Ainda há dois dias celebrámos o solisticio de verão, é certo! E ainda faltam 6 meses, ou mais precisamente 184 noites, 14 horas, 10 minutos e 45 segundos para o Natal. Mas há coisas que parecem inadiáveis. Uma delas é aquilo que muitos Autistas gostariam que os não autistas soubessem sobre o Autismo.
Não vejo porque não se possam começar a fazer a preparação do Natal com seis meses de antecedência. Quantos de vocês não sentiram já essa sensação de fazer um salto no tempo para essa altura de magia? Quantos de vocês não começam a sentir aquela irrequietude para saber quais são as prendas que estão embrulhadas debaixo da árvore de natal? E quantos não conseguiram resistir e foram lá espreitar tentanto não deixar rasto?
Pois bem, há coisas na vida que cabem naquela categoria do inadiável. Coisas que precisam de ser conhecidas sob pena de causar mais estrago se tal não acontecer. Por exemplo, se não soubermos que a nossa mãe nos vai oferecer aquela camisola de lã quentinha e que causa uma comichão intensa quando vestida, há três ou quatro coisas que podem acontecer. A primeira é que não vamos receber aquele comando da PS4 dual schock que tanto esparavamos. Segundo, vamos ter de voltar a fingir que gostámos imenso e isso é algo impossivel para nós - fazer uma cara de agrado & mentir. Terceiro, corremos o risco de ficar o resto do natal amuados. Por último, mais uma vez a nossa mãe vai ficar sem compreender o que se passa connosco.
Mas não vos venho falar dos dilemas da maior parte de nós no Natal. Gostaria de vos escrever um pouco acerca das coisas que os meus clientes Autistas pensam, sentem e dizem que gostariam que os não autistas pudessem saber sobre o Autismo. Porque tal como no exemplo anterior, há várias coisas que podem e acontecem quando as pessoas não sabem ou não compreendem sobre o Autismo e que causa um impacto devastador sobre os Autistas. E não, nada que se compare com o exemplo dado. É algo muito pior do que receber três pares de meias felpudas da nossa tia avó. É algo que deixa uma marca quase permanente e que condiciona em muito o comportamento do Autista e o próprio bem estar e qualidade de vida.
É uma triste realidade que a perturbação mental e as condições do neurodesenvolvimento sejam muito menos respeitadas e validadas do que as doenças físicas pela simples razão de que elas não podem ser vistas ou diagnosticadas com uma triagem ou um exame de sangue. No entanto, o que muitas pessoas não percebem é que essas condições "invisíveis" podem ser tão debilitantes quanto a doença física. Alguns exemplos dos perturbações mentais e neurológicos que são frequentemente ignorados e depreciados incluem perturbação de ansiedade generalizada, stress pós-traumático, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbação depressiva e perturbação do espectro do autismo (PEA).
No caso da PEA tenho alguns clientes que acabaram por saber do daignóstico antes mesmo de terem realizado a avaliação comigo para o despiste de PEA. Muitos dos meus clientes adultos procuram insistentemente informação acerca daquilo que se pode passar consigo e com os seus sintomas. Hoje mais do que nunca circula informação na rede, ainda que nem toda seja cientificamte válida, que ajuda a direcionar a pesquisa de muitos deles para grupos de auto-ajuda, redes sociais de Autistas adultos, páginas de profissionais da área do autismo, Bloggers activistas pró-autismo, etc. Muitos deles ficam entristecidos ao ouvir como é tão frequentemente retratado o autismo na sociedade. Há muitos equívocos circulando sobre o autismo que gostariam que fossem esmagados. Mas por enquanto, vão deixando alguns desejos e listas de coisas que gostariam que todos soubessem sobre o autismo. Ainda que não seja autista confesso que também já fiz listas semelhantes.
