Ao fim de algum tempo virei-me para Deus, diz Gonçalo (nome fictício). Depois de quase quinze anos a tentar trabalhar e sem conseguir, não aguentei mais e virei-me para a religião, continua. Mas nem isso me deu paz. Penso que fiz tudo o era preciso fazer. Fui à escola, terminei o 12º ano. Depois fiz a Universidade num curso que sei que há saída. Mas nada. Nem o facto de ser fluente a Inglês. O que é que eu fiz de errado?, concluiu perguntando.
Gonçalo tem quarenta e um anos, feitos a semana passada. Terminou a Universidade com vinte e seis anos. Teve algumas retenções durante a escolaridade obrigatória. E o Ensino Superior acabou por necessitar de mais tempo. Mas fez tudo o que lhe disseram para fazer. Gonçalo tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Na altura em que foi diagnosticado o nome ainda era outro. O Gonçalo tinha sete anos de idade. Na altura estava a frequentar o 1º ciclo no 2º ano e não estava a conseguir fazer as aprendizagens necessárias para transitar de ano. Já tinha tido algumas outras dificuldades na pré-escola e inclusive aconselharam os pais a adiar a matricula. Mas os pais não viram que essa solução por si só fosse resolver as dificuldades do Gonçalo, nomeadamente a sua dificuldade em lidar com as outras crianças. E apesar de nunca nenhum médico ter dito nada aos pais acerca do desenvolvimento do Gonçalo. Ainda que os pais já tivessem insistido que alguma coisa se haveria de passar. O certo é que o diagnóstico de Síndrome de Asperger (nome na altura), não foi difícil de fazer.
Cheguei a ir a feiras de emprego quando estava no 12º ano e até mesmo quando estive na Universidade, refere. Mesmo lá, nas entrevistas que me fizeram nunca ninguém me chegou a responder. Disseram-me apenas que iam ficar com o meu Cv, acrescenta. Já na altura percebia que algumas das minhas características poderiam dificultar algumas coisas, sublinha. Mas ainda assim eu sempre fui uma pessoa muito competente e empenhada, diz. E ao longo do tempo acho que sempre tive disponibilidade para poder fazer as coisas de forma diferente, mesmo que isso seja difícil ao inicio, concluiu.
Amanhã estaremos a 1 de setembro de 2021. E Gonçalo não vê que venham a haver muitas diferenças na sua situação. Há três anos atrás ainda procurou solicitar um Atestado Multiuso numa Junta Médica, mas não atingiu os 60% de incapacidade para poder solicitar alguns apoios. Apesar das suas dificuldades, do sofrimento psicológico com a ansiedade e a depressão, nada disto pareceu ser suficiente.
A situação do Gonçalo não é única. E não é apenas em Portugal que estas situações ocorrem. Os números referentes à empregabilidade das pessoas autistas é assustador. No Reino Unido sabe-se que cerca de 80% das pessoas autistas não estão a trabalhar.
O que é que é preciso acontecer para isto mudar?, pergunta Gonçalo. E pergunta muito bem. Até porque o discurso de que muito já foi feito até então já não chega para o Gonçalo. A vida não espera por mim, diz. Eu tenho quarenta e um anos. Quando é que vou começar a trabalhar? E se não for por causa do autismo é devido à idade. Ou então porque a minha formação já não é adequada. Estão a dizer-me para eu desistir da vida é o que é, concluiu.
As mudanças nesta área surgem a conta gotas, independentemente do avanço cientifico e do conhecimento existente em relação ao autismo. Mas estamos a falar de mudança de comportamentos e atitudes e isso leva mais tempo. E mesmo com a introdução de legislação para facilitar a empregabilidade das pessoas com deficiência, ainda assim as coisas são demoradas.
Nunca estive numa feita de emprego para pessoas com deficiência, diz. Porque é que não fazem uma feira de emprego apenas para pessoas com deficiência?, questiona. Porque é que não realizam uma iniciativa deste tipo para mostrarem às empresas o potencial das pessoas com deficiência?, continua. Assim, seria uma forma das empresas de uma maneira geral poderem conhecer melhor todas as nossas características. Quer aquelas dos diagnósticos mas principalmente aqueles que dizem respeito à nossa pessoa individualmente, concluiu.
Eu não acrescentaria mais nada. O Gonçalo fez as perguntas mais importantes. Haja agora quem de direito que as responda e que de preferência não demore muito. É que o Gonçalo já tem quarenta e um anos.
Comments