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Dia de ir ao psicólogo

Às vezes fico a pensar como é que o meu psicólogo pensa sobre o meu autismo!, diz Artur (nome fictício). A maior parte das vezes estou tão absorvida nas sessões que nem sequer penso em como é que o meu psicólogo está em relação ao que é falado! diz Cristina (nome fictício).


Estas duas ideias de duas pessoas autistas adultas em acompanhamento, deixa a noção de que há muito pouco que se sabe sobre o que uns e outros pensam e sentem na psicoterapia com pessoas autistas. Sejam as pessoas autistas adultas mas também os psicólogos que os acompanham pensam e sentem muitas coisas. Em outros textos tenho escrito um pouco mais sobre a perspectiva das pessoas autistas sobre a sua terapia. O texto de hoje centra-se mais em como os psicólogos que trabalham nesta área (podem) pensam e sentem em relação ao autismo e ao acompanhar a pessoa autista. As ideias aqui apresentadas não representam a totalidade daquilo que é a realidade. Muito pelo contrário, as ideias aqui apresentadas sinalizam aquilo que é o sentir e pensar que por vezes acontece nos psicólogos clínicos que acompanham pessoas autistas. Como é que a intervenção clínica com as pessoas autistas deve ser adaptada para ir ao encontro das pessoas e das suas necessidades? E deve ser adaptada? E isso significa que a estrutura das próprias sessões, a sua duração e outros aspectos relevantes podem ser repensados e adaptados? E se sim, como? E com que segurança e fiabilidade!? E a relação terapêutica?! Como é que tudo aquilo que fomos aprendendo sobre a relação terapêutica, e mais aquilo que vai sendo investigado, ainda hoje sobre o tema, deve/pode/necessita de ser reflectido no acompanhamento das pessoas autistas?! As perguntas são muitas e não se esgotam aqui. E garantidamente vão continuar a surgir, seja porque cada vez mais se pensa e fala sobre o autismo. Mas também porque se vai investigando nestas mesmas questões. A própria formação dos psicólogos vai acolhendo estas novas reflexões sobre as adaptações necessárias e isso traz um apport fundamental para o que se faz na prática clinica. A variabilidade e heterogeneidade é igualmente grande e rica, assim como o é nas pessoas autistas. Mas penso ser importante que se possa tentar desmistificar aquilo que é ou pode ser pensado e/ou sentido pelos psicólogos. Até para os humanizar e desendeusar.


Penso que a ansiedade é algo que vemos com frequência. A ansiedade é algo que pode realmente atrapalhar, esse tipo de preocupação com a interação, a preocupação com a forma como serão vistos, saber o que dizer, saber qual é o contexto da terapia, especialmente se nunca estiveram em terapia antes. diz José (nome fictício), psicólogo clínico.


A preocupação mais comum sobre vir à terapia é a confiança. Muitas vezes, do género "vai julgar-me?". E a ansiedade social do tipo "o que é que vai pensar de mim?" e "será que vai ser uma pessoa que me apoia? diz Catarina (nome fictício), psicólogo clínico.


Muitos deles falaram de não se sentirem compreendidos, ou de não saberem se as sessões serão suficientes para os ajudar, e por isso não querem confiar no terapeuta se não houver algo que seja útil. diz Júlio (nome fictício), psicoterapeuta.


Acho que é difícil comunicar de forma não verbal, usando expressões faciais, contacto visual, tom de voz. Por isso, é muitas vezes difícil para o terapeuta saber o que está a comunicar. refere Tomás (nome fictício), psicólogo clínico.


Uma das coisas comuns que vemos na nossa clínica é a alexitimia, que é uma dificuldade comum em que as pessoas têm dificuldade em explicar, descrever ou rotular determinadas emoções em si próprias. E quando estamos a pensar nas emoções que sentimos numa dada situação, penso que isso pode ser muito difícil para as pessoas com PEA. diz Júlio (nome fictício).


Também pode haver alguma alexitimia. Eles podem não parecer responder às perguntas que eu faço e isso pode ser um gatilho para eles porque pensam, Não consigo responder às perguntas desta pessoa, Devo estar a fazer algo de errado ou Estou a falhar nisto ou Não sei o que fazer, e por isso a sessão em si pode tornar-se um gatilho vivo para eles. diz Alberto (nome fictício), psicólogo clinico.


Outras barreiras podem incluir o facto das pessoas poderem não querer vir para aqui, mas estão a ser empurradas pelos familiares. diz Alberto (nome fictício).


