vos dizer que um aperto de mão nunca é apenas um aperto de mão. Tal como um beijo também não o é se pensarem bem. O contacto através do aperto de mão leva à necessidade de nos aproximarmos do outro com uma determinada intenção. E podemos perceber se o outro fez uma leitura semelhante desta nossa intenção, ou não. Ou se sabe qual o procedimento a executar numa situação destas. Ou como a faz. Por exemplo, sorri e estabelece contacto ocular ou não? E o aperto de mão em si, perguntarão alguns. Há como que toda uma ciência por detrás do aperto de mão e o que o mesmo pode reenviar. Seja o facto da mão da outra pessoa poder estar suada e isso ser indicador de algum desconforto ou ansiedade. Para além da muita ou pouca força utilizada na mecânica do próprio aperto. Ou a confusão no entrelaçar das mãos que nos pode remeter para alguma dificuldade mais de ordem visuo-espacial. Só esta descrição leva a crer que um aperto de mão é suficiente para o diagnóstico, pensam alguns. Mas não é. Ainda que tudo o que disse seja importante. E não esquecer que o próprio aperto de mão é dado num determinado contexto. E por isso, ir buscar o cliente à sala de espera é um processo importante e bastante informador.
Para alem dos apertos de mão. Alguns dos colegas que trabalham nesta área do autismo e principalmente aqueles que já o fazem há algum tempo, sentem que cada vez mais têm uma maior sensibilidade e rapidez no processo. Quantas vezes ouvimos alguém dizer - Não foi preciso mais de uns minutos para determinar que aquela pessoa tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo!
Mas não fiquem com a ideia de que isto se trata de uma arrogância dos profissionais de saúde. Vejam que todos nós nos baseamos naquilo que pode ser chamado de primeiras impressões para determinar quem é aquela pessoa com quem estamos a interagir.
E agora até já se fala da utilização de Machine Learning, máquinas e algoritmos para realizar o diagnóstico em crianças autistas. E não, não creio que seja através de apertos de mão!! Mas se os diagnósticos podem ser feitos de forma rápida por uma máquina, não poderão ser igualmente rápidos feitos por uma pessoa?
Os profissionais de saúde que realizam diagnósticos de autismo, dizem que em algumas situações não em todas, estes são feitos de forma quase imediata. Os profissionais de saúde formulam um conjunto de hipóteses logo no primeiro contacto que fazem com a pessoa. E estas primeiras impressões clinicas podem dizer-se que são este diagnóstico inicial, e que tem implicação claras para a detecção precoce de Perturbação do Espectro do Autismo.
Tal como já tenho escrito em texto anteriores, o processo de diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo é complexo, demorado, envolve vários intervenientes, informações e instrumentos de avaliação. Ainda assim, isso não invalida que estas primeiras impressões clínicas sejam realizadas. Até porque faz parte do processo a colocação de hipóteses de diagnóstico e que depois se procuram validar ou não.
O primeiro contacto com a pessoa é importante? Sim, é importante. E no caso de uma avaliação de despiste de Perturbação do Espectro do Autismo atrevo-me a dizer que talvez o seja ainda mais. Se pensarmos que uma característica encontrada no autismo se prende com a maior dificuldade num primeiro contacto e com uma pessoa desconhecida. Este momento será certamente informador. Mas garantidamente não será apenas este o momento fundamental na avaliação. E como tal fiquem todos descansados que a avaliação não irá passar a demorar 5 minutos. Até porque é fundamental poder compreender as questões do diagnóstico, mas não apenas. É fundamental poder caracterizar de forma mais aprofundada a pessoa e todas as suas características, dificuldades e competências. Além de que muitas pessoas no Espectro do Autismo apresenta maior número de competências sociais. Além de a variabilidade na expressão comportamental no autismo ser tão grande ao ponto de uma pessoa poder naqueles mesmos cinco minutos iniciais estabelecer um contacto inicial adequado. E se nos fossemos basear somente nessa informação estaríamos certamente a cometer um erro.
Ainda assim, esta ideia tem implicações para a prática clinica na área do autismo. Se pensarmos que ainda continuam a haver determinado número de situações que não são detectadas apesar das pessoas serem observadas mais do que uma vez por profissionais de saúde. É importante pensar o por que é que certos profissionais precisam de tão pouco tempo para ter a certeza no diagnóstico. Certamente que muitos pensarão na carreira que muitos profissionais de saúde têm a ver pessoas autistas na sua prática profissional. Se voltarmos ao meu chefe Dr. Nuno Lobo Antunes, certamente que a sua experiência profissional associada à sua sensibilidade, será um óptimo indicador. Mas também precisamos de pensar que o processo de formação dos inúmeros profissionais de saúde, que não estando em serviços especializados para o autismo não deixam de os poder receber. É É fundamental pensar que o processo de formação precisa de ser repensado para os melhor ajudar a alcançar esta capacidade.
Mas a capacidade de se fazer um diagnóstico assim tão rápido também permite que se possa continuar a realizar o processo de avaliação, mas em simultâneo se possa indicar para que a pessoa possa começar a fazer a intervenção necessária. E no caso das crianças este passo é fundamental.
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