Não sou nenhum arauto da desgraça, mas é preciso fazer alguma coisa disto!, diz Alberto (nome fictício). Estou cansado de ligar a televisão e ouvir falar da pandemia isto, a pandemia aquilo, e que as coisas ainda vão continuar!, continua. Para muitos que as coisas nunca deixaram de continuar, conclui. O Alberto tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo. O Alberto tem quarenta e três anos. O Alberto ainda não conseguiu até hoje ter um emprego que durasse mais de oito meses. A semana passada acabou o seu quarto contrato feito até então desde que terminou a Escola Secundária quando tinha dezanove anos. Não fui para a Universidade porque não percebi que isso fosse fazer a diferença na mina vida, diz Telma (nome fictício). A Telma tem trinta e nove anos e está numa situação muito semelhante ao Alberto. Conheceram-se os dois num grupo de auto-ajuda para pessoas autistas. E ao fim destes anos todos continuo a pensar que a ida para a Universidade não me ajudaria nada, repete. Só de pensar nas dificuldades! Se as pessoas ao menos soubessem!, refere. E não, não tem a ver com as dificuldades comuns num estudante universitário. Essas eu sinto-as também. Estou a falar de todas as outras. E muitas são devidas ao facto das outras pessoas não saberem lidar com as pessoas autistas e o autismo. Nem tem tanto a ver com o facto de eu ser autista ou não, acrescenta. A mesma coisa no trabalho, refere. Dos cinco empregos que tive aconteceu sempre a mesma coisa, continua. Ao principio olharam para as minhas competências é verdade. Mas depois começaram a notar mais e mais determinadas características minhas. E depois justificaram a não continuação do contrato por a minha avaliação de desempenho não ser positiva nas relações com os colegas e na comunicação, diz. Já me mandaram fazer formação especifica para aprender competências sociais, diz Alberto. Quando estava no meu primeiro trabalho ao fim de dois meses disseram que eu teria de ir fazer essa formação para aprender competências básicas de socialização para aprender a dar-me com os colegas, refere. Senti aquilo como uma punhalada. Mas era o meu primeiro trabalho e não quis dizer que não. Mas foi muito difícil para mim. Senti que não me estavam a respeitar e pior ainda que me estavam a desrespeitar enquanto trabalhador e pessoa. E ainda tive de ouvir os meus colegas dizer que eu estava a ser beneficiado. Apenas me apetecia dizer que se eles quisessem que tomassem a minha vez na formação, pois eu não queria fazer nada daquilo. Até porque as pessoas que estavam a dar essa formação de competências sociais não estavam minimamente adaptados para trabalhar com pessoas autistas. E nem quero ouvir dizer que se eu quisesse que eles soubessem que tivesse dito que era autista!, grita Alberto. Como é que eu havia de dizer que sou autistas se a quase totalidade das pessoas depois não sabe lidar com isso e nem parece querer saber?, pergunta Telma. Afirmando que também teve a mesma situação. As pessoas parecem morrer de medo de ouvir falar da palavra autista. E ainda pior, não parecem sequer disponíveis para ouvir falar. E alguns que parecem estar disponíveis, parece que apenas querem ouvir uma história de coitadinhos. E não a história real de quem passou por tudo isto, diz. Eu não sei como fazer para ajudar a mudar as coisas, mas estou disponível, diz Alberto. Eu também, diz Telma. Mas é importante que todos nós, autistas e outras pessoas com deficiência, possamos juntar-nos para poder dizer isso em voz alta, e não parar de o dizer enquanto não mudarem as coisas, acrescenta. E as famílias precisam de ajudar nisso, diz Alberto. E de uma forma diferente do que têm feito até então. Assim como os profissionais de saúde e os políticos. Nós não somos crianças em ponto grande, diz. Nós somos cidadãos e queremos ter voz nas decisões da nossa vida, remata.
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