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Doc, e agora o que é que eu faço?

Doc, e agora o que é que eu faço?, poderia ser perfeitamente uma legenda para acompanhar esta mesma imagem de um filme sobejamente conhecido por muitos - Regresso ao Futuro. Nesta altura do ano são muitos aqueles que estão a terminar o seu ano lectivo. E muitos são finalistas. E apesar das condições actuais devido ao COVID-19, são muitos os alunos e alunas do 12º ano que se estão a preparar para o seu baile de finalistas. Mas não é o caso de alguns. Seja porque não manifestam interesse em participar neste tipo de evento. Porque sentem que são mais tímidos e não estão a conseguir mobilizar-se para estar presente. Até porque alguns deles não têm um grupo de amigos de referência para os motivar a ir. Ou então porque se recusam a ir sem terem um parceiro ou parceira para o baile.


Há alguma coisa que a tua escola esteja a preparar para o final do ano lectivo?, pergunto ao Carlos (nome fictício). Como assim preparar?, responde-me imediatamente. Por exemplo alguma festa, baile de finalistas, etc., disse-lhe. Ah sim, acho que vai haver uma coisa dessas, um baile de finalistas, disse-me com uma tonalidade de quem não estaria muito interessado no evento. E vais?, perguntei-lhe. Não!, responde-me novamente de imediato. E ficou em silêncio. Parecia não ter mais nada a acrescentar. E na verdade respondeu ao que eu lhe perguntei. E queres explicar-me porquê?, perguntei-lhe. Não quero ir. Não gosto da ideia. Não gosto de música. Não sei o que é que fazem mais nesses bailes, mas não gosto da ideia, referiu. Também podem dançar, respondi-lhe. Olhou para mim com um certo ar incrédulo. Não gosto de dançar. Nunca dancei. Podes conversar com alguém que conheças que vá, acrescentei-lhe. Conheces alguém que vá?, perguntei-lhe. Sim!, respondeu-me. É alguém que conheces bem?, perguntei-lhe. Sim!, disse-me. Já falaste com ela sobre o baile?, perguntei-lhe. Não, mas ela não tem falado de outra coisa. Anda a falar de comprar ou alugar uma roupa qualquer esquisita!, disse. Roupa esquisita?, perguntei-lhe. Sim, um vestido!, respondeu-me. É algo muito comum das raparigas quererem levar a um baile de finalistas. E os rapazes costumam escolher levar um fato, por exemplo, disse-lhe. Aquilo com gravata?, perguntou-me com ar algo aflito. Sim, mas não obrigatoriamente.


Este diálogo com o Carlos e que poderia perfeitamente acontecer com a Daniela (nome fictício), igualmente finalista como o Carlos, mostra a forma como muitos jovens autistas podem encarar este tipo de eventos. No caso do Carlos, as hipersensibilidades auditivas e tácteis são sentidas como um grande entrave. Quando falamos da roupa a levar verificamos que há todo um conjunto de constrangimentos para além da gravata. A própria camisa com colarinho torna-se um problema. E ainda que tenha referido a possibilidade de usar uma gola de padre. A resposta imediata foi de que a camisa tem botões. Não que o Carlos não os saiba abotoar. Já teve mais dificuldades, agora não. Mas o simples facto de ter de fazer um determinado esforço para algo que sente que não lhe faz sentido ir é visto como um dos grandes impedimentos.


Obviamente que o Carlos, a Daniela e tantos outros jovens autistas não têm de obrigatoriamente ir ao baile de finalistas ou a qualquer outro tipo de eventos. Assim como qualquer um de nós. No entanto, percebemos que estes e outro tipo de eventos sociais são fundamentais para estabelecer e consolidar as relações com as pessoas. E por isso parece fundamental que se possa ir trabalhando estes aspectos com as pessoas autistas ao longo da vida. Volto a sublinhar que não se trata de obrigar as pessoas autistas a fazerem algo que é excruciante para sim. Mas quando se explora com maior detalhe algumas das razões das pessoas autistas de não irem a eventos tais como o baile de finalistas, verificamos que caso eles vão, temos garantia de que não será uma experiência horrível.


Tal como em outras situações, mesmo que quotidianas, em que se adapta a textura das roupas devido à hipersensibilidade. Ou se usa uns fones com cancelamento de ruído devido à música que vai estar a tocar no recinto. E porque não ensinar a dançar, tal como se ensina a atar os atilhos dos sapatos e os botões da camisa, etc. Além do mais, é mais do que plausível que se possa dizer ao jovem autista que pode ir ao baile de finalistas e sair na altura da Cinderela. Ou seja, não precisa de estar todo o tempo de duração do evento. E quando no evento não precisa de estar todo o tempo imerso na situação. Ou seja, todo o acontecimento pode ser preparado e antecipado até um determinado limite com a pessoa autista para ajudar a ter um conjunto de respostas para dar em várias situações possíveis de acontecer.


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