Confesse que de repente ficou confundido a pensar no filme Como treinares o teu dragão? E logo de seguida terá pensado, o que é que se vai seguir, certo? Muito bem. Na verdade conseguimos pensar em muitas semelhanças entre um camaleão e um dragão. Ainda que este último tenha asas, se pensarmos que existem cerca de 150 tipos de camaleões diferentes, não nos custa a imaginar que existam camaleões que tenha asas também. Quanto ao facto de poderem cuspir fogo da sua boca, estou certo que esse facto pertence apenas ao imaginário de todos nós. Verdade também que os dragões são tidos como animais de maior porte. Mas se pensarmos no Dragão de Komodo, esta espécie chega a atingir cerca de 70 Kg. E antes que algum leitor deste site com formação em Biologia avance para dizer que o Dragão de Komodo não é da mesma família que os camaleões. O exemplo é puramente para enquadrar o que se segue mais à frente. E além deste exemplo, poderíamos pensar em outros como a Cobra-dragão, Dragão barbudo, Lacraia-Dragão rosa choque, Libélula gigante, etc. Sendo que é verdade que qualquer um destes exemplos anteriores, nenhum deles é da família do camaleão. Mas peço-vos paciência.
Outros leitores mais atentos já perceberam que irei falar de camuflagem social. Até porque são mais rápidos a fazerem associações entre ideias e ligaram o comportamento típico e conhecido dos camaleões ao de camuflar. E pensaram que isso é algo que tem sido falado bastante nos últimos tempos no autismo. Verdade. E se houvesse um prémio teriam ganho.
Mas gostaria de poder pensar no comportamento de camuflagem social de uma forma ligeiramente diferente. Não apenas no facto de dizer que é algo que é usado com alguma frequência e principalmente em raparigas e mulheres no espectro do autismo. E que isso se parece dever ao facto das raparigas e mulheres apresentarem uma melhor competência em termos de aprendizagem de um guião social. Mas também referir que todo este comportamento de camuflagem social tem um grande prejuízo em termos de esconder e fazer demorar o diagnóstico. Mas também tem um prejuízo em termos de agravamento dos sintomas depressivos e ansiosos. Além de levar a uma maior sensação de desgaste físico, cognitivo e emocional.
Voltando novamente ao Como treinares o teu camaleão e tendo por base a experiência vivida do nosso jovem Viking de nome Hiccup, podemos pensar que na vida de todos nós, vão existindo determinados rituais de iniciação e ou de transição para determinada etapa da vida. Não temos de pensar apenas nos povos antigos para nos lembrarmos de certos rituais. Até porque também aqui foram existindo muitas evoluções nas práticas e rituais de transição. O certo, é que tal como o Hiccup, também muitas crianças e jovens, nomeadamente no Espectro do autismo, sentem que não se encaixam lá muito bem na tradição dos heroicos exterminadores de dragões. Mas que apesar de pensarem de forma diferente, não é por isso que não deixam de sentir essa mesma pressão social. Além de continuarem a desejar de fazer parte integrante da sociedade. E Hiccup sentiu isso na pele quando encontrou um dragão, um exemplar mais pequeno comparado com todos os outros. E ao longo do filme foi aprendendo a conhecer esse mesmo dragão, mas também a si mesmo. Até porque Hiccup não queria ser exilado da tribo. Assim como as pessoas autistas também não o desejam.
E aqui surge a ideia de Como treinares o teu camaleão. Ou seja, como é que uma pessoa autista pode aprender determinado conjunto de comportamentos que a ajudem a se sentir integrada no grupo. Mas isto sempre com a ideia de que a pessoa deseja isso. E não ser uma imposição explicita e ou implícita. E como tal, é importante poder ajudar a pessoa autista neste processo de se poder treinar, principalmente a partir do processo de auto-conhecimento. E a partir daqui poder aprender outros comportamentos sociais que possa integrar na sua pessoa e de forma adequada à sua personalidade. Até porque essa resposta é algo que acontece e é esperado acontecer em todos nós. E como tal deve poder ser pensado como algo igualmente normativo de acontecer nas pessoas autistas. E por isso, pode e deve ser algo possível de desenvolver em conjunto com a pessoa e sempre com a ideia de que é algo que a pessoa deseja.
E se chegado a este ponto do texto alguém se perguntar - Então afinal como é que se treina o camaleão? É preciso pensar que há muitos camaleões diferentes e o processo de treino não é igual para todos. Além de ser fundamental que cada um se possa em primeiro lugar conhecer, para que depois possa fazer este mesmo movimento de poder ser outro algo sem que isso seja sentido como um embuste, angustiante ou ameaçador, para além de fragilizar a própria identidade.
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