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Foto do escritorpedrorodrigues

Como criar um adulto

Por esta altura já todos ouviram dizer - É preciso toda uma aldeia para criar uma criança ! No entanto, se tiverem de dizer a esta mesma criança que ela tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, é provável que uma parte da aldeia fique sem saber o que fazer ou dizer.


Muitas vezes os pais deparam-se com questões complexas ao longo da vida e que se prendem principalmente com decisões acerca da vida dos seus filhos. Ou que têm um impacto bastante grande na sua vida. Uma dessas questões prende-se com o partilhar o diagnóstico. Talvez muitos possam pensar que é uma coisa fácil de decidir, mas não é. Não passa apenas por dizer que tens este ou aquele diagnóstico. E no caso do autismo esta questão parece ser ainda mais complexa. Não só pelo que o/a filho/a vai pensar, sentir e dizer. Mas também por tudo aquilo que se pensa acerca do autismo, do estigma face ao autismo.


Como é que o nosso filho vai reagir? Como é que os professores da nossa filha vão reagir? Como é que os colegas dos nossos filhos vão lidar com eles? Como isto, como aquilo, como tudo!


E não é por acaso que ainda hoje nos vão chegando à clinica jovens e até mesmos adultos que não sabem que em determinado período da sua vida foram avaliados ou levados a uma consulta da especialidade, e que lhes foi diagnosticado Perturbação do Espectro do Autismo.


Fica muito fácil poder criticar os pais por não terem dito nada. Vamos esperar até que ele esteja preparado! ouvimos muitos vezes. Vamos aguardar para que ela possa ter mais maturidade! ouvimos também. Contudo, é preciso poder escutar estes mesmos pais, naquilo que é a forma deles pensarem e sentirem o que é que este diagnóstico representa para si. Além do mais, estes próprios pais precisam de ser acompanhados neste processo e ajuda-los a encaminhar neste mesmo sentido da importância do conhecimento do diagnóstico e do que isso representa para a própria pessoa. E esta importância não é apenas no momento do conhecimento do diagnóstico, mas sim ao longo da vida.


Receber um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo corresponde a uma experiência de vida emocionalmente intensa. E se pensarmos que estamos a falar do diagnóstico dos filhos, podemos antever que essa mesma experiência é vivida intensamente e de forma diferente por pais e filhos. E se há coisa que os pais procuram fazer pelos filhos, principalmente quando estes são mais pequenos é protegê-los de determinadas experiências mais intensas e que possam ser pensadas como sendo traumáticas. E muitas vezes o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo é visto precisamente como traumático. Sendo que algumas das vezes é visto como traumático pelos pais e não necessariamente pelos próprios filhos.


Mas se avançarmos uns quantos anos para a frente podemos pensar naqueles adultos que recebem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo apenas nesta altura da sua vida. E apesar de muitos deles ficarem contentes com a possibilidade de agora poderem compreender a sua pessoa de forma diferente. Também é visível toda a dificuldade em conseguirem aceitar todo um conjunto de formas diferentes de pensar, sentir e viver as coisas da vida. Ou seja, passar vinte, trinta ou mais anos a viver a vida enquadrada numa determinada perspectiva que não a do autismo, torna mais difícil ao fim deste tempo todo encarar esta nova forma. Para além de todas as vivências traumáticas por não ter informação para a ajudar a melhor compreender as experiências. E de não saber como e porquê ter de se defender de determinadas atitudes dos outros.


É verdade que os pais e outros possam sentir que o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo pode ser sentido como algo traumático para a pessoa diagnosticada. No entanto, mais traumático ainda vai ser todo um conjunto interminável de experiências que a pessoa vai sentir ao longo de determinado período da sua vida e sem saber o que se passa. E que apesar de todo este desconhecimento não vai deixar de construir a representação do que possa ser. E como vai ouvir muitas vezes o quanto errado está a fazer as coisas, vai passar a sentir e pensar-se como uma pessoa errada e que faz mal as coisas. E como vai ouvir que é uma pessoa estranha, também vai passar a sentir e a pensar-se como uma pessoa estranha.


É fundamental que a pessoa se conheça para que se possa continuar a aprender ao longo da vida. E para que possa também saber como lidar com os outros e com o Mundo. E como tal é fundamental que a pessoa possa descobrir-se, descobrir o outro e o Mundo, através desta sua lente e perspectiva a que se dá o nome de Perturbação do Espectro do Autismo. Até porque não se trata apenas de um diagnóstico. Todas as características presentes nesta condição representam uma forma única de processar a informação acerca de si, do outro e do Mundo. Como tal, se sabemos que à partida já há um determinado conjunto de características que podem vir a dificultar este mesmo processamento. Pensem que o facto de não se saber uma pessoa autista ainda vai dificultar mais todo este processo.


Na verdade, as pessoas que descobrem em criança que são autistas, são no futuro pessoas adultas com uma probabilidade de terem melhor Qualidade de Vida. São igualmente pessoas que se aprenderam a aceitar mais e melhor. Mas também são pessoas que aprenderam a procurar aquilo que as faz sentir bem na vida. Nomeadamente, na procura de relações com pessoas significativas e que as compreendem. Sejam estas outras pessoas que se encontram ao longo da vida pessoas autistas ou não autistas. Se a pessoa autista se conhecer e respeitar, mais rapidamente fará com que o outro a conheça e respeite. Estará mais capaz de se proteger, nomeadamente dos comportamentos agressivos dos outros (e.g., bullying). Situação que tão frequentemente ocorre e que aumenta a gravidade da situação de vida da pessoa. Ou no caso das pessoas autistas adultas que são mais frequentemente vitimas de violência física e/ou sexual.


As pessoas que descobrem em crianças que são autistas, são no futuro pessoas adultas com uma menor probabilidade de terem experiências traumáticas a vários níveis. Por exemplo, são pessoas que aprenderam a se proteger de todo um conjunto de estímulos sensoriais no ambiente e que são causadores de mal estar e ansiedade.


É uma decisão difícil mas fundamental. E é uma decisão que não tem de ser feita sozinha ou desacompanhada. Até porque a criança diagnostica com Perturbação do Espectro do Autismo vai necessitar de acompanhamento e a família também. E este aspecto de contar o diagnóstico deve estar em cima da mesa e falado oportunamente.


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