Penso que, por vezes, há uma espécie de conflito entre o que a família quer e o que a pessoa quer, e há uma espécie de luta para saber qual é a minha posição se vou ter comunicação com os pais ou a família e com a pessoa com quem estou a trabalhar. E penso que, por vezes, isso pode atrapalhar se a pessoa sentir que não estou a trabalhar com ela. Sim, talvez haja uma diferença no tipo de objectivos. diz Catarina (nome fictício)


Suponho que outra coisa que pode ser difícil é o ritmo, porque essa é uma das coisas que eu realmente tive de adaptar. A minha compreensão é que a minha velocidade habitual de falar e fornecer informações é demasiado rápida. Assim, penso que para algumas pessoas com autismo isso é realmente difícil na terapia, uma vez que não são capazes de processar a informação à mesma velocidade que o terapeuta. diz Ana (nome fictício), psicóloga clínica.

Suponho que as pessoas podem demorar um pouco mais a compreender conceitos do que os adultos típicos. Portanto, isso pode ser um verdadeiro desafio, pode tornar a terapia mais difícil. diz Ana (nome fictício)


Penso que, por vezes, podem ter dificuldade em estar numa sala com alguém, dificuldade em pensar em mudar as coisas, e penso que, muita vezes, há um estilo de evitamento/convivência, e acho que ir à terapia significa ir contra isso. Penso que o evitamento é muitas vezes uma barreira. diz Raquel (nome fictício), psicoterapeuta.


Tentar olhar para qualquer um dos factores típicos de manutenção que possam estar a exacerbar algumas das ansiedades, os comportamentos de evitamento podem estar a piorar a ansiedade a longo prazo. diz Raquel (nome fictício).


Há objectivos relacionados com a socialização, mas de uma forma que aborda as dificuldades de socialização. Ou socializar e construir relações que sejam significativas, penso que esse é um objetivo comum. diz Carlos (nome fictício).


Penso que os objectivos das pessoas em termos de socialização variam, mas as coisas típicas seriam formar amizades, formar relações românticas. diz Ana (nome fictício)


Acho que alguns dos objectivos são coisas como querer ser mais confiante em certas situações para poder sair mais e socializar mais. diz Catarina (nome fictício).


Pensar no ponto em que a pessoa se encontra ou no que quer mudar, analisando quais as competências de que podemos necessitar numa perspetiva de TCC, fazer algumas experiências ou algum tipo de exposição, alguma prática, para aumentar a confiança de que as pessoas podem socializar. diz José (nome fictício)


Penso que com os rapazes mais velhos há uma pequena diferença em termos de pensar em como as suas dificuldades estão enraizadas, em termos de terem uma história realmente longa de não serem capazes de construir relações. E parece sempre que isso é ainda pior para os mais velhos, porque podem ter lutado durante muito tempo. diz Pedro (nome fictício), psicólogo clínico.


A minha experiência com pessoas muito mais velhas é que muitas das crenças e muitos dos comportamentos e rotinas estão muito mais enraizados. Mas, inversamente, com os mais jovens, senti que havia talvez uma maior abertura e vontade de mudar. diz Pedro (nome fictício).


Os jovens apresentam-se muitas vezes como muito mais novos do que são, por isso os jovens de 20 anos podem muitas vezes parecer adolescentes. Também por isso também é preciso adaptar isso. Além disso, isso significa que os membros da família podem vir mais frequentemente à terapia e envolver-se. diz Pedro (nome fictício).


As mulheres com PEA que vêm à terapia aqui são muitas vezes muito melhores a fazer as coisas sociais, a conversa fiada ou a educação ou o tipo de colmatar lacunas. diz Anabela (nome fictício), psicoterapeuta.


Algumas das mulheres que vi parecem mais sociais e, em geral, mais capazes de comunicar com outras pessoas: E alguns dos homens são um pouco mais retraídos, têm um pouco mais de dificuldade em sair e socializar. diz Anabela (nome fictício).


Tentar compreender em conjunto o que é que a pessoa traz para a terapia, a sua história, e depois tentar compreender alguns objectivos conjuntos, porque a relação é realmente uma relação que colabora para os objectivos que a pessoa concordou e que vocês estabeleceram em conjunto. diz Anabela (nome fictício)


Ser muito claro sobre o que posso oferecer e ser transparente, tentando ser realmente colaborativo, partilhando a formulação e construindo-a em conjunto e tentando perguntar à pessoa as suas preferências. diz Rosa (nome fictício), psicoterapeuta.


O que foi bom foi o facto de ter sido muito colaborativo. Acabou com o aspecto "nós e eles" da terapia. E penso que foi muito bom para o envolvimento, porque nos fez sentir que estávamos a trabalhar em conjunto. diz Anabela (nome fictício).


