Disclose a disability, que em Português se pode traduzir como divulgar uma deficiência, é uma questão que aparece frequentemente nas pessoas, precisamente aquelas que são portadoras de uma deficiência. Devo ou não dizer que tenho esta condição? E se sim, a quem? E como? E o que pode acontecer? Posso ser prejudicado? Poderíamos pensar que se trataria apenas de informar ou partilhar a informação para que as outras pessoas pudessem ter conhecimento, e não havia mais nada, certo? Mas não, infelizmente não é o caso. Mas estamos mais perto desse momento. E tal como o próprio título refere, estamos mais close (i.e., perto).
Se algum de nós aparecer no trabalho com o braço ou a perna engessada e de canadianas, partimos do pressuposto que será fácil para as pessoas, chefia e colegas, de perceber o que poderá ter acontecido connosco. Umas férias de inverno em que decidimos aprender a esquiar, ou uma dia mais apressado nas ruas de Lisboa e que culminou numa escorregadela na calçada Portuguesa. No entanto, há muitas outras situações que não são de todo visíveis, e algumas situações são mesmo invisíveis. Pesamos então em situações em que a nossa vida pode não estar a correr da melhor maneira, e que muitas das pessoas no nosso local de trabalho não têm sequer ideia do que se pode estar a passar, ainda que os nossos amigos mais próximos possam compreender. Mas ainda assim, parece ser algo que facilmente podemos desabafar com algum colega, mesmo que não sendo nosso amigo.
Mas há toda uma categoria de outras situações, principalmente que pertencem às perturbações mentais e a outras situações de deficiência, em que já não acontece desta forma. Nomeadamente, porque o estigma associado a estas situações continua a ser ainda demasiadamente visível e causador de um grande impacto e negativo. Aquilo que muitos de nós ouvem falar sobre as perturbações mentais ou deficiências leva a considerar não falar desta sua situação com quase ninguém. Desde as designações de maluco, maluquinho e outros derivados, passando pelo coitado ou coitadinho, incapaz, e todo um discurso capacitista em torno das pessoas portadoras de deficiência e que leva a que muitos não desejem que se conheça a sua condição. E este desejo acontece ao longo da vida e desde muito cedo. Por exemplo, os adolescentes começam desde cedo a compreender que muitos colegas e outros adultos parecem não ter sensibilidade e respeito face à sua condição. É conhecido que muitas destas pessoas são desde cedo vitimas frequentes de bullying na Escola. E desde cedo vão aprendendo e consolidando esta ideia de que são muitas as pessoas e Instituições que parecem não ter esta sensibilidade e respeito.
Quando chegam à vida adulta a sua crença está muito enraizada na maior parte das vezes, no sentido de que precisam de ocultar a sua condição, ainda que tenham conhecimento de que a mesma possa ter alguma legislação que sirva de apoio. Por exemplo, tal como até ao 12º ano tiveram apoio através do Decreto-Lei 54/2018 para a Educação Inclusiva, existe legislação relativamente ao emprego protegido para pessoas portadoras de deficiência. Mas ainda assim as pessoas continuam a não querer fazer uma divulgação da sua condição. No entanto, nas pessoas autistas, apesar da sua condição poder ser considerada invisível, ainda assim, a pessoa autista apresenta um conjunto de características comportamentais que leva a que muitas outras pessoas se apercebam no contacto e na relação de que pode haver alguma coisa diferente. E tendo em conta que as pessoas não irão saber qual a condição da outra pessoa, irão poder fazer uma inferência acerca dos comportamentos desta. No entanto, estas mesmas inferências poderão estar enviesadas e carregadas de estereótipos e assunções erradas. Por exemplo, poderem considerar a pessoa estranha e ou bizarra. Dizerem que é mal educada ou anti-social, entre outras. Quando na verdade a pessoa não é nada disto, mas tem sim uma Perturbação do Espectro do Autismo. Numa situação em que as outras pessoas soubessem o que se passava poderia ser mais fácil de compreenderem e enquadrem esses mesmos comportamentos. Isto pelo menos em tese, ainda que nem sempre isso aconteça, até porque continua a haver muita ignorância e desinformação acerca desta e de outras condições.
E como tal são muitas as pessoas autistas e outras portadoras de deficiência que sentem que a sua vida é uma constante de discriminação. Seja esta feita porque as pessoas não sabem o que se passa consigo, mas também quando o sabem. Contudo, aquilo que a experiência nesta área nos vai informando é de que há um maior número de casos de situações em que o conhecer a condição da pessoa vai levar a melhor compreende-la e respeita-la. Além de que se houver mais pessoas a fazer esta divulgação passará a haver uma maior sensibilização, mas também normalização desta situação, além de haver uma maior noção de suporte social percebido.
Além do mais o custo associado a viver uma vida em silêncio sobre a sua condição, mas não só, também acerca da sua própria identidade, leva a que a pessoa não viva com autenticidade. E isto acarreta um custo, nomeadamente ao nível de um agravamento do seu estado de saúde psicológica. É comum verificarmos que pessoas autistas que usam com mais frequência comportamentos de camuflagem social, são aqueles que apresentam níveis mais elevados de ansiedade e depressão, comparativamente a outras pessoas autistas adultas que assumem a sua condição livremente perante os outros. Também é verdade que as pessoas, sejam autistas ou não, sentem que o facto de dizer aos outros que são autistas, podem leva-los a ser discriminados no acesso ao trabalho. E isso é tremendamente impactante, injusto, mas também ilegal. E é aqui que precisa de haver um trabalho não só de sensibilização mas também de penalização. Para além de poder haver legislação que promove a criação de cotas, tal como a Lei 9/2019 recentemente aprovada em Portugal. Ainda que esta só seja aplicada a pessoas com um nível de incapacidade igual ou superior a 60%, deixando de fora muitas pessoas autistas, mas também com outras condições, nomeadamente na saúde mental.
É fundamental que a legislação actual possa ser mais ousada. E que possa, para as situações em que as pessoas têm um diagnóstico de uma perturbação neuropsiquiátrica, que tal como a Perturbação do Espectro do Autismo, seja uma condição crónica que acompanha a pessoa ao longo do ciclo de vida. Que exista a criação de cotas para a integração psicossocial de pessoas com esta e outra condição. E que as cotas não tenham valores de incapacidade tal como a actual (60%). Até porque pensar que uma pessoa com Perturbação do Espectro do Autismo nível 1 e que associado tem uma Perturbação de Ansiedade, não tem um conjunto de dificuldades enormes para o acesso condigno ao mercado de trabalho, é não só não compreender a realidade, mas também não estar a ser capaz de ser compreensivo em relação à vida das pessoas.
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