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Como é um neurotipico?

Um destes dias perguntaram-me em consulta - Como é uma pessoa neurotipica? Apesar da aparente simplicidade da pergunta, para mim pareceu-me uma pedrada no charco. Pensei bastante sobre isso, e confesso que ainda não tenho uma resposta completa. E depois também pensei em que imagem poderia usar para completar este texto de hoje. O que e também me levou a rever todo um conjunto de ideias do que poderá representar do ponto de vista pictográfico o ser neurotipico! E como podem perceber a questão não tem nada de simples, como na verdade a maior parte das coisas da vida de cada um de nós.


É verdade que poderia ter respondido que eu sou um exemplar de uma pessoa neurotipica. Mas na verdade essa resposta não seria suficiente, até porque a outra pessoa não sabendo que é a minha pessoa ficaria igual, ou seja, sem saber o que é ser neutotipico. Mas também pensei que não poderia simplesmente dizer como é que eu sou e justificar o ser neurotipico com exemplos de características pessoais. Até porque nas pessoas neurotipicas vamos encontrar uma heterogeneidade suficientemente grande. Assim como também o dizemos para as pessoas neurodivergentes. E já temos duas palavras, neurotipicos e neurodivergentes, que muitos podem não perceber o que significa, mas eu já lá irei. E como tal necessitei de pensar em características de pessoas neurotipicas e que fossem diferentes daquelas que são ditas como pertencendo às pessoas neurodivergentes. Confesso que é um pensamento muito cartesiano, mas ainda assim, poderá ajudar a pensar no que é ser neurotipico.

Mas porquê esta questão de saber o que é uma pessoa neurotipica?


A pessoa neurotípico é um termo utilizado para descrever indivíduos com desenvolvimento ou funcionamento neurológico típico. Convém dizer que este termo foi criado na comunidade autista ou neurodivergente. Isto porque a designação neurotipico representa ou pode representar na maior parte das vezes como o contrário do ser neurodivergente e isso significar na maior parte das vezes uma representação negativa.


Ou seja, as pessoas autistas ao longo dos anos, e ainda hoje mesmo, sentem que existe uma marcada incompreensão de quem eles são, se comportam, pensam e sentem, por parte das pessoas não autistas, ou seja, neurotipicas. E como tal parece que a visão do que é ou pode ser neurotipico possa significar uma coisa negativa. E como tal fica ainda mais desafiante explicar a uma pessoa autista o que pode ser uma pessoa neurotipica! No entanto, parece-me importante que as pessoas autistas possam também ter acesso a uma compreensão do que pode ser uma pessoa neurotipica, principalmente para além daquilo que é uma experiência negativa e até mesmo traumática no contacto com pessoas neurotipicas ao longo da vida. Até porque se uma pessoa autista poder perceber o ser neurotipico pode ter mais e melhor competências para lidar no quotidiano no contacto com pessoas neurotipicas, mas também conseguir ter uma leitura diferente e mais adaptada do porquê da pessoa neurotipica ter reagido ou agido de uma determinada forma à sua pessoa neurodivergente. E poder chegar ao ponto de perceber que a pessoa neurotipica também ela pode ter limitações, dificuldades e fragilidades para perceber e saber lidar com determinados aspectos da realidade humana, seja ela autista ou não.


Mas ao fim destas ideias a pessoa continuou a perguntar-me como seria uma pessoa neurotipica e como poderia saber identificar as pessoas neurotipicas através do seu perfil de funcionamento. Ou seja, esta pergunta representa um desafio, até porque inverte aquilo que ocorre normalmente na sociedade e também na clínica. Ou seja, estamos formatados para pensar nas características das pessoas com problemas, atípicas e com determinados sintomas e características comportamentais como tendo um diagnóstico. E se pensarmos que as pessoas neurotipicas são aquelas com um desenvolvimento ou funcionamento neurológico típico, parece não fazer sentido pensar nestas características. Mas a pergunta faz todo o sentido e leva a quebrar com algumas formas standard de pensar.


Uma das primeiras coisas que disse foi - A pessoa neurotipica não é (na grande maioria das vezes) inflexível ou rígida do ponto de vista comportamental e cognitiva. E quando lhe é mostrado uma lógica diferente e coerente comparativamente à sua, tende a mudar. Ou seja, a pessoa neurotipica, apesar de ter todo um conjunto de ideias, ideais, valores e crenças, quando confrontado com o imprevisto e a necessidade de ter de mudar para uma coisa diferente, por norma não reage de forma excessiva face ao sucedido. Ainda que em alguns momentos ou questões o possa ser.


Mas isso é completamente imprevisível, disse-me a pessoa em reação à minha tentativa de explicação. O que me levou a dizer-lhe que uma das coisas que também parece ser típico e esperado na pessoa neurotipica é esse ser imprevisível. E que no caso das pessoas autistas, muito daquilo que observamos é que a pessoa autista sente necessidade de previsibilidade e de rotinas que possam garantir essa mesma previsibilidade e esperado. Ainda que se possa encontrar alguns traços de imprevisibilidade nas pessoas autistas.


Uma outra questão que lhe disse foi que a pessoa neurotipica não necessita necessariamente de planear o que vai dizer, pensar ou sentir, até porque tem ideia de que isso vai acontecer naturalmente à medida da interacção com a outra pessoa. Além de não sentir necessidade de saber o que está na cabeça da outra pessoa, pois conseguirá na maior parte das vezes perceber o que se pode estar a passar através de uma leitura de pistas sociais que a outra pessoa emite, sejam verbais ou não verbais. Mas como é que a pessoa sabe que é isso? perguntou-me logo de imediato. Na verdade não sabemos no sentido de ter certeza absoluta do que poderá ser, mas temos uma ideia muito aproximada e que deriva do nível de conhecimento que temos da outra pessoa.


Para além disso, a outra pessoa na relação, seja ela de que natureza for, é tida em conta como importante (mais ou menos). Ou seja, quando uma pessoa neurotipica vai dizer e/ou fazer uma coisa, acaba por equacionar o impacto daquilo que vai dizer à outra pessoa e pode em determinados momentos adequar ou até mesmo omitir. Mas isso é ser-se hipócrita? respondeu-me a pessoa. Não necessariamente! disse-lhe eu. E tem muito a ver com a forma como a outra pessoa é considerada na relação.


Ou seja, por mais que me continue a explicar como podem ser as pessoas neurotipicas, nunca vai haver uma só forma e mais fácil de perceber como ela é ao ponto de eu conseguir saber e compreender, certo? perguntou-me a pessoa. Sem dúvida! respondi-lhe. E também por isso a complexidade humana é suficientemente grande e diversa para podermos todos nós procurarmos ser mais tolerantes e aceitantes da diversidade humana. A conversa não termina aqui, mas o exercício em si devo dizer que foi do mais gratificante que possa pensar e sentir!



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