Os livros tal como a música sempre foram uma companhia inigualável das pessoas. As letras contidas nos refrões continuamente trauteados. As lágrimas que vertemos enquanto pensávamos o quanto o nosso cantor favorito parecia adivinhar o que sentiamos. Da mesma forma como os livros que nos transportam seja para dentro de nós em viagens únicas de descoberta. Mas também para fora de nós ao ponto de fazermos pontes com todos os outros que se atrevem a ler-nos. Foi o que acontecem com Tom Cuttler no seu recente livro já lançado - "Keep Clear".
Já não é a primeira vez que me chega um cliente ao consultório com um livro debaixo do braço, guardado religiosamente na mala e até mesmo na sua memória infinita e me diz - "Comecei a ler este livro e ao fim de algumas páginas tive de parar e perguntar-me se também eu seria do Espectro dos Autismo!?". E ainda recentemente me voltou a acontecer o mesmo com um cliente que trazia o livro do Tom Cuttler - Keep Clear, e mais uma vez a pergunta se repetiu. E com mais outra pergunta igualmente recorrente - "É possível que alguém se sinta aliviado com o diagnóstico?!". Esta pergunta faz lembrar as palavras de Tony Attwood quando fala acerca deste mesmo tópico e refere que quando diz a um adulto que tem o diagnóstico o faz dizendo - "Parabéns, tem Síndrome de Asperger!".É verdade que nem todos reagem bem a esta ideia do "parabéns, tem Síndrome de Asperger!". E estou igualmente certo que o Tony Attwood também não diz apenas isto e já está. Esta ideia do parabéns representa precisamente esta noção de alivio. Do "Agora já me consigo compreender e aos outros também!". Do "Agora já sei que não sou nenhum mal educado, ano-social, psicopata, arrogante, rude, etc.!".
Tom Cuttler também descobriu agora em adulto que tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. E descreve o alívio de encontrar seu lugar num mundo que anteriormente o havia esquecido ou excluído.
É fácil esquecer que, até o final dos anos 80, a noção de uma pessoa autista capaz de escrever uma autobiografia convincente foi descartada pelo estabelecimento psiquiátrico de algo altamente improvável. As pessoas com PEA eram então vistas como alguém incapazes ou muito pouco capazes e muito menos de escrever um livro. Embora o termo "autismo" tenha sido originalmente derivado da palavra grega para "autos", pessoas "emsimesmadas" - que eram rotineiramente descritas por especialistas não-autistas como "presas em seu próprio mundo" - eram ironicamente consideradas incapazes do tipo de introspecção e auto-reflexão necessária para produzir documentação confiável de sua própria experiência.
Quando o designer industrial Temple Grandin publicou Emergence: Labeled Autistic em 1986, foi anunciado como 'o primeiro livro escrito por uma pessoa autista "recuperada" - a suposição de que uma pessoa autoconsciente o suficiente para contar sua própria história não deve mais ser autista . Hoje, Emergence ainda é descrito pelo Google Books como "o relato em primeira mão de uma mulher autista corajosa que venceu as probabilidades e se curou". Mesmo um leitor tão compreensivo quanto o neurologista e escritor Oliver Sacks, cujo perfil sensível de Grandin, da New Yorker, tornou-se a peça central de seu best-seller Um Antropólogo em Marte, inicialmente suspeitava que a co-autora não-autista de Margaret Grand, Margaret Scariano, devesse ter feito a maior parte da organização do material em um livro. Mas então Sacks leu uma pilha de artigos científicos que Grandin publicou por conta própria e achou sua voz autoral consistente, inconfundível, inimitável e cheia de discernimento. Claramente, ela não se "curou" de autismo. Em vez disso, ela transformou sua experiência distintamente autista do mundo em uma narrativa convincente.
As autobiografias das pessoas autistas tornaram-se seu próprio subgénero literário próspero, abrangendo uma gama de livros auto-publicadas a best-sellers internacionais, incluindo o hilariante Look Me in the Eye de John Elder Robison (que conta não apenas suas dificuldades sociais, mas também as suas aventuras no estrada, construindo guitarras cuspidoras de fogo para a banda de rock Kiss), passando pelo Nobody Nowhere, de Donna Williams, e The Reason I Jump, de Naoki Higashida, que está a ser transformado num documentário. No ano passado, a académica autista Melanie Yergeau publicou uma visão assustadoramente espirituosa e subversiva desse florescente campo chamado Authoring Autism. O que antes se pensava improvável é atualmente uma esfera de estudos em expansão que está a influenciar a direção da pesquisa científica, à medida que a experiência vivida de autores autistas emerge das sombras de décadas de estereótipos e estigmas.
Agora Tom Cutler, autor de vários outros livros decidiu contar a sua própria história de vida com uma forte falta de sentimentalismo em Keep Clear: My Adventures with Asperger's. Em vez de ser a saga de um escritor que superou a sua incapacidade de se tornar um autor de best-sellers, é o inverso: a história de um autor prodigiosamente talentoso que finalmente conseguiu entender décadas de percalços sociais, erros de cálculo e mal-entendidos. ao adotar um diagnóstico da Síndrome de Asperger aos 55 anos de idade, depois de sua vida se ter tornado um desastre que qualquer terapia parecia ser capaz de reparar.
Para Cutler, ser "rotulado de autista" foi um alívio profundo, finalmente permitindo que ele encontrasse seu lugar no mundo que sempre o ignorou, o excluía activamente ou considerava seus interesses intensos (que incluem sinais de trânsito, placas de carros, tipografia, efeitos sonoros e de design em filmes) como algo bizarro. Ele descreve o dia de sua avaliação - pela notável autista e diagnósticada Sarah Hendrickx - como o dia mais feliz de sua vida.
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