Oram bem, umas das primeiras coisas que os meus clientes gostavam que soubessem é que não há um Autista igual a outro Autista. Apesar das condições listadas na DSM 5 serem as mesmas utilizadas para atribuir um diagnóstico de autismo nem todas as condições aparecem com qualidade igual nos autistas. Ou seja, duas pessoas autistas podem ter dificuldades na interacção social. Uma delas por defeito e a outra por execesso. Por exemplo, alguém pode sentir mais frequentemente necessidade de estar sozinho e de não ver com tão grande entusiasmo o contacto social. Enquanto outro pode estar mais à vontade nos contactos sociais e procura faze-lo com grande frequência e até desinibição.
Uma segunda coisa e que normalmente irrita os autistas e qualquer outra pessoa minimamente sensivel é que nem todos são um pouco autistas. A partir do momento em que se começou a dar mais peso a esta questão do espectro e de como as características presentes no autismo estão presentes ainda que de forma muito diluida ao longo da população isso não sognifica que todos sejam um pouco autistas. O facto de ser um pouco mais timido, ou não gostar de muita confusão ou ruído, gostar de arrumar as coisas de uma certa maneira, etc. Não são esses exemplos soltos que fazem com que a pessoa seja autista ou como dizem "um pouco autista". A Perturbação do Espectro do Autismo é uma condição do neurodesenvolvimento e com uma apresentação mais complexa do que se julga. Para além de que os autistas se sentem menosprezados quando vêm o canal Assembleia da Republica e ouvem um deputado a chamar autista a outro deputado quando o que este queria dizer é que o seu colega não o parece estar a compreender.
Uma terceira coisa tem a ver com o não ficarem a olhar especados à procura de sinais visiveis na cara da pessoa. O autista parece visivelmente tão autista quanto o não autista o parece. Da mesma forma que uma mãe não autista se sente zangada por alguém dizer que o seu bebé é mais parecido com o pai. Também uma mãe autista se sente por ouvir dizer que o seu filho não parece nada ser autista.
Quarta, nem todos os autistas são como o Rain Man (Dustin Hoofman no filme contracenado com o Tom Cruise nos anos 80). Metade dos autistas apresentam em sinultaneo um deficit cognitivo (números que representam a realidade americana). Ou seja, metade dos autistas apresentam um conjunto variado de grandes limitações que vão para além da interacção social. Mas a outra metade apresenta exemplos de grade funcionalidade, seja devido ao perfil cognitivo acima da média. Mas também porque a expressão fenótipica nos homens e mulheres é diferente e as mulheres apresentam características tais como desejo em ter contactos sociais, mascararem comportamentos sociais (camuflagem), etc. No fundo é importante não ter uma ideia estanque acerca do autismo. Eu diria acerca de qualquer outra condição neuropsiquiátrica. Ou até mesmo de qualquer um de nós. Ainda que o esterótipos tenha uma funcionalidade social. Mas isso pode ficar para outro post.
Quinta, os autistas sente empatia. Os autistas sentem felicidade, desejo, amor, raiva, etc. Os autistas sentem, ponto final. É verdade que a expressão facial do que sentem num determinado número de vezes pode não ajudar. A expressividade mais neutra acaba por não estar de acordo com o que está a ser falado. Isso não quer dizer que o autista não esteja a sentir.
Sexta, os autistas não são mal educados, caprichosos, etc. Isso pertence à categoria dos juizos morais. Presunção e água benta cada qual toma a que quer. Quanto assistimos a uma desregulação num autista, aquilo a que vulgarmente se chama de uma enorme birra. Aquilo que estamos a assistir é a uma sensação de sobrecarga. Descrito como uma sensação de imersão, inundação de sentimentos e sensações, fisicas e psicológicas e que se torna incontroláveis. Normalmente, a resposta mais automática passa por chutar coisas, morder coisas ou a si próprio, bater portas, etc. Na grande parte das vezes há outras pessoas, nomalmente familiares que tentam conter fisicamente e isso nem sempre corre bem devido às hipersensibilidades tácteis, enquanto que outras vezes esta descarga passa apenas por um reportório verbal. Outra coisa que para espanto de muito acontece é que ao fim de poucos minutos parece que nada aconteceu. O que muitas das vezes parece dar força à ideia da falta de educação e/ou de manipulação do contexto. Não é, acreditem.
