Existem cerca de 168 milhões de pessoas autistas a nível mundial. Diz-se que o ratio do diagnóstico é de 1 mulher para cada 4 homens. Ainda que se saiba que a diferença é cada vez menor. Um terço (1/3) das pessoas autistas enquadra-se dentro do nível 1. E como tal dois terços (2/3) perfazem os restantes níveis 2 e 3.
Para qualquer um de nós será fácil de compreender que estamos a falar de muitas mulheres autistas nível 2 e 3, certo? Mas que a quase totalidade de nós não ouve falar delas. Excepto as suas famílias, as instituições e os profissionais onde estas mulheres foram passando a vida desde criança. Chega a ser curioso o facto de nem sequer sabermos o que é que estas mulheres pensam ou sentem sobre esse facto!
Tal como se pensou durante muito tempo que o autismo era algo exclusivo dos rapazes. E inclusive se julgou que o Donald Tripplet foi a primeira pessoa a ser diagnosticada com autismo pelo Dr. Leo Kanner. Eu própria disse-o e escrevi-o inúmeras vezes. Mas a verdade é que a primeira pessoa a ser diagnostica foi uma mulher e também quem a diagnosticou foi uma mulher. Apesar de sabermos o nome da médica que a diagnosticou - Grunya Sukhareva, não sabemos o nome da rapariga que foi diagnosticada aos 5 anos, apenas as siglas - P.L. Apenas podemos supor, criar ou imaginar como se chamaria.
Nunca soube o nome daquela mulher. Não acho que tenha a ver com o facto dela ser não verbal. Até porque sei que poderia dizer o seu nome de muitas outras formas diferentes. Nunca soube o nome daquela mulher porque não queria chegar perto dela. Não que tivesse medo por causa de alguns dos sons mais altos que emitia. Ou de alguns comportamentos mais exuberantes ou agitados. Não sabia o que lhe havia de dizer, ou responder. Isto se ela chegasse a colocar-me uma questão. Simplesmente não sabia. Ao longo da minha vida não se ouvia falar de mulheres com estas características. Ainda hoje não se ouve.
São poucas, para não dizer raras as situações de mulheres com deficiência de que se fala. Ou quando se ouve falar ou lemos prende-se exclusivamente com a gravidade das suas situações clinicas. Ainda mais graves do que as situações clinicas das mulheres autistas nível 2 e ainda mais nível 1. Pouco mais sabemos, lemos, ouvimos ou vemos. Experimentem colocar no Google level 3 autism adult women e depois procurem nas várias possibilidades do motor de busca. Procurem por imagens e vão verificar que não as há. Perguntem-se porquê?
E se não houver interesse ou trabalho de investigação desenvolvido sobre estas mulheres, isso irá ter uma implicação no trabalho que os profissionais clínicos nesta área irão fazer. Mas também na Sociedade irá sentir uma ausência de conhecimento sobre estas mulheres. E assim assistimos a um apagar destas mulheres. Mas talvez a verdade seja que elas nunca estiveram presentes.
Felizmente hoje ouvimos mais do que nunca falar sobre autismo no feminino. Mas principal ou quase exclusivamente no nível 1. Ouvimos falar sobre a forma como alguns dos instrumentos usados para a avaliação parecem não estar construídos para detectar a subtilidade de muitas das apresentações comportamentais observadas nas raparigas e mulheres autistas. Ouvimos falar de como muitas destas mulheres foram diagnosticadas com outros diagnósticos ao longo da vida. E de como são, ainda hoje, pouco compreendidas por alguns profissionais de saúde. Felizmente que isto hoje já é uma realidade mais presente na nossa vida. Mas e a grande parte das raparigas e mulheres autistas nível 2 e 3?
Estas e outras questões próximas não são lineares e de resposta única. A ideia de olhar para o conceito de autismo profundo, ou seja, aquilo que se enquadra dentro do nível 3 e até mesmo algumas situações nível 2, não está isenta de uma reflexão cuidada. Algumas pessoas, principalmente pais com filhos autistas nível 2 e 3, profissionais de saúde que trabalham com esta população e algumas pessoas autistas adultas de nível 1, têm procurado chamar a atenção para o que pode ser uma regressão ao pensar sobre o autismo. E que a designação autismo profundo constitui um retrocesso. Mas aquilo que temos, a realidade, não é ela própria um retrocesso em relação à realidade destas raparigas e mulheres?
Mas voltando à questão da representatividade das mulheres autistas nível 2 e 3, precisamos de pensar no porquê de ser quase inexistente e do que precisa de ser feito para alterar essa realidade. Esta questão da representatividade não é nova, seja dentro ou fora do autismo. No caso do autismo já muito se perguntou porque durante tanto tempo os participantes dos estudos de investigação eram do sexo masculino. Mas também já se tem colocado a mesma questão para os participantes com nível 2 e 3, em que são muito poucos os estudos existentes. E aqueles que existem centram-se na perspectiva de terceiros e não dos próprios. E não é por acaso que vários neurocientistas têm chamado a atenção para os estudos do cérebro e da representatividade de certas minorias nestas base de dados e como isso enviesa os estudos, resultados e as implicações nas politicas de saúde.
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