Temos sessões mais longas, digamos 20 a 25 sessões. E fazemos uma série de actividades de literacia emocional no início. Portanto, tentam perceber o que são as emoções e como falar sobre elas. diz Rosa (nome fictício).


Pode haver diferenças na forma como falamos sobre as emoções. Por isso, muitas vezes trata-se de encontrar uma linguagem comum que nos permita ter a certeza de que estamos a falar da mesma coisa, porque se não estivermos, isso pode atrapalhar. diz Júlio (nome fictício).


Uma das coisas que considerei mais úteis foi descobrir os interesses das pessoas e utilizá-los como uma forma de construir a relação. diz Carlos (nome fictício).


Outra coisa que considero particularmente útil é descobrir junto das pessoas quais são os seus passatempos e interesses e associá-los aos seus pontos fortes: Isso pode muitas vezes ser útil para aproveitar numa intervenção. Normalmente, faço uma avaliação um pouco menos estruturada para lhes dar tempo para falarem de coisas que são importantes para elas. diz Pedro (nome fictício).


Há algo na utilização de diferentes formas de comunicação, como escrever coisas no quadro ou materiais visuais. Algumas pessoas podem ser mais visuais, por isso podemos fazer mais desenhos ou diagramas. Algumas pessoas podem ter dificuldade em comunicar, pelo que podemos escrever mais as coisas. diz Anabela (nome fictício).


Penso que leva tempo. E penso que se trata de criar confiança. Por isso, penso que muitas vezes se trata de ser alguém consistente, transparente, claro e fiável. É assim que sinto que posso criar segurança. Estruturar um pouco melhor a minha sessão, definir um foco e uma agenda muito claros para a sessão e manter um objetivo para a sessão, em vez de tentar fazer muita coisa. diz Anabela (nome fictício).


Também lhes perguntaria sobre as suas sensibilidades sensoriais. "Esta sala está bem? Estás a sentir calor?", "E as luzes?". E muitos deles são capazes de dizer "na verdade, as luzes estão a incomodar-me". diz Rosa (nome fictício).


Pode tratar-se de ir ao encontro das suas necessidades sensoriais, se possível, explorando com eles o que funciona. Por vezes, algumas pessoas preferem sentar-se mais de lado e, mais ou menos, olhar em conjunto para algo na mesa. Isso ajuda a diminuir a sua ansiedade e, assim, conseguem envolver-se mais e estabelecer uma relação comigo. diz Catarina (nome fictício).


Pode haver coisas na comunicação que fazemos de forma diferente. Não usar metáforas pode ser uma coisa, e ser mais literal na forma como comunicamos. Ser mais explícito sobre as coisas, a estrutura, pensar sobre a linguagem e a utilização conjunta da linguagem. diz Catarina (nome fictício).


Coisas como a representação de papéis foram muito eficazes como uma espécie de terapia de exposição, fazendo com que a pessoa experimentasse coisas diferentes. Praticar e obter feedback do ator com quem estava a desempenhar o papel. E pode desenvolver-se competências sociais com uma espécie de dramatização. Portanto, parte do trabalho envolve pessoas que têm de comunicar com outras pessoas. Por isso, tem tudo a ver com as adaptações e também com as dramatizações reais sobre como comunicar com outras pessoas. A forma como as conversas são mantidas com pessoas diferentes pode ter muitas nuances, pelo que a realização dessas conversas com as pessoas na sessão pode ser bastante útil. diz José (nome fictício).


As questões que aqui são afloradas parecem reflectir principalmente o desconhecimento do autismo na sua expressão comportamental tão variável. Esse mesmo desconhecimento, que em muitos de nós não psicólogos,, leva a formar preconceitos e pré-conceitos, enviesados e errados sobre o autismo e as pessoas autistas, também acontece com os psicólogos e na sua prática clinica. E ainda que estes últimos, sendo profissionais de saúde mental, sejam responsáveis do ponto de vista ético e deontológico sobre a sua prática clínica. Assim como da importância de manterem a sua formação continua, para além dos aspectos de intermissão e supervisão. Ainda assim não deixam de ser pessoas numa relação. Não numa relação qualquer, mas sim numa relação terapêutica. Muitas vezes digo que tenho aprendido muito com os meus colegas que antes de mim já trabalhavam nesta área. Mas fundamental continuo a aprender e em muito com todas as pessoas autistas que acompanho. O assumir uma posição de não julgamento, que deve ser adoptada por todos os psicólogos. Muitas vezes é ameaçada na relação de acompanhamento com pessoas autistas. A fronteira de muitas situações colocada nas sessões é um desafio constante. E se já têm lido sobre o desafio que é sentido pelas pessoas autistas na terapia. Agora também ficam com uma ideia de como pode ser com a outra pessoa (psicólogo clínico)!


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