Sétima, nem todos os autistas são bons na matemática. Ou na fisica quantica, astronomia, engenharia, ou computadores, etc. São ideias que vão passando nos vários relatos que são feitos acerca do autismo. Até mesmo as séries que vão passando na televisão. Não quer dizer que não existam autistas médicos ou cientistas. Eles existem e eu posso comprovar isso. Mas há muitas outras áreas onde os autistas também são capazes de se expressarem, tais como a literatura ou a música, etc. Da mesma maneira que encotramos uma enorme expressividade nas características do autismo também é verdade que os seus próprios interesses encontram variabilidade igual. Além assim, acrescentaria que nem todos são uns génios no sentido estereótipado do conceito. São todos pessoas especiais tal como qualquer um de nós o é na medida da sua existência única.
Oitava, a expressão do autismo nos rapazes e nas raparigas é diferente. Apesar de se falar da prevalência de 4:1, ou seja, em cada 4 rapazes diagnisticado com autismo temos uma rapariga autista, há pelo menos duas considerações que precisam de ser feitas. Uma delas é que mesmo sendo verdade esses números isso não quer dizer que as caracterísiticas entre rapazes e raparigas tenham de ser iguais. Porque não o são, ponto final. Além disso, já foi substancialmente demonstrado que os estudos que serviram à construção desse número "4:1" foram baseados em amostra subtancialmente masculinas e como tal os resultados estraidos são enviesados.
Nono, as vacinas não causam o autismo, ponto final. Se acham que há necessidade de discutir mais esta questão eu aconselho a que se vacinem!!
Décima, o Autismo não pode e não deve ser curado. Ao longo destes anos muito tem sido falado e prometido acerca das múltiplas curas para o autismo, já para não falar dos exames ou diangósticos com amostras de sangue ou saliva, etc. para detectar o autismo. O autismo é uma condição do neurodesenvolvimento e que afecta a estrutura cerebral ao ponto de comprometer a interacção social e a comunicação com os outros. Esta estrutura cerebral que apresenta estas características não pode ser curada. Isto apesar de haver um conjunto de intervenções validadas cientificamente para o autista. No caso da psicoterapia ela serve o propósito de capacitar o autismo a nível pessoal, social e/ou funcional mas também para ajudar o próprio a tomar consciência da sua própria pessoa e condição e de que maneira isso diz respeito à sua própria existência. As terapias servem o propósito de capacitar o autista a saber lidar com os seus sintomas, seja ansiedade, depressão, rituais, obsessões ou compulsões, etc., de os saber compreender e de os ajudar a integrar na sua vida, ainda que em muitas situações a própria terapia sirva para reduzir significativamente a ocorrência dos episódios. Em relação à medicação - não há medicação para o autismo porque entre outras coisas o autismo não se trata ou cura. A medicação é usada para outras condições existentes em simultaneo como a PHDA, POC, Ansiedade, Depressão, Epilepsia, etc.
Décima primeira. Ao fim de 10 minutos a escrever estas outras surgiu mais uma. Ser diferente não é sinónimo de ser mau, inútil, imprestavel, etc. Isso mais uma vez são diagnósticos morais. Se conhece alguém autista trate-o de maneira adequada à sua idade. Assuma a comptência e não o infantilize. Ele não está a fingir e não está a tentar ser dificil apenas porque sim mesmo que apresenta uma maior rigidez e inflexibilidade comportamental e cognitiva.
São diferentes quanto qualquer um de nós. E o Natal é quando a pessoa quiser. Mesmo que no caso dos Autistas existam muitos que não o desejem. Em parte porque têm hipersenbildiades auditivas e visuais e se há coisa que o natal tem são luzes e música. Mas também tem um conjunto de outros comportamentos que não são rapidamente compreensiveis. Até para nós. Por exemplo, se nos queixamos do ambiente porque continuamos a deixar o lixo das prendas do natal no dia 25 de dezembro de manhã no contentor ao ponto de entupir as ruas? E a lista poderia continuar, tal como a lista dos meus clientes autistas.
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