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Balanceado

Foto do escritor: pedrorodriguespedrorodrigues

Eu não tenho Autismo, mas sim Síndrome de Asperger! dizia o Rui (nome fictício). Tu nem sabes o que estás a dizer! gritou-lhe imediatamente Adelaide (nome fictício), que está no grupo desde o seu inicio. Além da Síndrome de Asperger ser uma condição dentro do autismo até 2013. É completamente aberrante estares a falar de alguém que pactuou com o regime nazi, acrescentou. Rui tem quarenta e sete anos e na altura em que foi diagnosticado o nome dado às suas características era Síndrome de Asperger. Adelaide tem vinte e quatro anos e tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1). Ultimamente tem estado envolvida de forma mais significativa enquanto activista. Vocês são os dois iguais, disse Daniel (nome fictício). Não concordo que aquilo que vocês têm é autismo ou se devia chamar de autismo, refere. Os ânimos pareciam estar a ficar mais agitados. Mas esta discussão é importante, não só pelo tema, mas também pelo que significa para eles e para a própria identidade do grupo. Já há algum tempo que tem havido esta cisão no grupo e na criação de alguns subgrupos com base naquilo que uns pensam que são ao contrário de outros. Não estás a afirmar aquilo que estou a pensar pois não Daniel? perguntou-lhe Adelaide. Já todos sabem a opinião do Daniel, diz Jorge (nome fictício). E que a sua ideia baseia-se na diferença em termos de competências e de necessidades de apoio, continua. Jorge tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (nível 1) em comorbilidade com uma Perturbação Obsessivo Compulsiva. Desde o principio do grupo que temos falado sobre as diferenças. Sobre algumas das suas diferenças, seja comparado com os outros não autistas, mas também entre eles próprios. Além de em cada um deles se observar diferenças desde a sua entrada no grupo até então. A diferença é um tema sempre presente. Para além de falarmos sobre a forma como cada um lida com a diferença e a respeita, e de como isso tem um impacto grande na vida das pessoas. O Daniel faz-me lembrar alguns dos médicos a quem fui antes de de ser diagnosticada como autista, diz Rute (nome fictício). Era tudo menos autista, acrescenta. Não podia ser autista porque fazia isto e conseguia aquilo. Não podia ser autista porque não tinha impacto suficiente na minha vida, refere. Enfim Daniel, esperava ouvir algo parecido de toda a gente menos de um autista, desabafa. O meu irmão tem um diagnóstico de autismo mais grave, diz Rosa (nome fictício). É verdade que o vi a fazer de tudo um pouco ao longo dos anos, continua. Fosse o bater com a cabeça na parede ou o morder-se. Compreendo que seja difícil. Confesso que até para mim na primeira vez foi difícil. Principalmente porque não estava a perceber o que ele estava a fazer. Mas o meu irmão não é apenas isso, refere. Nunca foi. E mesmo nessas alturas e quando eu conseguia falar com o meu irmão depois de estar ao lado dele a segurar-lhe a almofada para ele não se magoar mais,, muitas vezes ele explicava-me o que estava a acontecer, conclui. Todos nós temos dificuldades, diz Albano (nome fictício). Que não pensem que este ou aquele é mais leve ou pesado. E se quiserem que digam que é pesado. Até porque o sofrimento de cada um é pesado para si próprio. E é isso que importa, refere. Alguém costuma ouvir as pessoas a se queixarem de que o seu sofrimento constante no quotidiano é leve? Ou que as suas preocupações constantes e pensamentos ruminativos que levam a ficar assustado com o próprio facto de fechar os olhos e começar a pensar é leve? Alguém alguma vez testemunhou isso?, pergunta Albano voltando novamente a fazer o Origami que tinha em mãos. Eu nunca percebi por que é que algumas pessoas aqui neste grupo têm um atestado multiusos e outros não?, pergunta Adelaide. Pensar que isso quer significar que uns sofrem ou têm mais problemas que os outros é uma discriminação, continua. Já não é a primeira vez que este tema é discutido no grupo. Sempre que há alguém que decide sujeitar-se a uma Junta Médica é esperado falar-se sobre isso. Será que as pessoas acham que o facto de ter um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo nível 1 e associado a isso tiver uma Perturbação do Humor e de Ansiedade é uma coisa menor? Ou o facto de ter uma Perturbação Obsessivo-Compulsiva? Ou Bipolar? Ou Alexitimia? Ou Mutismo selectivo? Será que é apenas o facto de ter um déficit cognitivo associado a um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo que faz com que a pessoa possa ter essa mesma percentagem de 60% ou mais no Atestado multiusos? O que estão a querer dizer é que é um factor de inteligência e de competência intelectual que faz com que haja toda a diferença e capacidade da pessoa conseguir ultrapassar as suas dificuldades? É isso?, concluiu. Adelaide além de já estar no grupo há mais tempo é uma pessoa que lê bastante e de forma diversificada sobre o autismo. E todas as questões que ela própria coloca também eu já me coloquei e coloco a outros. E muitas vezes o silêncio ou o encolher de ombros continua a ser a resposta habitual. Até porque independentemente da sua competência intelectual, é sabido que a pessoa autista continua a apresentar todo um conjunto de características que a vão colocar em situações de grande desafio. Já para não falar de todo o estigma e preconceito face a esta condição e que continua em muito a limitar a vida autónoma da pessoa autista. Além do mais é igualmente sabido que o facto de ter um perfil cognitivo e intelectual acima da média e associado a uma Perturbação do Espectro do Autismo pode revelar-se uma maior dificuldade em determinadas situações, nomeadamente numa maior rigidez e inflexibilidade do comportamento e principalmente cognitiva. Parece que as pessoas não foram à escola, diz Albano. Ou então parece que nunca aprenderam que uma pena e uma pedra levam o mesmo tempo a atingir o chão, refere. A queda dos corpos à muito que é estudada e se chegou à conclusão de que ambos atingem o chão em simultâneo. Será que isso não chega e evidência para as pessoas?, pergunta.


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