Já lhe aconteceu ter viajado em trabalho para um país onde nunca foi e chegar lá e verificar que as tomadas de eletricidade são diferentes das que habitualmente usa? E ainda por cima tem de terminar uma apresentação para fazer e usou toda a bateria do portátil durante o voo!? A mim já! E na altura não havia os recursos da Cloud que hoje existem.
Lamento se causei ansiedade a alguém. Este exemplo serve o propósito de pensar com vocês, aquilo que muitas vezes as pessoas autistas adultas, mas também os psicólogos clínicos que os recebem sentem. Ainda que de forma diferentes, as pessoas autistas adultas quando procuram a psicoterapia, seja porque já a fizeram no passado ou não, sentem vários receios sobre a forma como irão ser acolhidos, compreendidos e acompanhados. Mas os psicólogos clínicos, sejam aqueles que já trabalharam ou trabalham com pessoas autistas adultas, e ainda mais aqueles que nunca o fizeram, também pensam em como adaptar algumas das suas formas habituais de trabalhar.
Como é que eu vou dizer ao psicólogo para apagar a luz do gabinete? Não consigo aguentar mais! pensa Cláudia (nome fictício). Será que ele vai levar a mal se eu disser que a consulta podia ser mais curta? pensa Jorge (nome fictício). O que é que será esperado eu falar na segunda consulta? pensa Catarina (nome fictício). E o que é que ele me vai dizer por eu não ter feito as actividades que me tinha comprometido durante a semana? pensa Alfredo (nome fictício). Será que ele vai ficar aborrecido por lhe dizer que o ambientador do gabinete é muito intenso e não consigo ficar ali dentro? penso Júlio (nome fictício).
Penso que compreenderam pelos exemplos fornecidos aquilo que se pode passar na cabeça das pessoas autistas adultas que estão sentadas na vossa frente na sessão de terapia! E garanto-vos que os exemplos não acabam aqui. E não se centram somente nos aspectos da sensorialidade. Muitas vezes prendem-se com a forma mais ruminativa de ficarem a pensar sobre determinado assunto ou dúvida que têm. Por exemplo, se o terapeuta terá compreendido aquilo que explicaram. Ou se fará sentido para o terapeuta aquilo que disseram!
O meu cliente demonstra uma rigidez e inflexibilidade muito marcada, e ainda que diga que percebe a situação racionalmente não consegue operar a mudança! sente António (nome fictício), psicólogo clínico que acompanha algumas pessoas autistas adultas. E como é que eu faço a adaptação do protocolo de intervenção se ele foi validado para ser usado desta forma? sente Carla (nome fictício), psicóloga clínica que recebeu pela primeira vez uma pessoa autista adulta com uma Perturbação de Ansiedade. Estou há dois meses com aquela pessoa em terapia e não sinto que a relação terapêutica esteja perto de estar a começar! sente Carlos (nome fictício), psicólogo clinico que acompanha pessoas autistas adultas com determinada regularidade. A pessoa parece nem sequer ligar à minha presença na sessão! diz Mariana (nome fictício), psicóloga clínica que está há cerca de um ano a trabalhar com pessoas autistas adultas.
Como podem perceber, os psicólogos clínicos também sentem estas e outras dúvidas. E também vos garanto que não se esgotam nestes exemplos! Para além das próprias duvidas em relação ao diagnóstico em si e/ou de como o avaliar. Também há todas as questões referentes às comorbilidades psiquiátricas que acompanham a pessoa autista. E de como a depressão e/ou a ansiedade parecem apresentar também características diferentes e de uma intensidade diferente daquela que é observada em pessoas neurotipicas. No caso da depressão junta-se o facto das pessoas autistas apresentarem com determinada frequência Alexitimia, ou pelo menos uma maior dificuldade em diferenciarem as emoções em si e nos outros.
Mas então como é que podemos tentar ajudar a resolver as questões de uns e de outros?
Para além de podermos continuar a falar mais e melhor do espectro do autismo na pessoa adulta. É vital que esse falar possa ser para além daquilo que são as características expressas nos manuais de diagnóstico. Até porque o próprio nome espectro deixa adivinhar uma heterogeneidade suficientemente grande e variável. Assim como as diferenças existentes no próprio fenótipo comportamental feminino versus masculino. É importante poder dizer aos psicólogos clínicos que as pessoas adultas, nomeadamente pessoas autistas, podem não saber como agir numa consulta e num processo de acompanhamento psicológico, ainda que já o tenham feito no passado. Não assumir que as pessoas já sabem como fazer é importante. E poder em conjunto com a pessoa saber como ela se sente melhor a poder abordar as situações identificadas parece ser uma melhor escolha. E em determinados momentos, e não são tão poucos quanto isso, identificar em conjunto com a pessoa quais serão esses mesmos objectivos. Se os processos terapêuticos assumem uma cada vez maior adaptabilidade à pessoa e às suas necessidades. No espectro do autismo essa necessidade assume um maior expoente. Além de enquanto terapeutas nos podermos abstrair daquilo que são as nossas crenças e formas de olhar o mundo. Não que elas não sejam importantes ou válidas. Mas porque podem e contrastam muito frequentemente face às das pessoas autistas. E fica fácil no espectro do autismo podermos fazer leituras acerca do comportamento da outra pessoa como sendo frio, distante, desafectado, desligado, agressivo, etc.
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