Quem não se arrepia ainda hoje ao ouvir esta frase "Heeeeeeere's Johnny!"? The Shining foi um thriller psicológico produzido por Stanley Kubrick em 1980, em que o actor Jack Nicholson representava um papel de uma pessoa psicótica extremamente agressivo. Mas não é caso único no cinema. Se lembrarem por exemplo, a personagem romantizada de Natalie Portland em Black Swan e ainda mais recente o filme do Joker protagonizado por Joaquin Phoenix o ano passado. A psicose é uma perturbação grandemente desconhecida por muitos de nós e que tem uma expressão considerável em termos do número de pessoas afectadas por esta perturbação - 3 em cada 100 pessoas, experiencia a psicose em algum momento da sua vida. Em Portugal estima-se existirem cerca de 50000 pessoas afectadas por esta condição. E em cada ano, um em 3000 portugueses vai ter o seu primeiro episódio psicótico. E este grande desconhecimento da população em geral para os aspectos da saúde mental leva a criar uma interpretação errada e enviesada da psicose assente nesta crença da cultura pop trazida do cinema, tal como referido em alguns dos exemplos anteriores.
Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental Americano (NIMH), a psicose é uma condição psiquiátrica em que a pessoa afectada luta para diferenciar a fantasia da realidade. É caracterizada por delírios (falsas crenças) e alucinações (percepções sensoriais na ausência de qualquer estímulo). Uma pessoa que sofre de psicose pode ver, ouvir, sentir ou cheirar coisas que não estão realmente presentes - mesmo que experimentem essas coisas como reais. "As alucinações são confusas e desorientadoras. Nós não sabemos o que é real e o que não é, e temos um sentimento constante de que algo nos segue. Por exemplo, o meu mais recente é pensar que tenho um gato - quando não o tenho”, diz Carlos (nome fictício) de 31 anos.
A psicose pode de facto induzir alucinações sentidas como agressivas e violentas para alguns. "Estive num lugar onde queria destruir a casa e acabar com a minha vida com vários objectos por causa de alucinações auditivas e visuais", refere Tomas de 28 anos. Acrescenta outra situação em que precisou de parar de conduzir, e encostar o carro, porque ele acreditava que podia ver sangue nas suas mãos. Mas para outros, a psicose pode apresentar-se como uma experiência mais espiritual. Esses períodos em que uma pessoa perde o contacto com a realidade são conhecidos como episódios psicóticos. Esse episódio pode ser funcionalmente perturbador para uma pessoa, pois interfere com as suas actividades quotidianas comuns. Mas também pode causar prejuízos cognitivos e perturbações emocionais. Além disso, agir de acordo com as realidades percebidas também pode colocar em risco a pessoa que sofre de um episódio psicótico, bem como os que estão à sua volta.
Os sintomas da psicose incluem alucinações e delírios, além de pensamentos confusos e perturbados, que podem incluir um discurso mais rápido e constante, alternando de um tópico para outro no meio da frase ou uma perda repentina de linha de pensamento, evidente através de pausas abruptas na conversa ou na actividade. Também é incluído na psicose a existência de sintomas, tais como, depressão, ansiedade, problemas de sono, retraimento social, falta de motivação e dificuldade de funcionamento ao nível geral. Os potenciais precursores de episódios psicóticos podem incluir mudanças repentinas de humor, mais problemas de concentração do que o habitual, pensamentos dispersos ou uma mudança na velocidade dos pensamentos e uma mudança geral repentina na maneira como se percebe o ambiente.
Além disso, os sintomas físicos, como mudanças repentinas nos ciclos de sono ou alimentação, grandes flutuações nos níveis de energia, dores de cabeça e dores de estômago, também podem indicar um potencial episódio psicótico. “Uma pessoa que acredita estar em perigo pode ligar para a polícia. Alguém que acredita que ele é Jesus Cristo pode passar o dia a pregar nas ruas. Parar de comer porque teme que a comida esteja envenenada ou tem problemas para dormir porque está com medo ”. Mas, é importante notar aqui que a própria psicose também é um sintoma e geralmente é indicativa de outras condições subjacentes.
As causas da psicose variam de perturbações psiquiátricas, tais como a esquizofrenia ou perturbação bipolar, stress, privação do sono, trauma ou luto pela perda de um ente querido. Pode ocorrer um episódio psicótico a seguir ao parto devido aos enormes desafios sentidos neste período. Além de que certos medicamentos prescritos, abuso de álcool e uso de determinadas substâncias psicoactivas podem contribuir para causar psicose.
No estudo «Condições sócio clínicas dos doentes psicóticos da evolução prolongada em Portugal», coordenado por João Marques-Teixeira, a maioria dos doentes é solteiro (74,6%), um terço dos participantes habita numa residência protegida ou está internado numa instituição de saúde mental e apenas 29,9% dos indivíduos dizem usufruir de apoios sociais. Relativamente às habilitação literárias, apenas 12,7% dos inquiridos tem formação superior, 29,9% completou o ensino secundário e 4,5% dos doentes não sabe ler ou escrever. No que toca à situação profissional, a maioria dos participantes encontra-se reformado por invalidez e mais de 21% está desempregado. Sabe-se ainda 80,6% dos doentes participa em actividades ocupacionais, 17,2% dos doentes está envolvido em algum tipo de organização e 48,5% refere ter parte activa na vida política, expressa pelo exercício do direito de voto.
Mas também se sabe que a intervenção precoce consegue reverter muito do impacto na situação de psicose. O estudo “QUALINPEP: Avaliação da qualidade dos processos e resultados numa consulta de intervenção precoce na psicose” da Consulta de Intervenção Precoce na Psicose do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, coordenada pelo psiquiatra Nuno Madeira, conclui que 63% do total de doentes encontram-se em recuperação funcional e que 81% dos que são seguidos estão profissionalmente activos. Nuno Madeira continua afirmando que “Em cada ano, um em 3000 portugueses vai ter o seu primeiro episódio psicótico. Nalguns casos, será o primeiro de outros que surgem em consequência de uma patologia, sendo a mais frequente a esquizofrenia. Noutras situações, serão manifestações de diferentes doenças."
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