Em 2021 uma mulher tinha uma esperança média de vida de 83,5 anos e um homem 78,1. Nem sempre foi assim. Já vivemos menos, muito menos. Em 1975, o ano em que nasci, os homens viviam em média até aos 64,7 anos e as mulheres 72,1. Um aumento considerável podemos pensar. Ainda que se ouça muitas pessoas dizerem que é importante que estes anos sejam vividos com qualidade, caso contrário não vale a pena.
A frase escolhida para o titulo deste texto - A vida que nos escapa entre os dedos, tem várias interpretações possíveis. Mas de uma maneira geral quer significar aquilo que as pessoas sentem que podem estar a perder de oportunidades na vida. Seja oportunidades de viver determinadas experiências pessoais, profissionais ou outras. Mas também por sentirem que determinadas experiências, normalmente negativas, as faz perder tempo de vida, ou pelo menos, vontade de a continuar a viver dessa forma. E aqui poderemos estar a falar de pessoas com uma determinada doença mais incapacitante, mas também de uma condição psicossocial e que cause igual impacto negativo. Até porque não é apenas uma condição de saúde física que retira anos de vida a uma pessoa! As condições psicossociais, nomeadamente os aspectos relacionados com a saúde mental, têm igual impacto desgastante na vida das pessoas. Não é por acaso que por vezes ouvimos a expressão - Aquela pessoa faz-me cabelos brancos! ou Esta vida dá-me cabelos brancos!
Como tal, ter uma Perturbação de Ansiedade ao longo do tempo leva a um maior compromisso do ponto de vista da saúde cardio e cérebro vascular. Assim como uma Perturbação do Humor, por exemplo, uma Depressão Major leva a potenciar a existência de uma doença neurodegenerativa do sistema nervoso central. Já para não falar dos números de suicídio que têm vindo a aumentar nos últimos anos.
E o que dizer sobre as pessoas autistas? Já tem sido investigado e publicado dados referentes a este assunto mencionando que as pessoas autistas têm no geral uma média de vida menor que a população em geral. E alguns dos estudos têm referido que esse número é de 16 anos. É assustador, sem dúvida. Mas relança muitas questões do porquê disso poder ser assim. E o que fazer em relação a essa realidade. Contudo, os estudos mais recentes têm apontado para um número ligeiramente menor. Assim, constata-se que os homens autistas sem um défice cognitivo vivem em média até ao 74,6 e com um défice cognitivo associado até aos 71,7. E no caso das mulheres autistas sem um défice cognitivo, vivem até aos 76,8 e com um défice cognitivo até aos 69,6. Se olharmos para os valores em questão, são muito semelhantes à esperança média de vida em Portugal em 1975. Ou seja, quer dizer que ao fim de 50 anos passados, em que se melhorou significativamente todo um conjunto de indicadores de qualidade de vida, ainda assim as pessoas autistas parecem não estar a beneficiar disso. E porquê? E quais as razões que poderão levar a esse facto?
Certamente que o facto de haver todo um conjunto de condições de saúde física comprometida nas pessoas autistas (e.g., cardíacas, gastro-intestinais, auto-imunes, etc.). Podemos pensar que isso contribuirá para uma diminuição do número de anos vividos. Mas será apenas isso?
Sabemos que o número de casos de suicídio no autismo tem aumentado. E isso reflecte entre outras coisas um índice de maior desesperança nas pessoas autistas e na sua capacidade de dar uma resposta adequada às suas necessidades e desafios sentidos. Mas também relega para o facto de haver um marco compromisso do ponto de vista psiquiátrico associado. E é sabido da percentagem considerável de condições psiquiátricas associadas e que co-ocorrem com a Perturbação do Espectro do Autismo. Mas será apenas isso?
Tanto quanto sabemos e podemos afirmar, o autismo em si não reduz directamente a esperança de vida, mas sabemos que as pessoas autistas sofrem de desigualdades na saúde, o que significa que muitas vezes não recebem o apoio e a ajuda de que necessitam quando precisam.
Como tal, as pessoas autistas parecem estar autorizadas a reclamar o número de anos de vida que lhe é retirado pelo facto de estarem a ser tratados de forma desigual. Começando por um aspecto fundamental que é o acesso ao diagnóstico. Apesar de verificarmos um aumento no número de diagnósticos de Perturbação do Espectro do Autismo, seja em crianças e jovens, mas principalmente em adultos. E de que esse facto se prende em grande parte devido à melhoria na capacidade de diagnóstico por parte dos profissionais de saúde. Também sabemos que continuar a haver um número considerável de casos que não são diagnosticados ou diagnosticados bastante mais tardiamente. Ou seja, o facto das pessoas não terem um acesso equitativo para o diagnóstico leva a que não consigam aceder aos serviços de saúde especializados e adequados às necessidades da pessoa. Mas há todo um conjunto de situações para as pessoas já com um diagnóstico. Ou seja, o número de anos a correr para a Segurança Social para entregar mais esta e outra declaração para o subsidio X ou Y, que é um direito das pessoas com deficiência. E que mesmo que apresentem uma perturbação do neurodesenvolvimento e isso signifique que seja uma condição crónica, ainda assim têm de fazer a apresentação sistemática e anual dessas mesmas declarações. Ou então, o número de anos em que têm de fazer a entrega dessas mesmas declarações na escola. E com as inúmeras situações mais desgastantes em a escola aceitar e principalmente implementar as medidas e acomodações necessárias e que são um direito da pessoa autista. E o mesmo quando a pessoa autista procura continuar os seus estudos na universidade. Ou então quando procura entrar no mercado de trabalho e verifica haver todo um conjunto de dificuldades no processo de recrutamento e selecção e nas situações vividas nas próprias empresas em que a pessoa autista sente uma grande dificuldade nas acomodações necessárias. Mas também na possibilidade de poder falar mais abertamente sobre o seu diagnóstico, entre outros aspectos. E ao longo destes anos todos a prestação de cuidados de saúde especializada médica ou psicológica que se verifica ser aquém das necessidades.
Em 2021 uma mulher em Portugal tinha uma esperança média de vida de 83,5 anos e um homem 78,1. Hoje estamos quase a finalizar o ano de 2023, e provavelmente a situação estará muito semelhante. E se atendermos àquilo que é a esperança média de vida de um homem autista (76,8 anos) e de uma mulher autista (71,8 anos), conseguimos compreender que estamos a falar de menos 7 anos de vida. 7 anos de vida é muita areia a passar entre dedos!
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