Em período de férias escolares lembro-me de sair de casa logo pela manhã para brincar. Vestia uma muda de roupa lavada que nunca chegava intacta quando voltava para casa. Se dúvida houvesse do que tinha estado a fazer bastava olhar para a roupa e para os vestígios de terra e outras coisas. Em determinada altura gostava de brincar a construir casas. Algumas eram semelhantes à minha casa na altura e outras faziam parte do meu imaginário. Quando um dia for grande quero ter uma casa igual a esta! dizia. Ou então quando ia para a praia, as casas eram normalmente substituídas por castelos, que na verdade não deixam de ser casas, ainda que especiais. Mas nem todos os meus amigos gostavam de brincar a fazer casas ou até mesmo castelos. Na altura não percebia porquê. Até porque não havia nada de mais importante ou interessante para fazer. Mas ao fim de todo um conjunto de anos compreendo que alguns deles teriam determinadas dificuldades sensoriais.
Agora que trabalho com pessoas autistas, as questões sensoriais são uma constante na vida de todos eles e ao longo do seu ciclo de vida. Isto porque, se há características que conseguem ser mudadas por aprendizagem. No caso das questões sensoriais o mesmo não pode ser feito dessa maneira. Ainda que a pessoa possa aprender a dessensibilizar para determinados estímulos. Contudo, uma coisa é certa, as questões sensoriais tem um impacto gigantesco na vida das pessoas autistas e tem consequências marcadas ao nível da saúde mental e na qualidade de vida. Ainda assim, a maior parte da investigação que é realizada nesta área prende-se mais com as características do processamento sensorial das pessoas autistas. E menos com a consideração pelos ambientes sensoriais aversivos que colocam exigências tão elevadas no processamento sensorial das pessoas autistas.
No entanto, as pessoas autistas continuam a referir que os ambientes sensoriais podem ser extremamente opressivos e podem apresentar barreiras no acesso a certos locais como supermercados, restaurantes, grandes lojas, escolas e ambientes médicos. Para além das normas de concepção, têm sido lançadas iniciativas para modificar a forma como os espaços são utilizados em todo o mundo, com a intenção de tornar os locais mais inclusivos do ponto de vista sensorial para as pessoas autistas e outras com diferenças de processamento sensorial. No entanto, estes exemplos ainda são em minoria face à realidade e necessidades prementes das pessoas.
Como tal, será fundamental que a própria investigação dentro e fora do autismo, assim como dentro de várias áreas do saber, seja da psicologia, arquitectura, física, engenharia, matemática, etc., possa ajudar a melhor compreender as necessidades que os edifícios e os espaços em si necessitam de ter para que estes se tornem adequados para as pessoas autistas e outras com dificuldades no processamento sensorial. E mais uma vez estou certo que esse tipo de alteração irá beneficiar qualquer um de nós.
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