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AuAdhd

Eu preciso de rotinas. A minha vida e o meu quotidiano sem elas não existe. Mas há uma outra parte de mim que odeia rotinas e fica incrivelmente aborrecida e sem vontade de as cumprir!


Carla (nome fictício), mulher de 53 anos diagnosticada com Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, subtipo misto (há 12 anos) e mais recentemente com Perturbação do Espectro do Autismo (há 4 anos)


Quem se identifica com a Carla que ponha a mão no ar! Não é espanto ou novidade na clinica conhecermos pessoas como a Carla. Ou seja, pessoas que apresentam mais do que um diagnóstico de uma perturbação do neurodesenvolvimento. Neste caso específico de uma Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA) e de uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Mas também podiamos estar a falar de uma PHDA e uma Dificuldade de Aprendizagem Especfica (i.e., Dislexia, Disgrafia, Discalculia). Mas para já vamos centrar na PEA e na PHDA, tal como no exemplo dado pela Carla.


Quem está na clinica há muito que reconhece este tipo de situações, não obstante poderem não constar nos manuais de diagnóstico. Até porque os manuais de diagnóstico (i.e., DSM e ICD) vão atrás daquilo que representa a realidade clinica e da vida das pessoas. Até porque para haver uma revisão de um destes manuais passa um período de tempo consideravel e que nem sempre é complacente com o desenvolvimento cientifico e do pensamento critico. E como tal, hoje em dias ouvirmos falar de AuAdhd não é novidade ou um qualquer atropelo diagnóstico, mas antes, parece representar o envolvimento de outros agentes que antes não estavam tão envolvidos neste processo, ou seja, as próprias pessoas com estes diagnósticos. E que se têm procurado organizar nas associações que as representam para fazerem um lobbie sobre a revisão de determinados conceitos. E como tal, podemos escolher fazer parte de uma força de bloqueio, ou ao invés andarmos a navegar ao saber dos ventos. Ou então podemos participar nesta onda de pensamento critico e de reflexão conjunta sobre os fenómenos. No Autismo n'Adulto preferimos esta última onda!


A vida diária da Carla, assim como de muitas outras pessoas com características semelhantes é um desafio constante. Uma batalha entre uma mente que por um lado necessita de uma maior calmia, e em vários momentos de isolamento. Mas que em tantos outros momentos experimenta uma catadupa de pensamentos cruzados em simultâneo.


Pessoas como a Carla, com um diagnóstico de PHDA e PEA, frequentemente diz que não se sente encaixada nem num ou noutro diagnóstico de uma forma estanque e único. O que me parece compreensivel, até porque a vida das pessoas não é estanque ou hermética. Assim como o funcionamento do próprio cérebro. A dinâmica funcional do cérebro é muito mais complexo ao invés de linear. Para além de todo o desconhecimento que ainda acumulamos acerca do funcionamento do próprio cérebro.


O facto de saber que nas perturbações do neurodesenvolvimento, tal como a PHDA e a PEA, há uma sobreposição de determinadas áreas cerebrais que apresentam determinados compromissos. É de esperar que algumas das características comportamentais, especialmente aquelas que são de uma maior responsabilidade dessas mesmas áreas neuronais sobrepostas, possam aparecer de forma mais sobreposta. E como tal, a Carla no seu quotidiano é suposto que as características do espectro do autismo e da PHDA possam aparecer de uma forma mais misturada do que estanque. Ao ponto de muitas destas vezes, estas características poderem atrapalhar o próprio funcionamento da pessoa na tentativa de realização das suas tarefas e actividades.


Como tal, quando comecei a ouvir falar-se da AuAdhd, e da ideia de passar a haver uma nova catergoria nosológica nos manuais de diagnóstico para além da PHDA, PEA, e da comorbilidade entre ambas. Sob pena das pessoas em questão não se sentirem representadas parecia não me estar a fazer sentido no imediato. Isto porque o funcionamento neurológico e comportamental não assume esta forma de funcionamento linear. Compreendo que a própria arrumação categorial existente nos manuais de diagnóstico possa levar a este tipo de ideia de criar esta e mais outra catergoria onde as pessoas se possam sentir integradas. E provavelmente a reflexão poderá ir no sentido de olhar para a classificação nosológico mais a nível dimensional e num continuo.


E ainda mais depois de 2013, quando esta questão do AuAdhd surge pensei no AC/DC 2013. Ou seja, até 2013 não era possível atribuir um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) em comorbilidade com um diagnóstico de Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA). Facto que muitas pessoas, fossem aqueles com um diagnóstico de uma ou de outra condição e que se questionavam relativamente a outras características suas que se pareciam encaixar na outra condição não diagnosticada. Depois de 2013 com a DSM 5 passa a ser possível diagnosticar ambas as condições de PEA e PHDA na mesma pessoa, desde que sejam verificadas todos os critérios para ambas as condições.


Quanto ao facto de se falar sobre os aspectos residuais no diagnóstico. Ou seja, aquelas pessoas que não se encaixam num ou noutro diagnóstico, ou que sente que estão entre ambos. Este aspecto faz-me pensar quando havia o diagnóstico de Perturbação Pervasiva do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Ou seja, quando se encontrava alguém que não preenchia todos os critérios para uma Perturbação pervasiva do Desenvolvimento, mas que ainda assim demonstra ter várias características e com compromisso no seu desenvolvimento e quotidiano.


Pensar-se no cérebro como separado, um dos lados funciona a PHDA e no outro a PEA, ainda que compreenda as explicações, aprece ser um voltar a um certo funcionalismo do próprio cérebro. O heminsfério direito faz isto e o esquerdo faz aquilo. Sendo que hoje sabemos que a forma de funcionamento neuronal não é bem assim. E talvez não tenhamos de pensar na PHDA e na PEA como condições contraditórias. Ainda que se possa compreender que uma pessoa possa necessitar de um determinado nível de rotina em determinado momento e em outro momento diferente possa não o necessitar (não que não a deseje ou necessite).


Não obstante estas ideias, ainda assim me parece fundamental podermos acolher aquilo que são as experiências e vivências das pessoas com ambas as condições e como as vão sentido e procurando explicar. Além do mais parece igualmente importante poder continuar a haver espaço na investigação para olhar para estas outras possiveis condições e procurar perceber o seu sentido e significado. Envolvendo as pessoas autistas, sejam aquelas enquanto participantes, mas também enquanto investigadores no processo, procurando dar um sentido mais lato e qualitativo aos fenómenos a investigar. Mais uma vez também me parece fundamental irmos olhando para uma forma de pensar os diagnósticos, seja para nós profissionais de saúde, mas quando procuramos formular o caso clinico, o façamos em conjunto com o nosso cliente. Onde possa ser explicado esta outra perspectiva mais dimensional e não tão categorial.


 
 
 

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