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Foto do escritorpedrorodrigues

A vida numa caixa

A vida é como uma caixa de chocolates. Nunca sabes o que te vai calhar! lia-se em Forrest Gump. Da mesma forma que há muito que ouvimos, Tens de pensar fora da caixa! Ainda um destes dias quando falava com uma pessoa autista sobre a importância de nos colocarmos no lugar do outro. Sabes, esse começa por ser o primeiro problema que eu tenho, disse a pessoa. É que a primeira ideia que me vem à cabeça é que não é possível fazê-lo porque isso significaria ficar em cima de ti no teu lugar, compreendes!? refere. E aqui não nos estamos a querer apenas referir àquilo que se chama de interpretação literal. Estamos a falar da forma como a pessoa autista processa a informação, de si própria, do Outro, do Mundo e da interrelação entre todos. Como tal, não é apenas a interpretação literal. Mas também o impacto que esta forma de processar implica na capacidade de se colocar no lugar do outro. E de como isso poderá despoletar uma resposta menos positiva por parte da outra pessoa e ser recebida como negativa ou até mesmo uma resposta traumática.


Tal como a frase Pensar fora da caixa poderá levar a maior dificuldade em interpretar. Ainda que muitas das pessoas autistas pensem fora da caixa, não haja dúvida. Mas talvez aquilo que algumas pessoas autistas pudessem responder numa situação dessas seria - Pensar fora da caixa?! Eu não consigo pensar nem dentro da caixa! Melhor ainda, eu nem sei onde é que está a caixa! Mas independentemente da forma como muitas pessoas autistas pudessem responder a esta frase, uma coisa parece certa relativamente à forma como as pessoas autistas adultas vivem - sabemos muito pouco acerca das mesmas.


Sabes, eu nunca vi tantas pessoas não autistas interessadas em dizer o que as pessoas autistas têm de fazer! diz Rafael (nome fictício). Alguém já pensou em falar connosco e perguntar o que é que nós gostaríamos? pergunta de forma desafiante Carla (nome fictício). Dizem-nos para pensar fora da caixa, que precisamos de ser tolerantes ou flexíveis. Mas as pessoas não autistas pensam que nós somos animais amestrados? questiona Raúl já tenso. E as pessoas não autistas, já pensaram elas que também precisam de ser tolerantes e igualmente flexíveis? continua Júlia no seguimento da frase de Raúl.


As crianças autistas crescem para se tornarem adultos autistas, e o autismo é cada vez mais diagnosticado na idade adulta e mais tarde a vida. Sendo que a prevalência de pessoas autistas mundialmente está entre 1% a 2%. E por exemplo na Europa estimam-se ser cerca de 5 milhões de cidadãos com este diagnóstico.


Se as pessoas soubessem o que é que eu tive de me encaixar durante a vida toda! diz Rafaela (nome fictício). São cinquenta e nove anos de tentar encaixar-me. Para a semana são sessenta, sessenta anos, continua. E para quê? questionou António (nome fictício) com quarenta e oito anos. Os meus pais sempre disseram para eu me tentar encaixar na Sociedade. E que só assim é que conseguiria ser alguém. E afinal é isto?! continua. Cerca de 80% das pessoas autistas não têm autonomia e não vivem de forma independente, dizem os artigos científicos, refere Paulo (nome fictício), investigador cientifico com cinquenta e quatro anos. E o emprego não é melhor, continua. Cerca de 70% das pessoas autistas não têm um emprego. E dos 30% de pessoas que o têm diz que não são empregos estáveis ou remunerados de forma igual, conclui. E ainda há que ache que sabe muito de autismo porque leu algumas coisas sobre camuflagem social, refere Rute (nome fictício) com quarenta e dois anos. Se soubessem o sofrimento que é ter de ser alguém para nos sentirmos encaixados. E depois de um dia de trabalho a não sermos nós ter coragem de nos olharmos no espelho! conclui. Será que alguém tem ideia do que é passar metade da sua vida sem se compreender e não haver ninguém que ajudasse? questiona Elisabete (nome fictício) de cinquenta e seis anos. E depois ainda há quem pense que nós temos de ficar logo felizes e contentes porque nos vêm dizer que temos um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo, continua. A primeira coisa que me apeteceu fazer foi fugir de tudo isto. Não queria acreditar. E muito menos na reacção que as pessoas à minha volta estava a ter a dizer que eu tinha de aceitar, conclui. E quando me disseram que eu era diferente, a primeira coisa que perguntei foi se era um diferente bom ou um diferente mau! diz José (nome fictício) de trinta e nove anos. Além do mais, não percebia muito bem aquela questão do diferente. Sempre pensei que toda a gente era diferente! conclui. E o que dizer quando se tenta sair fora da caixa, refere Júlia (nome fictício) de quarenta e três anos. E termos a própria família a duvidar de nós. E se antes é porque tinha umas manias, agora é porque quero forçar as pessoas a acreditar que eu sou autista e mesmo depois de lhes ter mostrado o relatório continuaram a negar! conclui. Querem saber quem são as pessoas autistas adultas? questiona Gustavo (nome fictício) de cinquenta e cinco anos. Então tratem-nos como adultos e sejam adultos também e venham falar connosco. Se nos perguntarem poderemos sempre falar sobre nós! conclui.


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