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Antónimos no autismo

An-tó-ni-mo, do grego Antónomus, substantivo masculino, palavra que tem significado contrário ao de outra(s) ou significado que de alguma maneira se opõe. No autismo encontramos muitos, seja Antónimos e "Antónios & Antónias".

É frequente na Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) entendermos que muitas das situações, vivências, afectos, emoções, pensamentos e comportamentos serem negativos. Os comportamentos são vistos muito na perspectiva do deficit, as emoções do ponto de vista da desregulação, da anedonia à alexitimia, as vivências são traumáticas e os pensamentos desorganizados. Esta visão é frequente na perspectiva dos próprios que aprenderam desde cedo com todo um conjunto de modelos sociais. Sejam os pais ou professores, mas também os os profissionais na área da saúde (i.e., médicos, psicólogos, etc.) e cientistas têm optado por usarem adjectivos de valência negativa para caracterizarem o autismo.


Não que no autismo não existam razões para que aconteçam todo um conjunto de acontecimentos de valência negativa, porque existe. Nem que seja na perspectiva subjectiva na avaliação de cada um de nós e até do próprio autista enviesada por um conjunto de outras variáveis presentes no seu quadro clinico. Por exemplo, a dificuldade na interpretação das pistas sociais. Ups!! Estão a ver? Lá estou eu novamente a escrever pela negativa - "dificuldades na interpretação das pistas sociais.". Ora bem, as pistas sociais por si só já são inúmeras e complexas na grande parte das vezes. As crianças, jovens e até mesmo adultos nem sempre apresentam as ferramentas adequadas e necessárias para as interpretar ou atribuir um significado. Seja por imaturidade ou outras situação. Mas as pistas sociais também apresentam um determinado nível de subjectividade. Como tal, esta atribuição de "dificuldade na interpretação das pistas sociais" parece partir muito da minha própria perspectiva e de um padrão pré estabelecido e que parece não ter em conta os autistas. Isto para além do impacto verificado na vida do próprio autista.


Mas em qualquer história de vida, mesmo por mais dramáticos e frequentes que sejam as experiências de vida, há um conjunto de outras vivências igualmente frequentes e positivas. Experimentem perguntar a um autista e logo verão! Talvez alguns possam não dizer logo imediatamente e levem mais tempo a poder encontrar exemplos. Mas se procurarmos nos despir de um determinado enquadramento teórico podemos aprender que os autistas também sentem, pensam, desejam e vêm coisas positivas a acontecer, seja em seu redor ou em si mesmos. São diferentes de algumas das nossas experiências? Porque não haveriam de ser? Eu também sinto que não consigo viver com valência positiva aquilo que alguns amigos meus sentem em relação ao futebol! So what?!


Esta questão é importante porque o facto de considerarmos mais frequentemente a ocorrência de situações negativas leva-nos a agir de uma determinada forma em relação às situações e à pessoa em questão, neste caso o autista. No caso especifico dos pais é importante poder considerar este fenómeno atendendo a que são os pais na quase totalidade das situações que acompanham os filhos autistas ao longo da vida. Pensem o impacto que pode ter nestes pais perspectivar uma vida inteira que os seus filhos apenas vivem momentos difíceis e traumáticos, logo a começar pelo conhecimento do seu diagnóstico - "Tem uma Perturbação do Espectro do Autismo!". No entanto, e principalmente para os pais, este diagnóstico já vem depois de muitos destes pais terem andando à procura de respostas para as suas dúvidas e inquietações. E muitos são os pais que já sabem que os filhos são autistas antes mesmo do diagnóstico atribuído.


A vivência de determinadas situações e a sensação de que as mesmas foram negativas não é errado. Sentir frustração ou impotência no momento de saber que o seu filho tem autismo não é errado. Tal como não é errado, por exemplo nos adultos haver uma sensação de alivio, bem estar e compreensão por se saber autista. Sentir emoções, sejam elas de valência positiva, negativa ou neutra não é errado. Expressar os afectos de inúmeras maneiras não é errado. Quanto muito errado será interpretar que no autismo e os autistas apenas vêm, pensam e sentem as coisas de forma negativa. E que o diagnóstico só pode ser sentido como um pesar, um lamento embalado pelos pais. Toda esta atribuição negativa embrulha e enquadra o autismo e as experiências num emaranhado complexo e que se traduz ele próprio numa vida negativa. São muitos os pais que têm uma visão da visa quiçá mais realista e eles próprios com uma visão e vivência mais enquadrada numa neurodiversidade e que leva a que integre o diagnóstico dos filhos e as próprias experiências de uma forma mais natural.


Será fundamental que todos nós, profissionais na área da saúde, cientistas e órgãos de comunicação social possamos dar o exemplo na maneira como escrevemos, falamos, pensamos e sentimos acerca do autismo e dos autistas. Os autistas sorriem! Não é nenhum espanto para mim. Mas preciso de dizer e escrever mais isso. Os meus clientes autistas sorriem e em determinadas situações de maneira adequada. E expressam os seus afectos sejam de que valência for. E agrado ou desagrado. E os pais dos meus clientes também olham os seus filhos e filhas autistas com orgulho. Como sei que os meus pais também o fizeram e fazem.

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