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Clash

"Breakin' rocks in the hot Sun

I fought the law and the law won

I fought the law and the law won..."


I fought the law, The Clash


Os The Clash e outros grupos da cultura Punk sempre foram reconhecidos pela sua atitude de subversão cultural e irreverência contra o sistema. Sendo que este sistema tem vários pilares e ramificações. E um desses pilares é a Justiça.


Já o escrevi em tempos que em Portugal há muita coisa que não se fala sobre no autismo no adulto. Até porque ainda estamos no patamar de falar sobre a existência do autismo no adulto. Mas falar de autismo é falar de pessoas, e isso implica necessária e obrigatóriamente falar dos espaços onde as pessoas existem. E dos seus direitos enquanto cidadãos plenos de direito, sendo um deles o acesso ao direito e aos tribunais. Sendo que este direito está previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e também na Constituição da República Portuguesa.


Contudo, o sistema judicial português não permite o acesso à justiça por parte de pessoas com deficiência intelectual em condições de igualdade face aos restantes cidadãos. Certamente que muitas pessoas autistas não apresentam uma dificuldade intelectual e desenvolvimental, ainda que uma percentagem significativa o tenha. Mas se estivermos a falar de pessoas com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1), ainda assim estaremos a falar de pessoas com deficiência. E garantidamente consegue ser pensado todo um conjunto de características suas e que terá um impacto directo sobre aquilo que será a intervenção dos diferentes agentes judiciais (advogados, juizes, etc.).


Sobre as pessoas com uma feciência intelectual e psicossocial foi publicado o relatório ENABLE - Permitir a inclusão e o acesso à justiça de arguidos com deficiência intelectual e psicossocial (Abril, 2023) e que traduz de forma muito clara a realidade deste grupo de pessoas e da sua experiência com a Justiça em Portugal (e não, não é uma realidade apenas Portuguesa). E como tal, conclui-se por exemplo que as pessoas com deficiência têm dificuldades em perceber como funcionam os tribunais e a justiça. Isto acontece porque não percebem o que se passa nos tribunais ou quando são acusadas de um crime. E muitas pessoas não se lembravam de terem sido informadas sobre os seus direitos quando foram detidas. Mas também os agentes judiciais, advogados e juízes reconhecem poder não saber o que fazer para tornar as coisas mais fáceis de perceber. E apesar de não haver dados oficiais sobre arguidos ou reclusos com deficiência, os números sobre as pessoas inimputáveis (i.e., isentas de responsabilidade criminal) mostram um aumento de 42% entre 2016 (n=266) e 2021 (n=378).


No que diz respeito à Perturbação do Espectro do Autismo na população reclusa em Portugal, o único estudo recente conhecido é da Diana Loureiro et al., de 2018, Higher Autistic Traits Among Criminals, But No Link to Psychopathy: Findings from a High-Security Prison in Portugal. E neste, entre outros aspectos é sublinhado a existência de traços autistas na população reclusa estudada. E se atendermos àquilo que é a realidade internacional estudada neste âmbito, ficamos com a noção de que em Portugal haverá uma percentagem de reclusos que apresentam um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. Podendo estes nem sequer ter conhecimento da sua situação clinica, porque não foram diagnosticados como tal. Ou tendo sido diagnosticados podem não estar a receber a intervenção adequada face à sua condição de pessoa autista, mas também de recluso.


Por exemplo, na realidade Americana, entre 1989 e 2020, demonstrou-se que 70% das pessoas que confessaram falsamente um crime e que posteriormente foram ilibadas do mesmo tinham uma condição psiquiátrica ou uma dificuldade intelectual e desenvolvimental.


Atendendo ao desconhecimento que muitas das pessoas envolvidas têm sobre o autismo e ainda mais no autismo no adulto. Acrescentado o conhecimento que se tem sobre a realidade do acesso à justiça por parte das pessoas com deficiência intelectual e psisossocial. Com base naquilo que são os direitos inalianaveis das pessoas. É fundamental pensarmos em como capacitar o sistema de justiça para saber como receber e intervir com as pessoas autistas. Até porque a facilidade com que são emitidos julgamentos morais, quando se está numa instituição que representa a justiça, não deixa de ser contraditório.


Seja as dificuldades de interpretação da informação verbal e não verbal, que muitas vezes é entendida como comportamento de manipulação para a obtenção das coisas desejadas. O ser mal educado quando não estabelece um contacto ocular ou não o faz de uma forma normativa. Mas também o ser rude e desrespeitoso por ter usado da sua vez para falar quando não era altura, ter levantado a voz, interrompido as pessoas ou não ter dado oportunidade para a outra pessoa falar, etc. Estes e outros, são todo um conjunto de exemplos, que apesar de poderem parecer anedóticos, não o são. E são perfeitamente enquadrados dentro de um perfil de funcionamento da pessoa autista.

Seja nos aspectos relacionados com o comportamento criminoso, mas também em situações de regulação das responsabilidades parentais, aspectos administrativos e outros. São todas elas situações em que as pessoas autistas se vêem como incompreendidas e com acesso reduzido e dificultado à justiça. E que nos casos do comportamento criminoso podem estar a ser envolvidos como tendo responsabilidade no comportamento a ser julgado quando na realidade isso não ocorreu, ou aconteceu de uma forma que a pessoa não está a conseguir dizer e/ou demonstrar. Mas também precisamos de pensar que não é apenas as situações em que as pessoas autistas se possam ver envolvidas directa ou indirectamente num crime. Há que pensar em todas as situações em que as pessoas autistas possam ser elas as queixosas ou que queiram reclamar sobre um direto seu.


No global e ao longo da sua vida as pessoas auitstas sentem a injustiça como parte integrante da sua existência. E ainda mais numa Sociedade com desconhecimento e ignorância face ao autismo e com um nivel de estigma ainda elevado. Seja na escola, em que muitas pessoas autistas são alvo de bullying e incompreensão por parte de alguns docentes na implementação das acomodações. O mesmo no acesso ao Ensino Superior e posteriormente à integração no mercado de trabalho. E que leva a que a vida da pessoa autista seja marcadamente dependente e pouco autónoma. E que o acesso aos aspectos que são direitos seus é de uma tremenda injustiça!



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