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Foto do escritorpedrorodrigues

Caminhos incertos

Tenho a certeza de que o caminho é por aqui, diz Paulo (nome fictício), já com um tom mais elevado do que o habitual. O Paulo costuma ter certeza de muitas coisas. Ou pelo menos procura-a ter. A nossa vida é feita de incertezas, diz Paulo. Desde pequeno que oiço a minha mãe dizê-lo, conclui. Há muito que conheço a incerteza. Lido com ela desde sempre. Aprendi a conhece-la, refere o Paulo. Será que fiz bem? E se tivesse feito desta outra maneira? E por que será que a resposta está a demorar tanto tempo? Será que me enganei? Ao longo dos meus vinte e seis anos que as minhas manhãs começam assim, acrescenta Paulo. Em março deste ano quando a situação de pandemia começou em Portugal ouvi as pessoas falarem sobre a incerteza dos tempos e a ficarem mais ansiosas, reflectiu em voz alta. Talvez as pessoas pudessem ouvir como é que eu tenho lidado com a incerteza ao longo da minha vida. Os meus vinte e seis anos de vida que têm sido uma pandemia conjunta. E a ansiedade parece a banda sonora deste filme, diz Paulo a rir. Paulo tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Apenas o recebeu aos 18 anos, quando entrou na Universidade. Na verdade, o Paulo nem sequer "entrou" na Universidade. Assim que os pais o deixaram na Alameda para entrar no Instituto Superior Técnico, o Paulo sentiu um calafrio, um aperto abdominal e no peito como nunca lhe tinha acontecido. Os pais tiveram de o levar de imediato às urgências hospitalares. Apesar do Paulo já ter sentido algumas sensações semelhantes, naquele momento foi diferente, mais intenso. Tinha sido um ataque de pânico. Disseram-lhe no hospital que era uma situação normal de acontecer em estudantes universitários. Deram-lhe uma medicação S.O.S e disseram para ficar em casa uns dias. O Paulo ficou mais do que uns dias. O primeiro semestre inteiro mais especificamente. Os pais sentiram que alguma coisa de estranho estaria a acontecer e levaram o Paulo a uma consulta de psicologia. O Paulo têm uma Perturbação do Espectro do Autismo, disse-lhes ao fim de duas horas após ter feito a recolha da história clínica. Aquilo que o Paulo sentiu na entrada para a Universidade, sentiu ao longo da sua vida escolar. Quando entrou no Jardim de Infância, e depois na transição para o 1º ciclo, 5º ano, Ensino Secundário, etc. Desde estas transições mais marcantes a todas as outras mudanças mais banais do quotidiano. A incerteza é uma constante na vida do Paulo. Pensar o que as outras pessoas irão responder ou fazer depois dele dizer isto ou perguntar aquilo. Pensar se as coisas irão estar iguais no dia a seguir depois dele as ter deixado no dia anterior de determinada maneira. A ansiedade em todos estes pequenos e grandes momentos foi levando a um crescendo de mal estar no Paulo. E claro que neste momento de pandemia, o Paulo também tem sentido um aumento dessas mesmas dificuldades. Mas o Paulo hoje sabe dizer e também sentir que o futuro é sempre uma incerteza. E está mais aceitante dessa realidade. E sempre que a dúvida surge, ele volta a relembra-la e procura falar com alguém sobre essa mesma questão. Mas também procura pensar naquilo que poderá ser o pior que pode acontecer. Precisamente, qual o pior cenário quando se está com ansiedade devido à incerteza do dia de amanhã? E até que ponto é que essa mesma possível situação fará sentido! E quanto ao facto de se ter de estar 100% certo do que irá acontecer, há algum tempo que o Paulo já vai percebendo que isso não existe. Ainda que isso lhe cause algum arrepio em determinados momentos em que ele gostaria de poder saber. Nomeadamente, porque assim poderia controlar a situação. Mas neste e em outros processos é fundamental que possamos controlar a nossa pessoa e não a situação. O Paulo sabe-o melhor agora. O que importa é controlar-se a si, porque é em si que ele pode agir e fazer a mudança.


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