Uma descrição dessas só pode ser autismo!, dizia ele com toda a certeza. Ainda assim, é importante descartar a possibilidade de uma Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção!, comentava ela. Eu ficaria mais seguro em afirmar que o quadro clínico é compatível com uma Perturbação de Ansiedade e uma Perturbação Depressiva Major!, acrescentava um terceiro colega. Ao ouvirmos o guitarrista Angus Young não temos dúvida alguma de estarmos a ouvir AC DC. O mesmo já não parece acontecer quando estamos na área das Perturbações do Neurodesenvolvimento. E quando fazemos uma avaliação de despiste de uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) a uma pessoa adulta é comum ouvirmos a pessoa referir que até à data já recebeu um conjunto de outros diagnósticos. E também é possível perceber que a pessoa pode obter um diagnóstico de PEA e apenas posteriormente vir a obter um outro diagnóstico associado. Por exemplo, é bastante plausível que uma pessoa diagnosticada com PEA e sem o acompanhamento adequado possa vir a desenvolver algumas outras fragilidades ao longo do desenvolvimento. Até porque a sua vida é muito frequentemente pautada de experiências traumáticas e de grande intensidade, logo desde a infância. Parece confuso, certo? E na verdade é complexo, sim. E é um desafio para muitos dos profissionais de saúde, que por várias ordens de razão podem estar enviesados devido à sua prática clínica em diagnosticarem com maior facilidade esta ou aquela condição, sem estarem a ver o quadro global. Mas também porque na pessoa adulta torna-se mais difícil obter informação do desenvolvimento por parte dos informadores. Além de poder haver com maior frequência a existência de comportamentos de camuflagem social, principalmente desenvolvidos pelas mulheres. Mas sem dúvida que a sobreposição entre a PEA e outros quadros psicopatológicos, pelo menos em algumas das suas características. Assim como a já referida existência de outras condições psiquiátricas associadas (comorbilidades), torna a tarefa de diagnóstico de PEA num adulto uma tarefa exigente. É conhecido dos inúmeros estudos científicos realizados até à data da existência de um conjunto de outras perturbações psiquiátricas associadas à PEA. É inclusive referido que uma pessoa autista apresenta cerca do dobro de probabilidades de vir a apresentar uma outra condição psiquiátrica ao longo da sua vida, quando comparado com outra pessoa sem o diagnóstico de PEA. Esta prevalência mais elevada de diagnósticos psiquiátricos anteriores e concomitantes em adultos autistas pode ser o resultado de fisiopatologia ou dimensões de sintomas sobrepostos entre o autismo e várias outras condições psiquiátricas, mas também pode reflectir os subprodutos de viver com PEA (não diagnosticada) e o encontrar inúmeros stressores ao longo da vida. E no caso das pessoas a viver sem PEA não diagnosticada está ligado à vivência de experiências negativas e que envolvem sentimentos de angustia, isolamento, ansiedade ou confusão. Sendo que todo este conjunto de experiências podem perfeitamente funcionar com factores precipitantes para problemas de saúde mental. Neste âmbito chama-se a atenção para o grande problema das mulheres autistas e que apresentam uma maior probabilidade de vivenciar estas situações, possivelmente devido à existência de um fenótipo típico feminino e que se desvia das características prototípicas que os profissionais de saúde tradicionalmente usam para diagnosticar PEA. Especificamente, as mulheres autistas parecem mostrar menos comportamentos estereotipados e repetitivos e maior interesse em iniciar ou manter relações sociais. Além de que as mulheres com um desenvolvimento tipicamente normativo, assim como as mulheres autistas, são mais propensas do que os homens a experimentar comportamentos de internalização, tais como a depressão e ansiedade. E como tal, este perfil mais internalizado ao contrário de um perfil externalizado, não costuma apresentar uma tão grande variedade de comportamentos disruptivos e outros problemas comportamentais e que normalmente levam a uma sinalização mais rápida, seja por parte dos pais mas também das escolas. Esta diferença entre homens e mulheres é importante de observar e reflectir. Até porque a investigação e a experiência clínica nos vai mostrando que as pessoas com um diagnóstico de PEA apresenta uma probabilidade significativa de apresentar pelo menos uma outra condição antes de terem recebido este diagnóstico. Sendo que as mulheres comparativamente aos homens apresentam um número superior de outros diagnósticos anteriores, e muito provavelmente devido ao seu perfil mais frequentemente internalizado. Mas interessantemente, após receberem o diagnóstico de PEA na vida adulta, as mulheres mais frequentemente deixam de ter os seus anteriores diagnósticos quando comparado com os homens que parecem manter uma maior estabilidade a esse nível. No caso das mulheres, o perfil de funcionamento do espectro do autismo parece ser mais facilitador para enquadrar e explicar a sintomatologia depressiva e ansiogénica. Dois pontos parecem-me fundamentais. Poder voltar a chamar a atenção da complexidade do diagnóstico de PEA na pessoa adulta e especificamente quando estamos a falar das mulheres.
top of page
bottom of page
Comments