Uma pessoa da Alemanha entra numa sala. Também entra uma pessoa de Allemagne, uma pessoa de Deutschland, uma pessoa de Saksa, uma pessoa de Tyskland e uma pessoa de Niemcy. Pelo menos quantas pessoas estão na sala?
Já sabe a resposta?
À parte da situação colocada anteriormente de forma mais ligeira, sabemos que a questão da prestação de cuidados de saúde além fronteiras é bem mais complexa e profunda do que isso.
Mas as pessoas estão a circular cada vez mais e frequentemente. Adultos, mas também jovens e crianças conjuntamente com as suas familias passam temporadas maiores ou menores em países que não os de origem. E isso leva à necessidade dos países e insituições responsáveis se organizarem neste sentido de terem guiões orientadores para a prestação de cuidados de saúde a nível dos diferentes países, nomeadamente na União Europeia. Quem nunca se procurou precaver de levar alguns dos seus medicamentos quando viajou de férias ou em trabalho? A ideia de poder não conseguir fazer o avio da prescrição médica no país para onde vai leva muitas pessoas a terem todo um conjunto de cuidados. O mesmo se aplcia para aqueles com condições crónicas, por exemplo respiratórias, como é o caso da asma. Ou no caso das pessoas com doença oncológica e que possam necessitar de fazer alguma intervenção no decorrer desse tempo fora do seu pais de origem. Mas também temos o caso das perturbações psiquiátricas e da necessidade de fazerem a sua medicação. Ou então no caso de terem necessidade de recorrer no pais onde estão a uma consulta médica para o efeito.
Contudo, estas questões não se colocam somente do lado dos cidadãos, mas também dos próprios profissionais que precisam de ter conhecimento de como é a praxis dos seus pares nos outros países. E se por um lado, os aspectos respeitantes à prestação de cuidados de saúde médica parecem estar mais e melhor organizados. Por exemplo, encontramos os guiões da Associação Psiquiátrica Europeia que datam de 2012 e que propõem uma harmonização dos aspectos relacionados com as perturbações, como avaliar e intervir, etc. Ou em 2019 a proposta de um guião europeu para as perturbações da personalidade. O mesmo parece não acontecer para a saúde mental e mais especificamente no que diz respeito à práxis dos psicólogos. Um outro exemplo prende-se com a própria mobilidade dos profissionais de saúde no espaço europeu e não só. E se tivermos em conta a actual discussão das Ordens Profissionais percebemos que esta questão faz todo o sentido ser discutida individual e colectivamente.
Já para não falar de todos os aspectos respeitantes ao RGPD (Regulamento Geral de Protecção de Dados) e da importância da partilha de dados clínicos a nível europeu, por exemplo, para que os profissionais de saúde possam melhor responder às necessidades dos cidadãos em circulação por um determinado espaço.
A saúde mental é um fenómeno global e uma preocupação de todos, e como tal precisa de ser encarada dessa forma na compreensão da realidade das perturbações, das multiplas formas de as conceptualizar, avaliar e intervir. E como tal, isso parece criar uma pressão para esta harmonização das perturbações psiquiátricas além fronteiras. Por exemplo, os aspectos do estigma face à saúde mental parece ser um bom exemplo disso. Do que vale ter um conjunto de projectos fantásticos a serem postos em prática num determinado país europeu, quando vários dos seus congéneres não o estão a ser capazes. Tendo em conta a própria disseminação de informação na internet, temos um impacto generalizado do estigma além fronteiras.
E a questão parece ainda mais se tornar desafiante quando diz respeito ao diagnóstico. Por exemplo, um diagnóstico médico, nomeadamente um diagnóstico realizado por um médico psiquiatra parece não representar nenhum obstaculo quando o cliente viaja por outros países com a indicação desse mesmo diagnóstico. Mas a situação já não é bem assim quando este diagnóstico é feito por um psicólogo. Ainda que vá existindo uma propensão para a harmonização do processo de avaliação do autismo, nomeadamente na pessoa autista. E se sabe que os instrumentos comumente utilizados são o ADI-R e o ADOS-2 módulo 4. Ainda assim, e mais especificamente no caso da pessoa adulta, sabemos existir todo um conjunto de questões e adaptações necessárias no processo de avaliação e que irão determinar algumas escolhas no processo de avaliação. E isso pode colidir quando falamos de profissionais da área da psicologia de diferentes países.
E na área do autismo esta questão parece ainda se tornar mais gritante. Por exemplo, um pessoa de nacionalidade Portuguesa que realiza uma avaliação de despiste de Perturbação do Espectro do Autismo em Portugal e decide viajar para Espanha, França, Alemanha, etc., pode acontecer-lhe que este mesmo diagnóstico não seja aceite no país em questão. E que inclusive dizem que a pessoa terá de fazer uma nova avaliação no país em questão onde está para corroborar esse mesmo diagnóstico. Ou então se a pessoa tem uma nacionalidade diferente da portuguesa, mas ainda assim decide fazer uma avaliação de despiste de Perturbação do Espectro do Autismo em Portugal, porque no seu pais de origem a lista de espera é grande. Mas mais uma vez quando a pessoa em questão procura junto dos serviços de saúde do seu pais levar este diagnóstico pode não ser aceite e mais uma vez ser referido a necessidade de fazer uma nova avaliação.
É verdade que podemos sempre dizer que há a DSM 5 ou a ICD 11 para determinar o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Mas até dentro do próprio país sabemos perfeitamente o conjuto de diferentes posições que existem sobre este diagnóstico. Já para não falar da própria dificuldade em se conseguir olhar para os manuais de diagnóstico e conseguir ver nas descrições um espelho daquilo que é a diversidade e heterogeneidade do próprio autismo.
Коментари