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Cluster A: O autismo para lá do autismo

Para grande parte de nós no primeiro olhar para esta foto ficamos a pensar que é tudo o mesmo. Podemos dizer que é o espaço ou estrelas, mas ainda assim tudo muito igual. E muito provavelmente se continuarmos a olhar, duas, três ou mais vezes continuaremos muito igual.


Algo semelhante acontece quando nos referimos ao autismo no adulto. Seja porque achamos que todos nós podemos ter algumas "coisas" do espectro. Ou porque lemos que as pessoas autistas têm muitas outras perturbações psiquiátricas associadas! Mas também porque sabemos que várias pessoas com outras perturbações psiquiátricas poderão ter vários traços autistas, ainda que não tenham um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. E tudo isto não é a mesma coisa e reenvia para todo um conjunto de cuidados diferentes a ter na avaliação e intervenção, assim como nas consequências e na própria gravidade do quadro clinico e no prognóstico do mesmo. A titulo de exemplo, uma pessoa com um diagnóstico de Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) e que adicionalmente tenha um conjunto de traços autistas, irá conferir uma maior rigidez e inflexibilidade naquilo que já existe de base referente ao primeiro diagnóstico (POC). Para além de que a própria intervenção necessite de ser repensada, ainda que possamos usar um modelo Comportamental e Cognitivo com uma intervenção manualizada, tendo em conta estes traços autistas presentes e que vão oferecer mais desafio no processo de mudança.


E tal como tem sido verificado nos últimos cinco a dez anos, vários clinicos e investigadores na área da saúde mental, têm verificado que muitas das pessoas que atendem a nível clinico e com um diagnóstico de uma determinada perturbação psiquiátrica que não uma perturbação do neurodesenvolvimento, também apresentam características e traços autistas mais ou menos marcados. Por exemplo, tem sido demonstrado por clinicos que trabalham na área da Perturbação da Conduta Alimentar (i.e., Anorexia, Bulimina, ARFID, etc.), que esta população apresenta um número mais ou menos consideravel de traços autistas. E que consoante a maior presença destes traços faz agravar o prógnóstico do quadro clinico. E mais uma vez deve ser levado em consideração não somente para a conceptualização do caso clínico, mas também para a definição e desenho da intervenção a ser realizada.


E algo semelhante tem sido encontrado na população não binária e transgénero, em que têm sido mais frequente identificados traços autistas quando são usados instrumentos de rastreio, mas também avaliação clinica mais detalhada.


Esta questão relança a importância para que do ponto de vista clinico se possa ter em atenção a necessidade de despistar a presença de traços autistas como indicador de maior severidade quando é identificado um outro diagnóstico psiquiátrico.


E como tal, quando observamos que pode haver uma maior presença de aspectos sensoriais, sejam hiper ou hiposensibilidades e outras características comportamentais afim, ou aspectos de maior compromisso do ponto de vista da cognição social e empatia. Podemos antever que esses traços poderão trazer uma maior gravidade e necessidade de atenção clinica ao caso. Isto para que se possa intervir nos casos mais atenpadamente e não somente já na vida adulta depois dos quadros clínicos estarem mais cristalizados.


Se historicamente já se olhou mais para a infância na detecção da psicopatologia e para a própria intervenção precoce. Actualmente parecemos mais orientados para a intervenção já na vida adulta. Contudo, observamos que quase dois terços das pessoas com uma perturbação mental apresentam sintomas durante a adolescência ou no início da idade adulta (antes dos 25 anos), com uma idade média de início de 18 anos. Sendo que estas fases da vida são fundamentais para estabelecer as bases socioculturais e emocionais para a transição para a idade adulta, e as análises prospectivas indicam que o aparecimento de uma perturbação mental durante esta fase crítica da vida é um forte indicador de resultados socioeconómicos e de saúde adversos.


Um outro aspecto que precisa de ser pensado do ponto de vista clinico é que os quadros cliincos tal qual se apresentam em termos de queixas e sintomas é cada vez mais difuso e com maior presença de comorbilidades psiquiátricas. Ou seja, não devemos esperar observar uma pessoa que recorre aos serviços de saúde mental com queixas de tristeza ou ansiedade e pensarmos que se trata única e exclusivamente de uma perturbação do humor ou de ansiedade. A complexidade do comportamento humano é sobejamente maior, o que leva a uma necessidade de maior atenção dos clinicos e com uma outra abrangência na avaliação de sintomas que possam estar presentes. E não será por acaso que vamos encontrando pessoas autistas que são diagnosticadas mais tardiamente na vida adulta, quando na infância ou adolescência foram diagnosticados com depressão, perturbação bipolar ou ansiedade. E não é que esses sintomas depressivos, entre outros não estivessem presentes. Mas haviam outros sinais e comportamentos que estavam igualmente presentes e que foram de alguma forma ofuscados pela atenção dada à sintomatologia depressiva. Que ainda que importante ser atendida do ponto de vista clínico, médico e psicólogico, ainda assim não forneceu um diagnóstico compreensivo mais alargado e uma intervenção adequada para outras necessidades que continuaram a se desenvolver e agravar. E o mesmo se parece observar em relação ao risco de desenvolvimento de quadros psicóticos quando se verifica do ponto de vista psicológico um maior número de traços autistas. E neste caso da psicose, também é conhecido a sobreposição que estes dois quadros clinicos podem apresentar e que de alguma forma pode obscurecer um diagnóstico claro. Ou então em relação à sobreposição que se vai observando entre o espectro do autismo e algumas perturbações da personalidade, nomeadamente a Borderline no caso das mulheres, e a esquizóide e esquizótipica no caso mais frequente dos homens. Ou também a observação de psicopatologia mais frequentemente ansiosa e evitante.


É fundamental poder olhar para a infância e adolescência como períodos fundamentais de transição e de preparação para a vida adulta e que é fundamental poder ser olhado de uma forma mais abrangente e multidisciplinar as queixas e a expressão deste mal estar. Desta forma conseguiremos mais precocemente fazer uma leitura compreensiva do seu perfil de funcionamento no momento actual, mas também uma previsão de qual a possível evolução de algumas das características.


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