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Como treinar o seu profissional de saúde?

Achas normal que o meu médico de família disse que eu estava a brincar quando lhe disse que suspeitava ser do espectro do autismo? diz Cláudia (nome fictício). Cada vez que penso que necessito de ir a uma consulta médica fico ansioso! diz Carlos (nome fictício). Já fui a vários médicos e de várias especialidades e encontro sempre grandes dificuldades. E na maior parte das vezes acabo por não voltar lá! acrescenta.


Estas duas frases podem perfeitamente ser ilustrativas daquilo que muitas pessoas autistas sentem relativamente à resposta que recebem nas consultas médicas, mas também de psicologia e de outras especialidades. E não, não estou a querer dizer que os profissionais de saúde e técnicos em questão não são profissionais adequados e capazes. Até porque não tenho competência para os avaliar. Mas a questão trata-se de podermos todos reflectir naquilo que parece ser a necessidade de formação adequada dos profissionais de saúde para poder melhor receber as pessoas autistas nas suas consultas, sejam elas de que especialidade for.


E antes que as pessoas comecem a dizer que desde há muito que os médicos, psicólogos e outros técnicos recebem formação sobre o autismo nos seus cursos superiores, seja licenciatura, mestrado, pós-graduação ou outro. É melhor dizer que este tema não é novo, e que a literatura cientifica da área se tem debruçado sobre o tema. E tem inclusive recolhido informação válida junto dos médicos, psicólogos e outros técnicos. E são os próprios que referem esta mesma necessidade de ter mais e melhor formação adequada à compreensão e à interacção a ter com as pessoas autistas nas consultas. Como tal, juntando esta informação ao facto de haver igualmente estudos científicos que têm demonstrado esta mesma necessidade na perspectiva das pessoas autistas. Parece-me plausível fazer reflectir estas necessidades numa mudança prática.


Por exemplo, no que diz respeito à formação que os psicólogos recebem nos seus cursos de licenciatura e mestrado sobre o autismo, assenta em muito naquilo que é a informação presente nos manuais de diagnóstico. Haverá provavelmente algum cuidado nesta ou naquela Instituição do Ensino Superior com curso de Psicologia. Contudo, ainda que a informação apresenta nos conteúdos programáticos sobre o autismo é escasso relativamente à realidade diversa e complexa que se sabe estar contida no espectro do autismo. E não é por acaso que a avaliação formal com os instrumentos mais referenciados no autismo (ADI-R e ADOS-2) sejam formações realizadas à parte da licenciatura e mestrado. Além de se saber que o próprio processo de intervenção, metodologias e conceptualização da intervenção psicoterapêutica no autismo ao longo da vida seja ela própria bastante complexa e com diferenças relativamente àquilo que são os programas de intervenção strandard existentes.


Vamos sabendo que as pessoas com deficiência têm geralmente um menor acesso aos cuidados médicos necessários do que as pessoas sem essa condição. Os obstáculos aos cuidados adequados incluem o medo do paciente e o comportamento não cooperativo durante os procedimentos médicos de rotina e preparação inadequada dos profissionais médicos para tratar esta população. Assim como também sabes que as pessoas com condições do neurodesenvolvimento geralmente apresentam uma saúde mais precárias (e.g., maiores níveis de obesidade, consultas de urgência, etc.) do que as pessoas sem estas condições.


Por sua vez, os médicos reportam que prescrevem menos serviços de cuidados preventivos (i.e., hemogramas, verificação de pressão arterial, monetarização de colestrol, mamografias, etc.) e fornecem menos aconselhamento sobre comportamentos de risco (e.g., tabagismo, inactividade, etc.).


Aquilo que pode ser descrito como comportamentos não cooperativos para as pessoas com diagnósticos do neurodesenvolvimento durante as consultas médicas, são uma barreira para receber consultas médicas adequadas e respectivamente cuidados médicos. As pessoas com diagnósticos do neurodesenvolvimento podem apresentar comportamentos devido ao desconhecimento das pessoas na área médica ambiente ou devido a exposição passada à medicina aversiva procedimentos (p. ex., exames físicos, recolha de sangue) que levaram a

um medo aprendido de estímulos médicos


Os comportamentos não cooperativos podem assumir uma variedade de formas, incluindo chorar, protestar, recusar-se a seguir instruções, fugir, etc.. Em alguns casos, a não cooperação pode dever-se a fracas competências linguísticas receptivas (i.e., difculdade em cumprir instruções compreensíveis para abrir a boca ou para respirar ao verificar o funcionamento dos pulmões) . O comportamento não cooperativo pode levar à utilização de

procedimentos desnecessários, tais como imobilizações, sedação, ou anestesia, e que tem sido pensado como desnecessário, quando a situação pode ser encarada e resolvida de uma forma diferente. Mas que para tal é preciso que os clínicos possam ter conhecimento adequado sobre estas mesmas situações


A investigação sugere que a maioria dos profissionais médicos fazem não ter o conhecimento e a formação para promover o conforto e a cooperação das pessoas com diagnósticos do neurodesenvolvimento. Como resultado, os profissionais médicos podem não estar dispostos a implementar acomodações para estas pessoas. E como tal, os profissionais podem percepcionar e tecer hipóteses incorrectas acerca das competências destes seus pacientes. Nos estudos que abordam os profissionais médicos sobre este tema, observam que estes reportam falta de tempo, familiaridade com estas condições, ou acesso aos recursos comunitários, dificuldades com a comunicação, falta de formação ou experiência com esta população. E que tudo isto acaba por causar barreiras à prestação de cuidados de saúde.


Por conseguinte, uma forma de reduzir a desigualdade na saúde das pessoas com estes diagnósticos, é fornecer formação mais especializada aos estudantes de medicina e a profissionais de medicina. Atendendo a que a educação médica actual para o trabalho com pacientes com diagnósticos do neurodesenvolvimento é limitado a apenas algumas horas de instrução diadáctica em sala de aula. E a investigação sugere que este tipo de formação é ineficaz para preparar cuidadores e profissionais para trabalharem com esta população. Será importante que esta formação possa abarcar de forma mais diversificada aquilo que é o Espectro do autismo. Mas também possa assentar na formação em competências comportamentais que ajude os profissionais de saúde a implementar estratégias de gestão comportamental e que para tal a formação possa utilizar técnicas como a instrução, modelação e role-play com feedback.


Precisamos todos de sair deste lugar em que não estamos a conseguir construir uma resposta adequada em saúde mental. Será fundamental que os grupos representativos das pessoas com diagnóstico neuropsiquiátrico possam continuar a advogar mais e melhores práticas de saúde e de acesso aos cuidados. Será fundamental que as Escolas de formação de profissionais de saúde possam olhar para a realidade e a evolução do conhecimento das situações clinicas e possam fazer reflectir isso na formação dados aos seus alunos, mas também aos profissionais já na prática clinica. E para tal, é fundamental que as Ordens representativas das classes profissionais possam fazer esforços para que estas e outras formações possam continuar a acontecer. E pensar que a comunicação mais estreita entre todos poderá desenvolver mais e melhores prestações de cuidados de saúde e bem estar.


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