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Foto do escritorpedrorodrigues

A vida é como uma caixa de chocolates...

Não é bem verdade que nunca sabemos o que vamos encontrar! Também é preciso olhar para a caixa para vermos o que está lá escrito acerca dos diferentes sabores que vamos encontrar! Os estudos genéticos conjuntamente com as neurociências e as técnicas neuroimagiológicas parecem ter substituído qualquer possibilidade de considerarmos o que os acontecimentos de vida, desde os mais marcantes aos do quotidiano, possam ter na vida da pessoa. Mesmo que se leia a caixa, quais os chocolates que lá estão dentro, os ingredientes, etc., os sabores nunca deixam de nos espantar!

Os estudos genómicos tem tido um papel preponderante em conhecer os determinantes de várias situações médicas. Mais recentemente, estes estudos têm ajudado a compreender o risco poligénico de determinadas situações do campo da psiquiatria, tais como o suicidio. Se há situações que têm apenas um gene e uma respectiva mutação na responsabilidade do surgimento de uma condição médica. Na psiquiatra já não se passa o mesmo, e verificamos existir um conjunto de genes envolvidos para explicar o surgimento de determinada situação. Não é apenas na psiquiatria, porque se pensarmos, a obesidade e pressão alta, doenças cardíacas e diabetes também têm um risco poligénico. Este facto leva a que a compreensão da situação e a intervenção para reduzir o impacto negativo causado e a sua incidência seja mais difícil.


Mas nem sempre os estudos genómicos, as neurociências e o uso de técnicas neuroimagiológicas, tais como a Ressonância Magnética funcional, entre outras, tiveram este papel preponderante. Seja porque ainda não havia um desenvolvimento cientifico suficientemente avançado para tal, mas também porque havia outras correntes de pensamento com um peso mais preponderante. Seja a psicanálise e mais tarde o modelo Comportamental e Cognitivo, mas também os modelos dos determinantes sociais de saúde.


Os determinantes sociais de saúde, atendendo aos seus importantes papéis na formação da saúde e do bem-estar, foram estando presentes na tentativa de compreender vários fenómenos comportamentais. Os determinantes sociais de saúde debruçam-se sobre os ambientes sociais adversos, tais como a pobreza, crime, aglomeração de pessoas numa determinada zona habitacional, desnutrição, discriminação e acesso a cuidados de saúde. Isso dificulta o envolvimento no tratamento psiquiátrico ou a convivência com doenças mentais. O objectivo não é entrar em demagogias e ficar a pensar que são as únicas situações causadoras dos problemas em saúde mental. Até porque estes fenómenos têm causas multifactoriais e riscos poligénicos. Mas penso por exemplo na interligação entre a pobreza, os desalojados e a saúde mental. Há em vários países um conjunto de campanhas para a irradicação da pobreza e a resolução das situações psicossociais das pessoas desalojadas. E também há todo um conjunto de planos nacionais para o combate à saúde mental. Neste caso especificamente, penso o quanto importante será olhar para os problemas de saúde mental existentes na população desalojada para perceber que se resolvermos aquilo que parece estar na base - um ou mais condicionantes de saúde mental, conseguiremos resolver com mais probabilidade a situação da pobreza e dos desalojados.


No entanto, há outro nível de determinantes pessoais de saúde, que prevêem riscos e podem ocorrer mesmo em pessoais que vivem nos ambientes sociais mais protegidos. Esses eventos podem ser situações que ameaçam o apego emocional e a vinculação ou que produzem vergonha e humilhação. Eles podem ser gatilhos próximais do aparecimento de sintomas psiquiátricos, prever a probabilidade de recaída de um perturbação em remissão ou ser o resultado de uma perturbação psiquiátrica. Argumentamos que esses eventos pessoais da vida permanecem uma dimensão pouco reconhecida e que a adição dessas informações durante os cuidados de rotina feito pelos vários profissionais de saúde (médicos, psicólogos, terapeutas, etc.) pode aumentar ainda mais a utilidade dessa mesma informação para a psiquiatria.


Alguns dos eventos de vida pessoal importantes de serem reconhecidos, compreendidos, seja pelo profissional de saúde, mas também pela pessoa, e abordados no contexto terapêutico são:


  • Luto ou morte recente de alguém próximo. Embora os rituais do luto variem amplamente por religião e cultura, a experiência do luto não.

  • Conflitos interpessoais ou interrupções pessoais de um relacionamento com pessoas importantes para a pessoa. Esses conflitos podem estar num impasse com raiva silenciosa e menos consciente, na fase de renegociação com argumentos ou então na iminência de levar a uma situação de ameaça ou estão no processo de dissolução de um relacionamento. Eles podem incluir família, amigos, trabalho e outros.

  • Transições ou mudanças na vida que produzem perturbações emocionais. Isso pode incluir transições positivas, como mudança ou melhoria nas condições de trabalho ou de vida, ou perturbações negativas, como alterações na saúde, filhos que saem de casa, divórcio ou reforma.

  • Solidão, incluindo pessoas com pouco ou nenhum vínculo ausente ou que estiveram ausentes por um longo tempo ou estão relacionadas ao estadio da vida.

A susceptibilidade a eventos recentes da vida pode ser aumentada por adversidades precoces, como perda dos pais na infância, abuso físico ou sexual ou histórico familiar de doença psiquiátrica. Eles também podem ser amortecidos pela disponibilidade de apoio social, família, amigos e igreja, entre outros.


Apesar dos estudos que têm procurado olhar para os acontecimentos de vida stressantes e a sua implicação no campo da psiquiatria não serem novos e datarem de 1960. Estudos mais recentes confirmaram a sua relevância como parte do modelo de diátese-stress dos sintomas psiquiátricos. Por exemplo, a compreensão do comportamento suicida como uma resposta à imersão em situações de stress definido pelos eventos da vida e que mostram que a interligação dos eventos da vida relacionados à saúde e ao trabalho foram os principais precipitantes do comportamento suicida, especialmente entre pessoas com Perturbação Depressiva Major recorrente.


Tais eventos pessoais da vida nem sempre são tidos em conta na clínica, dada a brevidade do tempo de encontro entre o cliente e o médico, prioridades médicas concorrentes, etc. De notar que apesar desta situação ser observada mais frequentemente num modelo biomédico também ocorre com alguma frequência no modelo psicológico. De facto, os auto-relatos de pacientes, juntamente com o diagnóstico, parecem fornecer a melhor previsão de resultados relacionados ao suicídio, por exemplo. E parecem que os registo de saúde não estão a reflectir os riscos sociais importantes para o comportamento suicida, tais como a perda de emprego, luto, ou fim de um relacionamento…. Os factores de risco social certamente melhorariam a precisão das previsões.

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