Doula é um termo de origem grega e que significa "mulher que serve". A Doula é uma profissional que tem como função acompanhar a gestante durante o período de gravidez, parto e período pós-parto. Além de apoiar, encorajar, oferecer conforto e suporte emocional nestes momentos. Esta pessoa, e apesar de não ser uma profissional de saúde, a sua actuação facilita a existência de um parto mais humanizado.
O texto não irá falar sobre a Doula e o papel desta. Nem irá falar da gestação no Espectro do Autismo. Mas irá falar do quê, afinal de contas? A introdução do conceito da Doula veio por causa daquilo que penso acontecer em parte no processo de diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Ficou ainda mais confuso? Eu explico.
Os cuidadores, muito frequentemente os pais, mas também tios, avós, etc., geralmente contactam os profissionais de saúde porque estão preocupados com o comportamento ou desenvolvimento dos seus filhos e familiares. Depois do nascimento do nosso segundo filho, começamos a questionar mais sobre o comportamento do nosso primeiro filho, dizem os pais. Eu não sei como dizer à minha irmã, mas penso que a minha sobrinha precisa de ajuda. Não é normal ela não conseguir fazer aquilo, diz uma tia. O nosso filho não parece compreender, mas o nosso neto tem algumas dificuldades em determinadas áreas. Nós compreendemos que ele não passe muito tempo com ele. Mas como nós estamos todo o dia com o nosso neto apercebemo-nos destas coisas, dizem uns avós.
Muito provavelmente muitos de vocês identificam-se com algumas destas frases. E terão tantas outras para contar. Quantos pais não ouvi já dizerem que andaram por todo o lado em procura de uma compreensão para o que se passava com os seus filhos. A sua criança tão amada não parece estar a agir como as outras crianças o fazem. Os pais de crianças autistas, antes do diagnóstico da criança terá certamente notado que ela está com algum atraso em alcançar marcos normativos do desenvolvimento. E adicionalmente, os muitos e intensos episódios de desregulação comportamental, aumentam as suas preocupações. E adicionalmente a tudo isto acresce as preocupações com o facto de sentirem que a sua parentalidade e as suas escolhas são razão das dificuldades dos seus filhos. Algo que invade os pais com uma angústia avassaladora.
Mas estes pais são muito conhecedores dos seus filhos. E têm uma enorme sensibilidade e sapiência em relação aos filhos. E tudo isto independentemente das suas dúvidas e fragilidades próprias. E estes mesmos pais sentem uma angústia igualmente intensa depois do seu filho receber o diagnóstico de autismo. Ainda que muitas vezes esta angústia assuma contornos algo diferentes.
Parece ser verdade que muitos pais sentem essa dor relativamente a muitas das suas expectativas que sentem ficar despedaçadas depois desse momento do diagnóstico. E esta mesma dor parece em muito ser alimentadas pelas várias histórias de autismo que vão sendo contadas e recontadas por famílias, mas também por profissionais de saúde e meios de comunicação social. Ou seja, verificamos haver toda uma narrativa desempenhada por vários interlocutores em torno do autismo.
E a forma como partilhamos esta história do diagnóstico é fundamental para a maneira como as próprias famílias vão guiar o seu pensamento sobre como acomodar e respeitar os seus filhos autistas, e de como os amar. Ou como os irão ajudar, nomeadamente a compreender-se e a aprender a como entrar num mundo cheio de neurotipicos. As narrativas dominantes do autismo, incluindo as partilhadas no momento do diagnóstico no período inicial, será ouvido e internalizado pelas famílias, crianças autistas e a sociedade como um todo.
Quando comecei a trabalhar nesta área recordo em muito as histórias contadas por muitas das minhas colegas. Nomeadamente aquelas que trabalham com as crianças mais pequenas e que os pais vêm procurar o diagnóstico. E de ainda hoje, sinto que todas elas são como esta espécie de Doulas e que em conjunto com esta sabedoria dos pais, ainda que envolta em receios e angustia, dão origem a este parte difícil mas sem dúvida importante e que se desenvolve ao longo de toda uma vida.
Tal como nesta questão das Doula, a sua participação não é consensual, seja junto de pais, mas também de profissionais de saúde. Penso que nestas histórias do autismo, também se contam histórias a muitos tempos diferentes. Há toda uma narrativa médica e psicológica, assente naquilo que são os critérios de diagnóstico e as características comportamentais, assim como os diferentes deficit. E depois verificamos que há uma crescente voz de vários narradores que fazem questão de sublinhar as competências e as forças emergentes presentes nas crianças autistas. E há profissionais de saúde que nunca esqueceram essa importância. E volto mais uma vez a recordar das histórias da minhas colegas que pegam estes pais ao colo e os embalam nas histórias igualmente importante dos seus filhos e das competências e forças que eles também apresentam.
Tal como se sabe que é fundamental a narrativa que vai sendo construída em torno da gestação. Seja no antes, mas também no durante e pós-gestação. Até porque muitas dessas histórias irão acompanhar os principais intervenientes desta. Sejam as próprias crianças, mas também os pais. Quantos pais não recordam os receios vividos antes da gravidez? E os sobressaltos durante a própria gravidez? E os mitos em torno do próprio momento de parto? E o que dizer de todas as situações nos pós-parto? Das noites mal dormidas, dificuldades na alimentação, as birras, as inúmeras birras, as escolhas do colégio e de escola, etc.? A forma como se contam estas histórias irá sem dúvida acompanhar estas crianças e a forma como elas vão ouvindo as primeiras histórias, mais ou menos envoltas em ansiedades ou em resiliências. Ainda não que não seja determinante na forma como o percurso de vida se vai desenhando, não deixa de ser fundamental. E aqui no que diz respeito às histórias contadas sobre o autismo no momento de entrega do diagnóstico é igualmente fundamental.
Os pais experimentam emoções mais positivas sobre o diagnóstico de autismo quando os profissionais de saúde que o fazem aumentam a sua positividade, respeito, confiança, etc. E que não se pense que este contar de histórias do autismo no momento inicial e tão precoce da vida das crianças não vai ser importante ao longo da vida.
Poder haver no momento de entrega do diagnóstico de autismo, uma abordagem baseada em pontos fortes sobre o desenvolvimento e o próprio diagnóstico para partilhar pode mudar a forma como os pais vêm os seus filhos autistas. E que por sua vez muda a forma como as crianças autistas se vêm a si próprias, levando a uma maior capacitação e auto-representação na idade adulta.
Lembrem-se que as palavras são poderosas. E que é fundamental fazer uma parceria com os pais durante a divulgação. Não deixando de ter um tom positivo e quente. Sem que deixem igualmente de ser honestos, mas mantendo uma atitude esperançosa. Considerando as diferentes intervenções possíveis e as diferenças culturais e outras, abordando as necessidades de apoio dos cuidadores. É muito assim que eu recordo as histórias iniciais sobre o autismo contadas pelas minhas colegas. E é assim que agora vos venho recontar.
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